sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Novo espaço cultural em Porto Alegre, Instituto Ling será inaugurado nesta sexta-feira

Cursos, exposições e shows serão em prédio assinado pelo arquiteto Isay Weinfeld
por Luiza Piffero

Arquitetura é destaque do prédio do Instituto Ling  Foto: Omar Freitas / Agencia RBS

Os amantes do saber e do conhecimento têm um novo endereço. Aguardado como opção de centro cultural para Porto Alegre, o Instituto Ling abre as portas nesta sexta-feira (31/10) após dois anos de obras no bairro Três Figueiras. Se a arquitetura do edifício desenhado por Isay Weinfeld já faz da sede uma atração, a programação promete ser intensa: até o fim do ano, estão programados 28 cursos, 12 sessões de cinema, oito shows, duas oficinas de música e uma exposição. Localizado na mesma rua do Instituto Cervantes – proximidade que deve render parcerias – e a uma quadra da Avenida Carlos Gomes, o espaço promoverá atividades culturais em ambientes projetados para essa finalidade.

– É o bairro com maior renda per capita da Capital. Mas o escolhemos porque é uma zona residencial, sem ruídos e com muito verde. A proposta está ligada ao bem-estar – explica Carolina Rosado, gestora do projeto.

Um auditório de 89 lugares receberá ciclos de cinema e palestras, além de shows musicais de jazz e blues, às quintas, e concertos de música erudita aos domingos pela manhã. Voltada à arte contemporânea, a galeria terá sua agenda inaugurada no dia 19 de novembro com o artista carioca Nelson Felix. Em fevereiro, será a vez de outra artista de prestígio nacional, a gaúcha Karin Lambrecht.

Os cursos serão o segmento mais intenso da programação. Com curta duração e voltadas para pequenos grupos, os encontros serão voltadas a temas variados, envolvendo áreas como filosofia, cinema, arte, história e gastronomia, além de temas contemporâneos em ciência e geopolítica.

– Todos os cursos são para leigos – reforça a coordenadora.

Atuante desde 1995, o Instituto Ling tem como principal atividade a distribuição de bolsas de estudo para brasileiros. Por trás da entidade sem fins lucrativos está a família Ling, que emigrou da China para o Brasil nos anos 1950. Hoje seus membros estão à frente da holding Évora S.A., controladora da principal patrocinadora do centro cultural, a Fitesa, produtora de não tecidos de polipropileno usados em fraldas e absorventes.

– Nosso objetivo não é o lucro, mas queremos que o instituto se pague. Estamos apresentando o centro a empresários em busca de mais patrocínio – adianta Carolina.

Para ter longevidade, o projeto incorporou serviços de parceiros, como a loja Pandorga, o estacionamento SafePark e o Press Café. As exposições terão financiamento por meio da Lei de Incentivo à Cultura (LIC-RS), e as salas do edifício estão disponíveis para locação.

Arquitetura para apreciar

> O prédio é assinado pelo premiado arquiteto paulista Isay Weinfeld, responsável pelo desenho de hotéis do grupo Fasano e de espaços culturais como a Livraria da Vila, em São Paulo, e o Midrash Centro Cultural, no Rio.
> Com linhas sóbrias e espaços amplos, o edifício do Instituto Ling tem três pavimentos, que ocupam 3,2 mil metros quadrados, aproveitando a inclinação da rua lateral para dois subsolos com estacionamento, salão de eventos e laboratório de gastronomia.
> O térreo concentra recepção, galeria, loja, café, auditório e três salas para cursos.

Cursos

Entre novembro e dezembro, o Instituto Ling oferecerá 28 opções em áreas como filosofia, arte, história, ciências, política e gastronomia. Confira os cursos que abrem a programação:

> Internacionalmente Local, com Carlos Kristensen (1º a 29/11, cinco encontros)

> Literatura e os Grandes Temas da Cultura Contemporânea, oficina com o escritor português Gonçalo Tavares (3 e 5/11)

> A Construção Social do Brasil Moderno, com Ruben George Oliven (3 a 24/11, quatro encontros)

> Amor e Mal-estar na Cultura, com Rosane Pereira (3 a 24 /11, quatro encontros)

> Ética: Entre os Modernos, os Contemporâneos e as Ciências Cognitivas, com Adriano Naves de Brito (3 de novembro a 15 de dezembro, sete encontros)

> A Arte de Ver a Arte – Da Grécia à Modernidade, com Tânia Bian e Angela Wolf (3 a 24/11, quatro encontros)
> Paris no Século 19, com Tânia Bian e Angela Wolf (3 a 24/11, quatro encontros)

> Taste – Experiência Gastronômica, com Marcelo Schambeck (3 de novembro a 15 de dezembro, sete encontros)

Shows

Atrações do fim de semana de estreia:

> Show de Leo Gandelman e Eduardo Farias (sexta-feira, 31/10, às 21h, R$ 40)
> Recital de piano com Juliana D’Agostini (domingo, 2/11, às 11h, R$ 40)

Confira a programação completa no site www.institutoling.org.br.

Não se perca

> O Instituto Ling fica na Rua João Caetano, 440, bairro Três Figueiras, em Porto Alegre. Fones: (51) 3533-5700 e 3287-6364.
> Funcionamento: diariamente, a partir das 11h, com encerramento às 22h nos dias úteis, às 21h nos sábados e às 20h nos domingos.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Os donos da mídia expuseram-se. E agora?

Ao romper, na campanha eleitoral, todos os limites do jornalismo, Veja expôs oligopólio da comunicação. Que fará governo, além do demorado processo judicial?

Por Venício A. de Lima, no Observatório da Imprensa
Conhecidos os resultados eleitorais, espera-se que, no seu segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff enfrenta a questão inadiável de um marco regulatório democrático para o setor de comunicações ou “da regulação econômica do setor” como ela mesma tem dito.
panfleto-veja
grand finale do processo de construção de uma “linguagem do ódio” (ver “O que será feito do ódio e de sua linguagem?“) e da partidarização da cobertura jornalística – que vinha progressivamente se radicalizando ao longo de toda a campanha – confirmou os graves riscos para o processo eleitoral e, sobretudo, para a própria democracia, de um mercado oligopolizado que favorece a ação desmesurada e articulada de grupos privados de mídia na defesa de interesses inconfessáveis.
Refiro-me, por óbvio, à edição 2397 da revista Veja, do Grupo Abril, à sua circulação antecipada, à sua planejada repercussão em outros meios de comunicação e à sua utilização (capa reproduzida e distribuída como panfleto) no esforço derradeiro de cabos eleitorais do candidato Aécio Neves (ver aqui).
Liberdade de expressão?
A edição 2397, que não foge ao padrão rotineiro praticado pela Veja, abandona princípios elementares do que possa ser chamado de jornalismo, nos termos definidos historicamente pela própria indústria de comunicações.
Um bom exemplo poderia ser “a teoria da responsabilidade social da imprensa”, consagrada pela Hutchins Commission (Estados Unidos, 1947): “Propiciar relatos fiéis e exatos, separando notícias (reportagens objetivas) das opiniões (que deveriam ser restritas às páginas de opinião) e servir como fórum para intercâmbio de comentários e críticas, dando espaço para que pontos de vista contrários sejam publicados” (ver aqui).
Aparentemente Veja não se preocupa mais com sua credibilidade como produtora de notícias e cultiva de forma calculada um tipo de leitor cujas opiniões ela expressa e confirma. De qualquer maneira, em momentos críticos de um processo eleitoral seu poder de fazer circular “informações” no espaço público é inquestionavelmente ampliado por sua cumplicidade de interesses com outros oligopólios da grande mídia.
Acrescente-se que Veja sempre se ampara legalmente em artimanhas jurídicas de profissionais da advocacia e, muitas vezes, em decisões do próprio Poder Judiciário que tudo permite em nome da liberdade de expressão equacionada, sem mais, com a liberdade da imprensa.
Não foi o que aconteceu dessa vez.
A resposta do TSE
Ações judiciais impetradas pelo PT no TSE tentando diminuir as consequências daquilo que a candidata/presidente Dilma chamou de “terrorismo eleitoral” foram objeto de decisões imediatas e impediram que as consequências fossem ainda mais danosas – embora não houvesse mais tempo para “apagar” insinuações e denúncias publicadas sem qualquer comprovação às vésperas das eleições.
As decisões do TSE, claro, foram rotuladas de “censura” pelo Grupo Abril e unanimemente pelas entidades que representam os oligopólios de mídia – ANJ, Abert e Aner – assim como pelo candidato Aécio Neves, diretamente beneficiado.
De qualquer maneira, a reação pública imediata da candidata/presidente Dilma no horário gratuito de propaganda eleitoral e as decisões do TSE reacendem a esperança de que a regulação democrática do setor de comunicações receba a prioridade que merece no próximo governo.
Talvez a edição 2397 de Veja tenha involuntariamente sido a esperada gota d’água que faltava para que finalmente se regulamente e se cumpram as normas da Constituição de 1988 relativas à comunicação social – que, aliás, aguardam por isso há mais de um quarto de século.
Em especial, urge ser regulamentado e cumprido o parágrafo 5º do artigo 220 que reza: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.
A ver.
Venício A. Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador/autor com Juarez Guimarães e Ana Paola Amorim de Em defesa de uma opinião pública democrática – conceitos, entraves e desafios (Paulus, 2014), entre outros livros

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Alternativa Robin Hood: para redistribuir riquezas sem moderação

Ciclo de debates insinua: não será possível reduzir desigualdades, nem construir democracia econômica, sem enfrentar privilégios da oligarquia financeira — e obrigá-la a pagar impostos…

Por Inês Castilho

Terminadas as eleições brasileiras, derrotado o risco de restauração do governo das velhas elites, emergem perguntas indispensáveis: como avançar? De que modo corresponder à esperança da maioria, que deseja ir além do tímido processo de redistribuição de riquezas inaugurado há uma década. Como evitar que ele movimento estanque — o que ampliaria os riscos de frustração e retrocesso?

Os que se interessam em encontrar respostas deveriam examinar um ciclo de debates sobre “Democracia Econômica” iniciado neste semestre. Promovido em conjunto por uma articulação da sociedade civil — a que reivindica a Taxação das Transações Financeiras (TTF Brasil) — e a Fundação Perseu Abramo (FPA) — ligada ao PT, presidida pelo economista Márcio Pochmann e conhecida por seu espírito crítico — o ciclo consistiu, até o momento, em quatro encontros com economistas, outros intelectuais e ativistas engajados na luta por justiça fiscal. Realizados em agosto e setembro de 2014, em São Paulo, os encontros foram transmitidos online, com média de 800 a mil espectadores cada. Os vídeos dos encontros já estão disponíveis.


No centro do debate, esteve o que os organizadores chamam de “Alternativa Robin Hood”. Eles julgam que há um setor social privilegiado nos sistemas tributários em vigor em todo mundo: é a aristocracia financeira, composta por bancos, instituições para-bancárias e super-ricos que especulam com títulos do Estado. Nas últimas décadas, mudanças estruturais no capitalismo fizeram com que este setor (1% da população ou ainda menos) ocupasse o centro do processo de acumulação de riquezas. No entanto, sua participação no esforço para sustentar os serviços públicos é irrisória. As velhas leis tributárias não o atingem. Sua influência crescente nos Parlamentos assegura-lhe cada vez mais privilégios.

Os partidários da “Alternativa Robin Hood” reivindicam forte tributação da riqueza financeira — a começar com um imposto internacional sobre transações bancárias. Ao longo dos quatro debates, eles debateram esta proposta — e procuraram apresentá-la amparado em fatos. Examinaram a fundo o sistema tributário brasileiro — revelando concretamente como ele penaliza os assalariados e exonera os mais ricos. Apontaram como, além de favorecida internamente, a aristocracia financeira serve-se ainda dos“paraísos fiscais” para ocultar riquezas e sonegar. Debateram a necessidade de medidas para controlar a entrada e saída de capitais no país — inclusive como meio de evitar novas fugas em massas de divisas.

No debate de abertura apresentou as bases da “Alternativa Robin Hood”. Participaram dois jornalistas ligados à Campanha TTF Brasil ou Alternativa Robin Hood: Alessandra Nilo, da ONG Gestos, do Recife e Antonio Martins, editor de Outras Palavras; além do economista Fernando Nogueira da Costa, professor do Instituto de Economia da Unicamp. A coordenação foi de Joaquim Soriano, diretor da FPA.

Antonio Martins abriu a conversa apontando para a polarização ideológica, em ano de eleições. “Vivemos um ciclo de 10 anos com mudanças sociais e redistribuição de riquezas praticamente inéditas na história do Brasil – e isso despertou resistências, tanto dos detentores do poder e da riqueza quanto das maiorias beneficiadas, que passaram a desejar mais que consumo.”

Diante desse antagonismo, a campanha sugere um “choque redistributivo para além da simples transferência monetária, com serviços públicos de qualidade e que assegure a igualdade.” A proposta supõe também outro modelo de desenvolvimento. “Para promover essas mudanças precisamos de um Estado democrático, aberto ao diálogo e à participação, e ao mesmo tempo forte, que tenha recursos.” Esses recursos devem vir da redistribuição de riquezas, em particular do setor que mais lucrou nas últimas décadas – o capital financeiro não produtivo.

O debate econômico não pode ser apartado do debate político”, lembrou Alessandra Nilo, via satélite. “Democracia econômica é algo a se construir. Temos de tornar transparente o processo decisório e levar o debate para a sociedade. O faturamento de 110 corporações globais concentra metade do Produto Interno Bruto (PIB) do mundo. O sistema financeiro movimenta valor 70 vezes superior ao PIB global. Não há regulação, não há prestação de contas.”

Em nível internacional, a Campanha propõe taxar em 0,05% o mercado de derivativos — o que, estima-se, geraria cerca de US$ 68 bilhões por ano, a serem revertidos aos fundos das Nações Unidas (de combate à fome, doenças). Esses recursos são considerados necessários para a implantação das metas de desenvolvimento pós-2015, quando entram em vigor os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), substituindo os ODS (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio).

No Brasil, os eixos principais da Campanha são tornar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) uma contribuição, não imposto, de modo a gerar recursos para fundo de projetos de inovação social e ambiental. A Campanha trabalha ainda por uma reforma tributária que implante progressividade e justiça fiscal, transparência e accountability.

A campanha TTF Brasil, ou Alternativa Robin Hood, como é conhecida na Europa e EUA, tem suas bases na Taxa Tobin, assim chamada devido ao seu criador, o economista norte-americano ganhador do prêmio Nobel James Tobin (1918-2002), que nos anos 1970 propôs implementar uma taxa que freasse a especulação no mercado financeiro. O debate sobre esse tipo de política econômica vem desde os anos 1930, como explicou Alessandra.

O economista Fernando Nogueira da Costa lembrou que “a proposta da Taxa Tobin era colocar areia na engrenagem, barrar o ‘capital-motel’, que entra no país, desfruta e vai embora — mais que levantar recursos para financiamento solidário.” O professor da Unicamp abordou ainda temas como imposto sobre grandes fortunas, mobilidade social, meritocracia e desigualdade de renda e de riqueza
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terça-feira, 28 de outubro de 2014

A revolução da Universidade Federal do ABC

Sérgio Amadeu, ativista pela Internet livre e professor na UFABC
Sérgio Amadeu, ativista pela Internet livre e professor na UFABC
Ruptura da estrutura de departamentos, grade curricular aberta e ênfase na pesquisa caracterizam instituição — que avança e é reconhecida, enquanto centros tradicionais mergulham em crise

Por Luis Nassif, no GGN

Com oito anos de existência, a Universidade Federal do ABC (UFABC) é o primeiro caso de sucesso das novas universidades federais.

Com seu reitor alemão Klaus Capelle, a UFABC deverá se transformar em um divisor de águas do ensino e da pesquisa universitária, na passagem para o século 21.

A primeira revolução foi na estrutura interna.

As universidades tradicionais são divididas em departamentos acadêmicos, caixinhas fechadas, compartimentalizadas.

A UFABC inverteu a lógica. Os grandes problemas contemporâneos da ciência e da tecnologia e as demandas das empresas não se encaixam em caixinhas, diz Capelle. A Universidade precisa formar pessoas capazes de resolver problemas, o que passa por uma formação interdisciplinar.

Para tanto, a UFABC foi organizada em três grandes centros:

1. Centro de Ciências Naturais e Humanas, a etapa da descoberta.

2. Centro de Engenharia e Ciências Sociais, a etapa da invenção.

3. Centro de matemática, computação e cognição, a etapa da análise.

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Durante três anos o aluno receberá sólida formação interdisciplinar, generalista, aprendendo a aprender e sendo empreendedor de sua própria formação, como define Capelle. Por “empreendedor da própria formação”, significa que o aluno tem liberdade para montar sua própria grade.

Os alunos podem sair pelas duas portas de entrada, ou se dedicar a carreiras mais tradicionais: no total de 47 portas de saída, entre graduação e pós. Optando por ela, em dois anos sairá com diploma convencional, já que parte do ensino anterior vale como crédito.

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Na UFABC o aluno é estimulado para a pesquisa desde o primeiro dia.

Mal ingressa na Universidade, o aluno é envolvido em projeto de pesquisa. A maioria não dispõe de informação suficiente para definir seu projeto. Mas irá se beneficiar da experiência em ambiente de pesquisa.

Anualmente, são concedidas centenas de bolsas para iniciantes, com o orçamento da própria universidade.

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O pós-graduação tem um doutorado inovador, acadêmico-industrial.

Antes de montar o projeto, o aluno recebe uma bolsa CNPQ (Conselho Nacional de Pesquisas) para passar seis meses em empresas conveniadas, buscando desafios científicos e tecnológicos dignos do doutorado.

Se identificar o projeto, ingressa no doutorado e o desenvolve em colaboração com a universidade inteira. O financiamento será integralmente bancado pelo CNPQ, sem desembolso por parte da empresa.

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Em 2006 a UFABC foi inaugurada com 50 professores e 500 alunos, sem campus próprio. Oito anos depois, tem 552 professores, todos com título de doutor, 10 mil alunos, 26 cursos de graduação, 21 de pós, 2 campi próprios, 100 mil m2 de área construída e primeiro colocada em vários rankings.

Em 2012, entre as 2 mil instituições avaliadas pelo MEC, foi uma das 27 que tiraram nota máxima. O estudo holandês Leiden Ranking of Brazilian Research Institutions and Universities analisou 60 universidades brasileiras e conferiu à UFABC o primeiro lugar em colaboração internacional e o segundo em quantidade de publicações entre os 10% mais citados em cada área.

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Sem a abertura das novas universidades, o país continuaria preso à estratificação das universidades tradicionais.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Como se desperta o pior que há em nós

Sociedades meritocráticas de mercado corroem autoestima. Estimulam, como defesa, superficialidade, oportunismo e mesquinhez. Tornam-nos “livres” porém impotentes. Saberemos reagir?

Por Paul Verhaeghe | Tradução Eduardo Sukys

Leia mais: 
Meritocracia, trapaça e depressão
Psicanalista belga relaciona competição selvagem, que marca capitalismo pós-moderno, com comportamentos antiéticos dos “vencedores” e frustração da imensa maioria. “Sejamos desgarrados”, ele sugere
Temos a tendência de enxergar nossas identidades como estáveis e muito separadas das forças externas. Porém, décadas de pesquisa e prática terapêutica convenceram-me de que as mudanças econômicas estão afetando profundamente não apenas nossos valores, mas também nossas personalidades. Trinta anos de neoliberalismo, forças de livre mercado e privatizações cobraram seu preço, já que a pressão implacável por conquistas tornou-se o padrão. Se você estiver lendo isto de forma cética, gostaria de afirmar algo simples: o neoliberalismo meritocrático favorece certos traços de personalidade e reprime outros.


Há algumas características ideais para a construção de uma carreira hoje em dia. A primeira é expressividade, cujo objetivo é conquistar o máximo de pessoas possível. O contato pode ser superficial, mas como isso acontece com a maioria das interações sociais atuais, ninguém vai perceber. É importante exagerar suas próprias capacidades tanto quanto possível – você afirma conhecer muitas pessoas, ter bastante experiência e ter concluído há pouco um projeto importante. Mais tarde, as pessoas descobrirão que grande parte disso era papo furado, mas o fato de terem sido inicialmente enganadas nos remete a outro traço de personalidade: você consegue mentir de forma convincente e quase não sentir culpa. É por isso que você nunca assume a responsabilidade por seu próprio comportamento.

Além de tudo isso, você é flexível e impulsivo, sempre buscando novos estímulos e desafios. Na prática, isso gera um comportamento de risco, mas nem se preocupe: não será você que recolherá os pedaços. Qual a fonte de inspiração para essa lista? A relação de psicopatologias de Robert Hare, o especialista mais conhecido em psicopatologia atualmente.

Esta descrição é, obviamente, uma caricatura exagerada. Contudo, a crise financeira ilustrou em um nível macrossocial (por exemplo, nos conflitos entre os países da zona do euro) o que uma meritocracia neoliberal pode fazer com as pessoas. A solidariedade torna-se um bem muito caro e luxuoso e abre espaço para as alianças temporárias, cuja principal preocupação é sempre extrair mais lucro de uma dada situação que seu concorrente. Os laços sociais com os colegas se enfraquecem, assim como o comprometimento emocional com a empresa ou organização.

Bullying era algo restrito às escolas; agora é uma característica comum do local de trabalho. Esse é um sintoma típico do impotente que descarrega sua frustração no mais fraco. Na psicologia, isso é conhecido como agressão deslocada. Há uma sensação velada de medo, que pode variar de ansiedade por desempenho até um medo social mais amplo da outra pessoa, considerada uma ameaça.

Avaliações constantes no trabalho causam uma queda na autonomia e uma dependência cada vez maior de normas externas e em constante mudança. O resultado disso é o que o sociólogo Richard Sennett descreveu com aptidão como a “infantilização dos trabalhadores”. Adultos com explosões infantis de temperamento e ciúme de banalidades (“Ela ganhou uma nova cadeira para o escritório e eu não”), contando mentirinhas, recorrendo a fraudes, rogozijando-se da queda dos outros e cultivando sentimentos mesquinhos de vingança. Essa é a consequência de um sistema que impede as pessoas de pensar de forma independente e que é incapaz de tratar os empregados como adultos.

Porém, o mais importante é o dano à autoestima das pessoas. O autorrespeito depende amplamente do reconhecimento que recebemos das outras pessoas, como mostraram pensadores desde Hegel a Lacan. Sennett chega a uma conclusão parecida quando percebe que a questão principal dos funcionários hoje em dia é “Quem precisa de mim?” Para um grupo cada vez maior de pessoas, a resposta é: ninguém.

Nossa sociedade proclama constantemente que qualquer pessoa pode “chegar lá” caso se esforce o suficiente. Isso reforça os privilégios e coloca cada vez mais pressão nos ombros dos cidadãos já sobrecarregados e esgotados. Um número crescente de pessoas fracassa, gerando sentimentos de humilhação, culpa e vergonha. Sempre ouvimos que até hoje nunca tivemos tanta liberdade para escolher o curso de nossas vidas, mas a liberdade de escolher algo fora da narrativa de sucesso é limitada. Além disso, aqueles que fracassam são considerados perdedores ou bicões, levando vantagem sobre nosso sistema de seguridade social.

Uma meritocracia neoliberal quer nos fazer acreditar que o sucesso depende do esforço e do talento das pessoas, ou seja, a responsabilidade é toda da pessoa, e as autoridades devem dar às pessoas o máximo de liberdade possível para que elas alcancem essa meta. Para aqueles que acreditam no conto das escolhas irrestritas, autonomia e autogestão são as mensagens políticas mais notáveis, especialmente quando parece que prometem liberdade. Junto com a ideia do individuo perfeito, a liberdade que acreditamos ter no Ocidente é a grande mentira dos dias atuais e de nossa época.

O sociólogo Zygmunt Bauman resume perfeitamente o paradoxo de nossa era como: “Nunca fomos tão livres. Nunca nos sentimos tão incapacitados.” Realmente somos mais livres do que antes no sentido de podermos criticar a religião, aproveitar a nova atitudelaissez-faire com relação ao sexo e apoiar qualquer movimento político que quisermos. Podemos fazer tudo isso porque essas coisas não têm mais qualquer importância – uma liberdade desse tipo é movida pela indiferença. Por outro lado, nossas vidas diárias transformaram-se em uma batalha constante contra uma burocracia que faria Kafka tremer. Há regulamentos para tudo, desde a quantidade de sal no pão até a criação de aves na cidade.

Nossa suposta liberdade está ligada a uma condição central: precisamos ser bem-sucedidos – ou seja, “ser” alguém na vida. Não é preciso ir muito longe para encontrar exemplos. Uma pessoa muito bem qualificada que decide colocar a criação de seus filhos à frente da carreira certamente receberá críticas. Uma pessoa com um bom trabalho, que recusa uma promoção para investir mais tempo em outras coisas é vista com louca – a menos que essas outras coisas garantam o sucesso. Uma jovem que deseja ser uma professora de primário ouve de seus pais que ela deveria começar obtendo um mestrado em economia. Uma professora de primário, o que será que ela está pensando?

Há lamentos constantes com relação à chamada perda de normas e valores em nossa cultura. Ainda assim, nossas normas e valores compõem uma parte integral e essencial de nossa identidade. Portanto, não é possível perdê-las, apenas mudá-las. E é exatamente isso que aconteceu: uma mudança de economia reflete uma mudança de ética e gera uma mudança de identidade. O sistema econômico atual está revelando nossa pior faceta.

domingo, 26 de outubro de 2014

Voto nulo e o 'protesto' da melancolia

Tão alienada quanto certas manifestações de intolerância que marcaram disputa eleitoral é a atitude passiva de quem espera pelo “candidato ideal”

Por Christiana Paiva de Oliveira / Outras Palavras


“A diferença consiste em que a inibição do melancólico nos parece enigmática porque não podemos ver o que é que o está absorvendo tão completamente. (…) O paciente representa seu ego para nós como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível (…). Ele se encontra, de fato, tão desinteressado e tão incapaz de amor e realização quanto afirma. (…) Pelo contrário, tornam-se as pessoas mais maçantes, dando sempre a impressão de que se sentem desconsideradas e de que foram tratadas com grande injustiça”.

(Sigmund Freud, 1917 [1915]. p. 278-281).


“Eu não vejo alternativas, todos esses políticos são iguais, incapazes, uma merda. Não tenho opções viáveis de voto, porque o Brasil nunca vai mudar. Não vou votar em ninguém, já que o país só tende a piorar daqui pra frente. Meu voto será nulo pra protestar contra toda essa corrupção e todo esse sistema eleitoral, afinal, o voto não vale nada, pois se mudasse algo, seria proibido”.

Estamos vivendo em meio as reviravoltas das eleições. Dia 26 de outubro, 2014, será seu ápice, com a resposta que nos angustia até então: um dos candidatos à presidência será eleito, por fim. Nesse contexto, pergunta-se: e nós, por onde andamos?

Não raro, encontramos eleitores com discursos calorosos, que insistem em nos convencer sobre o candidato ideal. Ai de quem ousar se aproximar dessa fala sem ceder aos caprichos de quem os profere. Qualquer opinião que se oponha é rechaçada duramente, bem como o espaço para a reflexão, que fica aniquilado. Nos lembram crianças, que ao serem contrariadas, fazem birra: gritam, insistem, e as vezes até partem para a violência. Vemos, por entre notícias¹ e vivências próprias, que o lado mais inóspito existente em nós tem aflorado durante os embates políticos, disseminando o ódio contra uma suposta minoria difusa e descabida. É como se as certezas infantis, com ares onipotentes, fossem incontestáveis.

Por outro lado, visitamos eleitores desencontrados, proclamando a anulação dos votos diante dessa disputa acirrada. Desesperançosos e insatisfeitos, tais eleitores se mostram pessimistas, na insistência de ressaltar apenas o lado negativo que os cerca. Nessas eleições, já experienciamos reviravoltas políticas, discursos de ódio explícitos e informações deturpadas. Seria possível manter uma neutralidade frente a esses fatos? Sendo assim, o que buscam os eleitores, ao insistirem na anulação dos votos?

O discurso dos que defendem tal atitude tem ressoado cada vez mais com caráter melancólico: é letárgico, esvaziado, pincelado por tons acinzentados. Tais sujeitos não veem futuro viável, se afundam em suas lamentações, profundas, com caráter inquestionável. De acordo com Freud, pai da psicanálise, o melancólico se baseia em suas idealizações para tomar uma atitude. No entanto, tem algo que assombra e rege o melancólico, que é a perda.

Estamos falando de um sujeito que faz questão de articular sua incapacidade de conquista ao seu vazio. A ele, faltam dinheiro, perspectivas e habilidades que o instiguem ao sucesso. E há algo aqui que devemos nos atentar, ligado às identificações. Quanto mais a perda se sobressai, mais o melancólico se identifica com ela e se autoflagela. Ele passa a se acusar constantemente, na medida em que se afasta do seu plano ideal – e como a palavra nos revela, impossível de ser alcançado. Estamos, portanto, diante de um crítico em potencial e pessimista.

Há em sua atitude, referente a anulação do voto, um protesto silencioso e acomodado. Aqui, cabe lembrar que por mais árdua que seja a situação do melancólico, mudar requer uma nova busca, ligada a novos investimentos. Concomitantemente, investir toda essa energia requer um grande trabalho, algo que o melancólico abomina. Desse modo, não fiquemos estagnados por essa inércia lamuriante. Rememoremos, pois, nossas conquistas históricas, desprezadas pelos ares da melancolia – e valorizar as vitórias não é aludir ao conformismo, que também nos poda às novas criações.

As “Diretas Já” tem seu mérito para a democracia – que apesar de muitas vezes ser deturpada por configurações políticas adulteradas – marca uma vitória libertadora, pós ditadura militar. É com essa nova perspectiva que o cidadão brasileiro retoma a voz, mesmo que por entre breves sussurros, sobre o segmento político, social e histórico de seu país. Foi através de debates, ações e lutas contra a violência, abuso de poder e respectivas censuras que a mudança foi concretizada. Com isso, temos que cuidar para que o peso da crítica não esmague tais segmentos. Sob o olhar do melancólico tudo fica apequenado, assim como suas vivências, que são massacradas pela sua insatisfação constante.

Onde estaria o ato de protesto dos que defendem o voto nulo, já que este, ao passar de 50% na contagem final, não anula a eleição? Tampouco força o surgimento de uma nova arcada de políticos, ao contrário do que muitos acreditam. É possível compreender que os candidatos à nossa disposição não preenchem por completo nossas expectativas, mas quem, ou o que, estaria qualificado para tamanha idealização? Valorizemos os protestos atuais, os engajados, os torturados e tantos outros que lutaram por nós 30 anos atrás – e que essa fala ecoe para além da nostalgia, para que possamos nos inspirar e prosseguir sempre com novos questionamentos e ações.

Ao optar por um determinado candidato, o melancólico tem que arcar com o peso da sua escolha e com o árduo fardo da responsabilidade que sucede tal atitude. Além disso, a impossibilidade de dedicar seu voto a alguém estaria ligada à irrealizável tarefa de enxergar um ideal nessas eleições, em que ninguém serve como salvador ideal de nossas condições. O melancólico critica e não parte para a ação, espera que o tempo passe e que a situação se modifique, enquanto ele permanece estagnado na lamentação.

Lembremos, por fim, que o voto nulo é, também, uma escolha. O percurso desse texto não alude à generalização, uma vez que tal opção implica num caráter subjetivo. A todo momento, as referências feitas foram ao discurso derrotista e esvaziado, que mina qualquer possibilidade futura. Ou seja, a crítica recai ao posicionamento que não ultrapassa a lamúria, mantendo-se na superficialidade da questão. Se não há candidatos que representem o eleitor, ou se não há propostas viáveis, o voto nulo pode indicar essa abstenção, mas com que peso? É válido destacar que se o cenário político encontra-se assim, cabe pensar – para além das anulações – sobre como os ditos representantes do povo inserem um retrato do nosso atual cenário brasileiro. Cabe a nós, então, criticar e reivindicar, sem contentar-se com a derrota incitada pelo melancólico.

Não pretendo participar da confecção do DSM VI, manual psiquiátrico, mas sim, acirrar discussões e novas reflexões sobre nossas aspirações melancólicas, que nos tomam cotidianamente e nos cegam com nossos próprios ideais.

¹Apoiadores de Aécio agridem blogueiro cadeirante eleitor de Dilma < http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/10/apoiadores-de-aecio-agridem-blogueiro-cadeirante-eleitor-de-dilma.html >

Referências Bibliográficas:

Freud, Sigmund (1969). Luto e melancolia. (1917 [1915]). In: Edição Standart Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Editora Imago; vol. XIV.

Pragmatismo Político. Apoiadores de Aécio agridem blogueiro cadeirante eleitor de Dilma. Disponível em: < http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/10/apoiadores-de-aecio-agridem-blogueiro-cadeirante-eleitor-de-dilma.html > Acesso em: 19 Out. 2014

sábado, 25 de outubro de 2014

Boulos: São Paulo rumo a uma Guerra da Água?


A chamada “batalha final” da Guerra da Água, 4 de abril de 2000 em Cochabamba, Bolívia

Há quinze anos, na Bolívia, atitudes semelhantes às adotadas agora por Geraldo Alckmin provocaram levante popular. É isso que governador deseja produzir?
Por Guilherme Boulos
Cochabamba, Bolívia. Entre janeiro e abril de 2000, milhares de pessoas foram às ruas numa revolta popular que ficou conhecida como Guerra da Água. No ano anterior, o serviço de abastecimento havia sido privatizado e as tarifas aumentaram 100%. Os mais pobres ficaram sem água. O povo foi às ruas com amplas mobilizações, que derrubaram o prefeito da cidade.
O presidente Hugo Banzer decretou estado de sítio e a Bolívia se transformou num campo de batalha. Após 3 meses de revolta, suspenderam a privatização e o reajuste abusivo.
São Paulo, Brasil. Outubro de 2014. 60% dos moradores da maior cidade do país registram falta de água em suas casas. O canal de abastecimento de mais de 20 milhões de pessoas está à beira do colapso completo. Se não chover mais do que o previsto, São Paulo seca no primeiro semestre de 2015.
A Região Metropolitana é abastecida por seis sistemas de reservatórios, sendo três mais importantes.
O Cantareira – que tem a situação mais grave – está com 3,3% da capacidade e perde em média 0,2% ao dia. Somando isso à segunda fase do volume morto espera-se mais uns três meses. O Alto Tietê está com 9% e perde também entorno de 0,2% ao dia. O Guarapiranga está com 43% e vem caindo entre 0,3% e 0,5% ao dia.
Até o primeiro turno das eleições a situação foi vergonhosamente ocultada pelo governo estadual, responsável pelo abastecimento. Apesar do racionamento noturno nos bairros da periferia, a Sabesp sustentava normalidade e afirmava que o desabastecimento sistemático era ficção eleitoreira. Três dias depois da reeleição de Geraldo Alckmin (PSDB), a presidente da Sabesp, Dilma Pena, admitiu a falta de água. Alguns dias após, pediu demissão, mas o governo estadual pediu que ela ficasse no cargo até o final do ano, conforme informações publicadas no Painel da Folha.
A ordem parece ser – repetindo a dose – não tomar nenhuma medida drástica até o segundo turno, na tentativa de eleger Aécio Neves (PSDB). Mas a realidade transborda o discurso, ou melhor, seca. A falta de água se generalizou na capital paulista, inclusive em bairros centrais. Na periferia, evidentemente, o impacto é sempre maior. Semana passada, moradores de Itaquera relataram que escolas públicas dispensaram os alunos por falta de água. Bairros de Carapicuíba ficaram cinco dias seguidos com torneira seca. Um condomínio popular da CDHU no Campo Limpo ficou 15 dias.
Imaginem depois de 26 de outubro! Racionamento oficial, proibição de lavar carros e calçadas, limitação para a construção de novos prédios e definição de prioridades no abastecimento são medidas que podem vir por aí. Isso evidentemente terá impacto sobre a vida das pessoas, além da falta de água para consumo. O fechamento de estabelecimentos comerciais e de serviços, bem como o desaquecimento da construção civil, devem produzir grave desemprego em São Paulo. A limitação no abastecimento aumentará ainda o preço dos alimentos, já que a agricultura é potencial consumidora de água.
Cenário catastrófico? Invenção política? Há um mês, o racionamento era ficção. Veremos o que os próximos meses nos reservam. Em Itu, depois de mobilizações populares por dias seguidos sem água, os caminhões-pipa circulam agora com escolta armada. Em Campinas, as manifestações também já começaram a surgir.
O argumento para a contenção social de que estamos diante de um fenômeno climático, sem responsabilidades políticas, torna-se cada vez mais insustentável. A relatora da ONU para a questão da água se manifestou responsabilizando o governo tucano de São Paulo por falta de investimentos e planejamento. E não é só ela. Pesquisa Datafolha publicada nesta semana mostrou que 75% dos paulistanos acreditam que a crise poderia ter sido evitada.
O Ministério Público, por meio do promotor Rodrigo Sanches Garcia, denunciou também a lógica de subordinar o abastecimento da população ao lucro dos acionistas da Sabesp. Diz ele: “A intenção da Sabesp era tirar água enquanto pudesse, inclusive para não ter que decretar racionamento. Sempre com a lógica, não da preservação do sistema, mas do quanto se pode retirar de água. Porque água é dinheiro”.
E mais: “Neste período (2012 e 13), o Sistema Cantareira foi responsável por 73,2% da receita bruta operacional da empresa, denotando a superexploração daquele sistema produtor que não mais conseguiu se recuperar diante da gravidade do atual evento climático de escassez”.
Portanto, deixem são Pedro em paz! O problema climático apenas evidenciou a política privatizadora de jorrar lucros para acionistas em detrimento dos investimentos necessários para que as torneiras jorrassem água. Mas o preço agora pode sair alto.
Assim como a reeleição folgada de Alckmin pode vir a ter um gosto amargo. O PSDB conseguiu evitar a batalha do segundo turno, mas não será tão fácil evitar a batalha das ruas. Já começaram a aparecer os primeiros sinais da Revolta da Água. Campinas, Itu e caminhões-pipa escoltados servem para acordar os incrédulos. Se alguém quer conhecer os limites da paciência do povo, deixe uma família sem água por dias a fio.
Emblemático será ver a PM de São Paulo tentar reprimir a indignação popular com os quatro blindados com canhões de água adquiridos no ano passado por R$ 1,8 milhão cada. Pode ser a gota d’água.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Companhia Dos à Deux apresenta um espetáculo lírico e poético, em São Paulo

André Curti, um dos diretores da companhia, conversa com o De Volta ‘Pra’ Casa sobre o processo de produção da peça e sua agenda de apresentações

Juliana Meneses / Cmais+


O espetáculo ‘Irmãos de Sangue’, além de apresentar uma dramaturgia completamente teatral, fala sobre a relação fraternal, com base nas memórias de uma criança. Em entrevista ao De Volta ‘Pra’ Casa, o diretor André Curti compartilhou suas expectativas sobre a peça.

“A Companhia Dos À Deux tem um trabalho inteiramente gestual, não usamos o verbo em nenhuma das nossas criações, mas nem por isso, deixamos de contar história. Na verdade, nossos espetáculos tem uma dramaturgia completamente teatral, com começo meio e fim, só que ela não usa a palavra. Forma um mesclado de várias linguagens entre teatro, dança, marionete e circo, são várias disciplinas juntas. Mesmo que não tenha palavra nós consideramos teatro”, explica André Curti.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Trabalho de garimpagem realizado por Penna Prearo está exposto na Galeria Lume

O fotógrafo comenta com o De Volta ‘Pra’ Casa qual a inspiração para realizar seus trabalhos e como foi a produção do material


Juliana Meneses / Cmais+


A exposição “Portal de Alice em Atlantis” contém 21 imagens e mostra os trabalho dos últimos 15 anos do fotógrafo brasileiro. Penna Prearo compartilha com o De Volta ‘Pra’ Casa como o cinema e a pintura influenciam nas suas produções.

“É a junção do meu dia a dia como fotógrafo, dos lugares que eu ando e como as coisas vão se alinhavando na minha cabeça, eu volto nesses lugares para fazer minhas cenas. E eu estabeleci, há um tempo, que para não me perder em grandes instâncias, eu não ultrapasso o raio de 300 quilômetros. Todo o meu trabalho se passa nesse perímetro ao redor de São Paulo, não sigo a diante disso”, diz Penna.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Os encantos de Colônia do Sacramento, uma joia uruguaia

Seja pela história ou pelo charme, esta cidade é visita obrigatória no Uruguai
por Eduardo Torres* / ZH
A Calle de los Suspiros é um dos principais pontos turísticos da cidade histórica de Colônia do Sacramento  Foto: Patricia Rocha / Agencia RBS

A muralha de pedras se vê imponente à distância, como uma resistência para não ser engolida pela imensidão do Rio da Prata. Do alto, surge um canhão que dá a ideia ao visitante de que aquele está longe de ser um lugar turístico comum. Remanescente do período em que os destinos das terras uruguaias começaram a ser traçados, o armamento em ferro perfeitamente conservado já não ameaça ninguém. Ao contrário, convida.

A entrada pelo portal da cidadela é guardada pelo brasão da coroa portuguesa. Ao pisar a primeira viga de madeira abaixo do portal, a tradição manda fazer um pedido em silêncio. É o passo inicial para embarcar nos mais de 300 anos de história de Colônia do Sacramento. Ao longo dos 12 hectares cuidadosamente preservados da cidade histórica, em um passeio que não dura menos do que um dia inteiro, é impossível não se apaixonar pelo clima aconchegante entre o casario e as ruas de pedras — boa parte delas ainda originais do final do século 17.

Desde 1995, a Colônia do Sacramento ou, originalmente, a Colônia do Santíssimo Sacramento, é considerada patrimônio histórico pela Unesco. Foi o reconhecimento a uma história marcada pela resistência desde sempre.

A um barco de Buenos Aires

Dizem que ali, em Colônia, o sentimento de ser uruguaio está mais vivo. Não na forma de bairrismo, mas de receptividade. Em dias de céu claro, desde a ponta da muralha, às margens do Rio da Prata, vê-se a silhueta de Buenos Aires e, principalmente, do seu porto. Hoje, é a partir da capital argentina que chega a maior parte dos turistas a esse destino uruguaio, em uma viagem de barco de uma hora.

Uma realidade bem diferente da vivida em mais de um século por essa fortificação instalada pelos portugueses. No meio do caminho, por água, até Buenos Aires, está a Ilha de San Gabriel. Foi ali que o governador da capitania do Rio de Janeiro, Manuel Lobo, atracou pela primeira vez em janeiro de 1680. Depois de observar que, na margem leste do Rio da Prata, os espanhóis realmente não estavam instalados, resolveu avançar. Acabou por criar a primeira cidade do que viria a ser o Uruguai. 
O portal de Colônia  Foto: Ministério do Turismo do Uruguai, divulgação

Um ponto estratégico para portugueses e ambicionado por espanhóis. Até o começo do século 19, essa terra mudou de mãos sete vezes. Se os espanhóis a tomavam pela força das armas, os portugueses retomavam na base de acordos diplomáticos. Essa disputa quase sem fim está marcada na arquitetura da cidade.

É preciso disposição para caminhar entre as ladeiras e muita curiosidade para sentir-se no ambiente dos moradores originais da Colônia. Eles dividiam espaço em casas baixas, erguidas com tijolos e parede de barro, recobertas em cal e sangue de animais, e que até hoje mantêm o tom avermelhado.

As telhas são típicas dos portugueses, ou melhor, dos escravos que a faziam displicentemente. Casinhas típicas portuguesas são vizinhas de outras com características espanholas. Estas, livres dos cercos militares, foram erguidas com maior riqueza de materiais e, sobretudo, com a riqueza de detalhes dos espanhóis nos ferros.

Restaurantes aconchegantes

Nesse caminho, além de entender os motivos da resistência aos exércitos, a recuperada arquitetura da Igreja do Santíssimo Sacramento e as ruínas do Convento de San Francisco, que hoje divide espaço com o Farol da Colônia, mostram a força desta comunidade às vontades da natureza.

As ruas de Colônia têm um charme encantador e são perfeitas para passar tardes  Foto: Ministério do Turismo do Uruguai, divulgação

Então, se o vento vindo do Prata bater forte, ou se até mesmo a chuva lhe pegar de surpresa, não deixe de saborear a culinária típica em cada um dos restaurantes aconchegantes que ocupam parte do casario histórico. Ou ainda o artesanato único da cidade histórica.

Mas, acima de tudo, não deixe de fazer seu pedido no portal. Quem sabe assim você espante a maldição da freira (monja) que até hoje assombra as ruas da Colônia.

A Rua dos Suspiros

Parada obrigatória na cidade histórica é a Calle de los Suspiros (Rua dos Suspiros), onde todo o casario e o calçamento são originais dos séculos 17 e 18. A curiosidade está no nome. Há pelo menos duas versões.

É fato que a via, por ser a porta de entrada da cidade quando as embarcações atracavam ali, era ponto de prostituição. Uns dizem que os suspiros partiam de dentro das casas.

Mais romanesca é a versão que relaciona o suspiro aos escravos negros. Ao desembarcarem dos navios negreiros, eles suspiravam por pisar em terra firme, justo no começo da via. Mas eram forçados a subir a tal rua e, lá no alto, na praça central, eram comercializados

.
Foto: Ministério do Turismo do Uruguai, divulgação

A maldição da "monja"

Dois anos depois da chegada de Manuel Lobo (fundador de Colônia), como era comum nos povoados portugueses e espanhóis, começou a ser construído o Convento de San Francisco, concluído em 1694. Dez anos depois, já sob domínio espanhol, o local foi destruído por um incêndio.

Com a chegada dos espanhóis a Colônia, porém, os monges e freiras que viviam ali foram expulsos. Diz a lenda que apenas uma delas resistiu. E, quando finalmente foi expulsa, amaldiçoou a cidade. Os moradores garantem que a maldição da "monja" sempre se manifesta. Basta marcar algum grande evento, como o aniversário da cidade, e a chuva estraga tudo.

Hoje, as ruínas do convento são um lugar de visitação obrigatória.

Tempestade sobre a Igreja do Santíssimo Sacramento

Construída em 1808, a Igreja do Santíssimo Sacramento foi erguida com muros de pedras em um estilo tradicional português. O detalhe é que a pólvora da Colônia era guardada no forro da igreja.

Pois em 1823, enquanto crianças eram batizadas, uma tempestade se abateu sobre a cidade. Quando os moradores saíram da igreja, um raio a atingiu, causando uma explosão.

Restaram somente as duas colunas frontais e o muro dos fundos da igreja originais. A partir do final da década de 1950, a arquitetura original foi recuperada, mantendo as colunas e o muro que sobreviveram à tragédia.

A igreja é adornada com obras originais do período jesuítico.

O passeio

A Colônia do Sacramento é considerada cidade-irmã de Pelotas. Fica a 177 quilômetros de Montevidéu, a duas horas de carro, mas a maior parte dos turistas que a acessam chegam por água a partir de Buenos Aires, que fica a 40 quilômetros, em uma viagem de barco de uma hora. Alguns pacotes turísticos para a capital argentina incluem a visita a Colônia do Sacramento.

Um destino adequado tanto a mochileiros quanto ao turismo em família, pela tranquilidade do lugar. Recebe hoje turistas do mundo inteiro, mas, apesar de uma história que se confunde com a da formação do Rio Grande do Sul, ainda não está entre os principais destinos dos brasileiros no Uruguai.

E as condições podem ser consideradas favoráveis do ponto de vista do custo. É possível se hospedar em Colônia do Sacramento com diárias que variam de US$ 12 (hostel) a até US$ 193.

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Para passear pela cidade histórica, e entender os detalhes, o ideal é ser acompanhado por um guia em um passeio que dura em média quatro horas por R$ 16. O roteiro inclui ainda cinco pequenos museus com visitação a preço único, em torno de R$ 5.

A partida dos passeios é feita do porto da Colônia, onde está o recém-inaugurado Centro de Interpretação (BIT). Ali, antes de mergulhar no passado, o turista é convidado a ser engolido pelas belezas do Uruguai em uma sala multimídia ao melhor estilo Disney.

O tesouro dos vinhedos

É preciso sair da cidade histórica, pela Ruta 21, para conhecer um dos tesouros de Colônia, e de todo o Uruguai. Um dos berços do vinho Tannat. A vinícola Los Cerros de San Juan, criada em 1854, foi a primeira a produzir vinho industrialmente no país em uma propriedade na época mantida por uma família alemã.
Perto de Colônia fica a vinícola que é o berço do vinho Tannat  Foto: Ministério do Turismo do Uruguai, divulgação

Chegou a ter 9 mil hectares entre os rios do Prata e San Juan. É o ponto mais próximo do Uruguai, pelo Prata, com Buenos Aires. Hoje mantida por empresários argentinos, a propriedade tem 220 hectares (46 dedicados aos vinhedos). Recebe turistas para degustação acompanhada de um belo assado e de uma aula sobre a história do vinho no país — e principalmente sobre a produção do Tannat.

Para fisgar os gaúchos

Os principais destinos dos gaúchos no Uruguai ainda são a fronteira seca, Punta del Este e Montevidéu. Nesta temporada, a intenção dos uruguaios é conseguir fisgar os gaúchos também a outros atrações turísticas como Colônia do Sacramento, o Carnaval ou as sete zonas termais no Rio Uruguai, com ônibus partindo direto de Porto Alegre.

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Há ainda uma estratégia de fortalecimento do turismo natural, no distrito de Rocha, onde fica Punta del Diablo.

A polêmica da maconha

As autoridades uruguaias não apostam na adaptação ao chamado turismo canábico a partir da liberação do consumo da maconha no país.

— Não foi uma liberação irrestrita. A venda só foi autorizada a pessoas que residem no Uruguai. Na verdade, foi uma alternativa, uma vez que as políticas de repressão não funcionaram — aponta o vice-ministro de Turismo e Esporte uruguaio, Antonio Carámbula.

Sobretudo após a legalização da união homoafetiva, o país assumiu a posição de nação mais "gay friendly" da América do Sul.

— O Uruguai é um lugar seguro, saudável e onde as pessoas podem se sentir bem — define Carámbula.

Saiba mais

www.coloniaturismo.com

www.turismo.gub.uy

*Eduardo viajou a convite do Ministério do Turismo do Uruguai

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Adolescência e comportamento de risco entre jovens

Evento no Hospital de Clínicas da UFRGS discutirá os riscos a que estão expostos os adolescentes
Abuso de álcool é um dos comportamentos a que os adolescentes estão expostos  Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS

Quando se fala em comportamento de risco entre adolescentes, a primeira questão que vem à cabeça são os problemas relacionados à sexualidade, sexo desprotegido, DSTs e gravidez indesejada. Os jovens, porém, estão expostos a muito mais riscos do que se imagina: abuso de álcool e drogas, violência e até mesmo questões relacionadas à alimentação são alguns deles. A quantidade cada vez maior de informação disponível para os adolescentes pode, de acordo com especialistas, representar muito mais uma ameaça que uma aliada na prevenção desses riscos.

– O adolescente está exposto a uma quantidade tão grande de informação que pode acabar se atrapalhando. Ele sofre uma pressão da mídia por um desempenho social, físico, psicológico, social, sexual e cognitivo excelentes, melhor do que poderia e deveria ter – afirma o médico Ricardo Becker Feijó, chefe da unidade de adolescentes do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

A relação entre controle e respeito à privacidade é o maior desafio enfrentado pelos pais para minimizar os riscos da imensidade de informações e conceitos que o adolescente acessa, mas muitas vezes não tem preparo para encarar sozinho. Essa dosagem, segundo Becker, pode ser feita, principalmente se houver diálogo e iniciar cedo.

– É importante que ele não inicie a adolescência sozinho nesse tipo de informação. Aos 12, 13 anos, os pais devem fazer um acordo: "você tem acesso, mas eu quero saber por onde tu andas", e uma vez por semana eles sentam juntos e fazem essa supervisão. Mas isso deve ser feito de forma combinada, não em segredo – explica.

Conheça a hebiatria, especialidade que cuida da saúde dos adolescentes

Para discutir esses comportamentos de risco, o Hospital de Clínicas reúne nesta quarta-feira especialistas nas áreas clínica, sexual e da psiquiatria para abordar a iniciação sexual e o comportamentos aditivos dos jovens. O foco do evento será na prevenção.

– A palavra-chave para evitar esse comportamento é a prevenção, e ela vai acontecer quando os pais tiverem uma proximidade e um canal de comunicação com o adolescente, quando eles derem espaço para que ele possa colocar suas dúvidas e angústias. Se isso não for feito, ele vai buscar essas respostas na rua – afirma o médico.

Entre os principais comportamentos de risco a que os adolescentes são expostos estão os que envolvem a sexualidade – comportamento promíscuo e atividade sexual desprotegida –, abuso de álcool e drogas – levando a conflitos pessoais e interpessoais, às vezes com violência, aumentando a chance de acidentes e agressões –, alterações do comportamento alimentar – bulimia, anorexia e obesidade –, além de violência, em que o jovem pode ser tanto vítima como agente.

– Como o comportamento de risco às vezes não é expresso pelo adolescente, os pais devem ficar atentos às alterações no desempenho diário, como isolamento, alterações de sono, apetite, energia, desempenho escolar. Tudo isso pode significar um alerta para comportamentos de risco – explica Becker.

– Identificado esse comportamento, é importante procurar um profissional de saúde que respeite o sigilo e individualidade do adolescente. Mas a palavra-chave ainda é a prevenção. Os pais devem ficar atentos para que as necessidades maiores possam ser resolvidas através do diálogo. A reabilitação é muito cara do ponto de vista individual e social – diz o médico.

O evento no Hospital de Clínica das UFRGS acontece na quarta-feira, das 11h30 às 12h30, no Anfiteatro Carlos César de Albuquerque. O evento é gratuito e não há necessidade de inscrições prévias. Mais informações pelo telefone (51) 3359-8090.

*Zero Hora

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Curso no Sesc Santana apresenta a arte de criar personagens de cartoon

Em entrevista ao cmais+, o cartunista Zamba fala sobre as aulas e ensina a desenhar um rato em poucos passos

Rita Albuquerque, cmais+ | imagens Thiago Carvalho | arte Homero Esteves | edição de vídeo Clarice França



No mês de outubro, o Sesc Santana, em parceria com o cartunista Wagner Zanirato, também conhecido como Zamba, promove o curso ‘Criação de personagens de cartoon’ para pessoas acima de 12 anos. Os participantes aprenderão a criar e a construir figuras dentro do gênero que, segundo o especialista, é uma forma de expressão marcada pela alteração das características e regada a muito bom humor.

Os primeiros registros desse perfil de sátira foram feitos na Europa antiga, quando os reis ou quaisquer pessoas pediam aos desenhistas que criassem uma espécie de provocação aos seus inimigos. A representação era feita em um pedaço de papel que, mais tarde, passou a ser chamado de cartoon. “Com o passar dos anos, o modelo foi se aperfeiçoando, ganhou espaço em revistas, muitas vezes na forma de quadrinhos, e chegou aos cinemas. Acredito que, em determinado período, o mercado de animação salvou o cinematográfico”, afirma Zamba.

O professor explica que escolher o tema, traçar o objetivo e investir na pesquisa são elementos fundamentais antes de soltar a mão. E alerta: “a boa ideia é igual o vinho, demora a se desenvolver”. Passados os primeiros passos, Zamba ensina aos seus alunos os princípios da geometria. Segundo ele, qualquer cartoon pode ser criado a partir de círculos, quadrados, retângulos e outras formas. Os traços, os movimentos, a roupagem e a criação de um universo no qual estarão inseridas as personagens ficam a cargo das últimas etapas do processo.

Zamba explica que desenhar não basta. “É preciso dar personalidade às criações. Se o cartunista está com dúvida sobre alguma expressão, basta observar em um espelho como fazê-la. É um recurso. No fim, é interessante questionar se o seu personagem está dizendo o que você quer”, conclui.

Assista ao bate-papo com o cartunista Zamba e aprenda a desenhar um rato em poucos passos:

domingo, 19 de outubro de 2014

Carta aberta a Bill Gates

“O Windows 10 não me fará voltar aos braços da Microsoft. Não quero ser controlado por uma empresa ou a NSA. Aderi ao software livre, construído e compartilhado por milhares de seres humanos como eu”

Por André Solnik


Bill Gates,

Sei que você já largou a direção da Microsoft faz um tempo e agora paga de bom moço doando seus bilhões a causas sociais e pulando cadeiras de escritório (?), mas recentemente fiquei sabendo do lançamento do Windows 10 e seu nome rondou – e perturbou – a minha mente mais uma vez.

Também larguei a Microsoft faz um tempo e confesso que não estou por dentro das novidades da nova versão do seu sistema operacional, mas posso dar alguns palpites: mais rápido, mais bonito, mais intuitivo, mais seguro, mais integrado. Acertei? Bom, pelo menos é isso vocês vêm prometendo há um tempão…mas digamos que finalmente isso aconteceu. O Windows 10 é o suprassumo dos sistemas operacionais: estável, elegante, robusto, inteligente, veloz. Isso faria com que eu reconsiderasse a minha decisão e, finalmente, retornasse aos seus braços?

Não adianta, Bill…não tente me conquistar com amenidades. A Apple já fez um sistema com todas essas vantagens práticas e mesmo assim não me conquistou. Sabe por quê? Porque o grande problema do Windows – e do OS X – é estrutural. Ele é proprietário e, justamente por isso, desrespeita a liberdade dos usuários. Todo mundo deve ter a liberdade de executar, copiar, estudar, distribuir, mudar e melhorar um programa. Essa liberdades garantem que não existe ninguém controlando as coisas de um degrau mais alto do que o meu: o controle agora passa para as mãos dos usuários.

Admito que eu mesmo não consigo interpretar o código-fonte de um software, mas isso pouco importa. O fundamental é que ele esteja disponível pra quem quiser e que centenas de programadores estejam constantemente buscando por falhas, fazendo mudanças e liberando atualizações. E não venha me dizer que só porque eu não sei programar estou sendo dominado por quem sabe. Se um software é livre, qualquer um tem a liberdade de aprender e fuçar, e essa diferença é importante. Além disso, mesmo pra um usuário que não tenha vontade alguma de se aprofundar no assunto, o leque de escolhas no mundo do software livre é praticamente infinito. Aqui chegamos em outro ponto crucial: um software livre, ao contrário do seu monstro em forma de sistema operacional, estimula o conhecimento compartilhado: aprendemos, copiamos e criamos todos juntos. Ele conecta pessoas do mundo todo, criando um senso de comunidade muito forte.

Sei exatamente o que você retrucaria agora: “mas esse controle é essencial pra segurança e pra usabilidade do sistema”. Você deve enganar muita gente com essa, né? Um software proprietário não assegura nada disso. Se ninguém sabe como funciona seu programa, o que me garante que ele não é malicioso, não rouba, repassa e vende meus dados, não acessa meu computador sem minha permissão e não segue meus passos? Nada! E isso acontece – e muito – na prática (aliás, como andam seus amigos da NSA?). A chance de essas coisas acontecerem com um software livre é muito pequena, exatamente porque seu funcionamento não é nenhum segredo guardado a sete chaves.

Quanto à usabilidade, talvez você tenha razão. Afinal, o Windows é utilizado por 1 bilhão e meio de pessoas no mundo todo! É…mas vamos com calma. Quem realmente escolheu o Windows? Quantas pessoas sabem que existem outras opções além dele? Pois é…seus acordos milionários com fabricantes de computadores e de hardwares fizeram a diferença. Praticamente todos os PCs que chegam às lojas já vêm com o Windows instalado. Você convenceu o planeta inteiro de que computador era sinônimo de Windows e desse jeito conseguiu empurrar esse sisteminha ingrato pra todo mundo. Até a liberdade de escolher o sistema operacional que queremos usar você quer cercear…assim já não dá. Tenho muito mais pra te falar, mas fica pra outra hora. Enquanto isso, que tal você dar uma lida sobre o GNU/Linux e aprender com um sistema operacional que respeita a liberdade dos usuários?

Passar bem,

André Solnik

sábado, 18 de outubro de 2014

O Menino e o Mundo: radicalismo e marca autoral

Riquíssimo em inovações estéticas, lírico e político simultaneamente, oposto às superproduções, filme premiado de Alê Abreu sugere possível “boom” da animação brasileira
Por Cláudia Mogadouro


“É preciso restaurar (a unidade complexa da natureza humana),
de modo que cada um, onde quer que se encontre, tome conhecimento e consciência,
ao mesmo tempo de sua identidade complexa
e de sua identidade comum a todos os outros humanos”
Edgar Morin

O filme de animação O Menino e o Mundo, dirigido por Alê Abreu, já vinha revelando uma rara unanimidade entre os críticos de cinema, nos festivais e mostras internacionais das quais participou em 2013. O aplauso do público, após o lançamento comercial brasileiro em janeiro de 2014, só confirmou que se tratava de uma novidade muito especial no cenário da animação brasileira. Não é exagero afirmar que sua relevância vai além dos filmes de animação. Traz bons ventos à cinematografia brasileira como um todo, afirmando-se como uma de nossas melhores produções audiovisuais dos últimos tempos.

Tentarei esboçar alguns dos aspectos que fazem deste filme uma obra prima do audiovisual brasileiro e mundial. Certamente, muitas críticas e estudos ainda serão escritos sobre essa animação tão mágica e poética.

Em junho de 2014, depois de circular por muitos festivais mundiais, sempre arrebatando prêmios, veio o veredito do festival mais conceituado do mundo da animação: o melhor filme no Festival de Annecy, na França. Até 2013, o Brasil nunca tinha participado na mostra competitiva deste festival. Sua estreia se deu com Uma História de Amor e Fúria, de Luiz Bolognesi (2013), premiado como melhor filme pela crítica especializada. Em 2014, ganhou novamente o primeiro prêmio, com O Menino e o Mundo, sendo que, desta vez, o reconhecimento foi da crítica e do público. Segundo Luiz Bolognesi, que compôs o júri deste último festival, o “boom” da atual fase da animação brasileira pode ser comparado ao sucesso da bossa nova, no início dos anos 19601. Segundo o cineasta, a animação brasileira tem se destacado mundialmente por seu radicalismo e por sua marca autoral. A prova disso é que O Menino e o Mundo custou menos de dois milhões de reais e ganhou de produções norte-americanas e japonesas – os craques da animação mundial – que custaram mais de 20 milhões.

Ideias soltas expressas por uma feliz conjunção de som e imagem

Segundo Alê Abreu2, as ideias iniciais para fazer esse filme surgiram logo na fase de finalização de seu primeiro longa – Garoto Cósmico (2008) – quando ele abraçou um projeto de pesquisa sobre a conturbada história do continente latino-americano, do ponto de vista das canções de protesto. De mochila nas costas, percorreu diversos países, estudando história e música, levando consigo um caderno de anotações, uma espécie de diário com rascunhos de ideias e muitos desenhos. Foi nessa viagem que o menino lhe surgiu. Batizado inicialmente de Cuca, tempos depois perdeu o nome. O diretor optou por chamá-lo apenas de menino.

Nos anos seguintes, era como se o menino tivesse vida própria e lhe contasse passagens de sua história, sem linearidade e sempre na ambiência daquela viagem e da música latino-americana. A primeira imagem que brotou foi a de um menino em um jardim muito colorido, brincando com bichos e plantas, até que é levado pelo vento, aventurando-se pelo mundo. A motivação de sua viagem é a saudade do pai, que tomara um trem em busca de trabalho no campo ou na indústria, já que a plantação de sua pequena propriedade não mais sustentava sua família.

O processo de produção do roteiro se deu de forma atípica. Ideias desconexas foram se juntando, ligadas muito mais por música e desenhos, já que o cineasta é artista plástico e tem forte ligação com a linguagem musical. Talvez por isso, há poucos diálogos no filme, que são falados em português de trás para frente. Desta forma, a palavra “menino” é falada “oninem”. A palavra “adeus” é “sueda”. O mesmo se aplica às propagandas e telejornais que estão sempre nesta linguagem (escrita e falada), dispensando palavras claras. A crítica à mídia é mordaz, mostrada como elemento de alienação e manipulação ideológica.

A narrativa com cores e som conjugados traz um sentimento nostálgico da infância e do estado natural das coisas. Logo no início do filme, mergulhamos numa experiência sensorial indescritível, quando caímos junto com o menino no meio das árvores e depois num lago com peixes. Além do forte colorido feito com as mais diversas texturas e técnicas de desenho, somos acompanhados pela sonoridade de Naná Vasconcelos, que nos remete ao som das árvores e das águas. Os perigos que essa criança enfrenta no início do filme, estão na ordem do crescimento natural, dos tombos, galos na testa e arranhões no joelho, que todos nós ganhamos na primeira infância.

Como o filme é mostrado a partir dos olhos ingênuos e perplexos do menino, com fala incompreensível, o espectador veste sua pele e sente como ele os problemas do mundo adulto, ainda que não os entenda e que nada lhe seja explicado. Apesar de sentirmos como ele, nós somos adultos, por isso vem uma grande aflição em relação aos perigos que o menino enfrenta.

A união do desenho com a música tem presença muito forte, por exemplo, na representação dos sons da flauta: quando o pai toca a flauta em uníssono, o som é representado por bolinhas de uma mesma cor; quando aparecem vários músicos tocando uma música mais harmonizada, as bolinhas são de várias cores. A imagem do pai, cada vez mais distante, se concretiza no som da sua flauta, guiando suas aventuras. Mais adiante, quando o som vem do exército opressor, as bolinhas são pretas. A mesma oposição se dará com os pássaros que lutam: o pássaro preto está do lado do opressor e o colorido representa o movimento popular, sempre renascendo.

A trilha sonora, composta por Gustavo Kurlat e Ruben Feffer, é essencial na narrativa e mostra influência das canções de protesto latino-americanas. Além do percussionista Naná Vasconcelos, o filme conta com a participação do rapper Emicida3, do GEM – Grupo Experimental de Música e do grupo Barbatuques, marcando cada passo e respiro do menino.

O filme é adequado para qualquer idade, pois, independente de seu engajamento e do pano de fundo sociopolítico, o filme é de uma plasticidade rara. Sua ousadia estética se dá inclusive no intenso uso do branco, em contraponto às paisagens que lembram Paul Klee ou Kandinsky.

Outra opção estética interessante é a utilização de traços muito simples no espaço de origem do menino, com cenários feitos com lápis de cor, canetinhas e tintas. À medida que o menino trava contato com a complexidade do mundo, com as injustiças e aberrações do mundo urbano, a textura dos cenários é invadida por colagens de jornais e revistas, chegando ao ponto de pegar fogo na folha do desenho, transformando-se em vídeo, em uma cena quase apocalíptica.

A identidade latino-americana em tempo e espaço indefinidos

O Menino e o Mundo não localiza o espectador nem no tempo nem no espaço. Somos levados como o menino, num tempo impreciso, a lugares imaginários, mas nem por isso irreais. Saindo de seu jardim colorido e poético, o menino conhece a realidade dos processos de trabalho capitalista em todas as suas etapas: plantações de algodão em larga escala, tecelagem, distribuição para o mercado consumidor, exportação e, por fim, a publicidade incitando ao consumismo. A chegada da tecnologia para os trabalhadores significa o desemprego e a acentuação da exclusão.

Apesar dessa imprecisão, não há como não pensar nos processos semelhantes de colonização pelos quais passou todo o continente latino-americano. Primeiro como colônia fornecedora de matéria prima e mão de obra barata. Depois, a condição de todos esses países terem sido governados por ditaduras militares, representadas no filme por grandes tanques de guerra – como se fossem máquinas-monstro. O clima de opressão é quebrado várias vezes por uma trupe de músicos e dançarinos, com gorros e ponchos coloridos, tocando músicas alegres, ao som da flauta-pan. São momentos de respiro, como a lembrar que a resistência popular não morreu e dará alento a esse menino tão solitário.

A situação de dependência mantém-se até hoje no mundo globalizado. O descaso com que são tratados os trabalhadores é mostrado tanto no trabalho do campo como na fábrica. Outra crítica importante é a questão da destruição do meio ambiente. Mas o filme não nos fala apenas de opressão e destruição, mas também da resistência cotidiana criativa e transformadora, como nos diz Michel De Certeau (2003). O operário que se solidariza com o menino mora na periferia, dorme em frente à televisão, toca sua flauta em um lixão e ainda consegue participar de feiras de artesanato aos fins de semana.

A imprecisão e a simplicidade desse menino desenhado com lápis de cera mostra uma estética minimalista, muito diferente dos grandes estúdios de animação. Essa simplicidade o torna um menino único e universal, ao mesmo tempo. Há uma cena em que o menino espera a chegada do trem e vê seu pai. Quando corre para abraçá-lo, ele vê vários homens iguais, uma infinidade de trabalhadores em busca de uma vida melhor. O aperto no coração que sentimos neste momento não se deve apenas ao sentimento de saudade do garoto, mas também à dor dos imigrantes brasileiros e universais, ao abandono dos trabalhadores e suas famílias, à dor da miséria humana.

O Menino e o Mundo é uma obra humanista e densa, que mostra a complexidade do mundo por meio de um desenho simples de menino. E essa simplicidade da essência permite que o filme faça uma forte comunicação com todo tipo de espectador.

Pensando na potencialidade do cinema como instrumento de formação cultural, este é um filme fundamental para ser visto por crianças e adultos, educadores e educandos, pois permite que aflore nosso sentimento de sujeito, como parte de uma sociedade e como parte da espécie humana.


Ficha Técnica:

O Menino e o Mundo
Ano/país de produção: 2014/Brasil
Direção, roteiro e montagem: Alê Abreu
Assistente de direção: Priscilla Kellen
Produção executiva: Tita Tessler e Fernanda Carvalho
Música original, produção musical e arranjos: Rubens Feffer e Gustavo Kurlat
Duração: 80 minutos
Gênero: animação

Referências

CERTEAU, Michel De. A Invenção do Cotidiano, Artes de Fazer. Petrópolis/RJ: Vozes, 2003.

MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, São Paulo: Ed. Cortez,
2001.

1 Entrevista de Alê Abreu e Luiz Bolognesi sobre o “boom” da animação brasileira no Programa Metrópolis de 25/06/2014, na TV Cultura.http://tvcultura.cmais.com.br/metropolis/videos/luiz-bolognesi-e-ale-abreu-no-metropolis.

2 http://omeninoeomundo.blogspot.com.br/

3 O clipe com a música tema do filme – Aos Olhos de uma Criança – de Emicida, pode ser assistido em: http://www.youtube.com/watch?v=cpOb3db_Xuc

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Um aplicativo para bicicletas e gente

“Bicidade”, desenvolvido e premiado em S.Paulo, ajuda a encontrar rotas amigáveis e integrar pedaladas à vida social. “É minha forma de ajudar a transformar cidade”, diz desenvolvedor

Por Fabio Nazareth, no Vadebike

O aplicativo Bicidade promete oferecer rotas mais seguras e trajetos mais adequados para os ciclistas na cidade de São Paulo. Segundo lugar na Hackatona da CET, evento em que programadores, pesquisadores e outros interessados se dedicam ao desenvolvimento de softwares, o Bicidade pode ser baixado gratuitamente para celulares que utilizam o sistema Android.
Aplicativo promete oferecer rotas mais seguras e trajetos mais adequados para os ciclistas na cidade de São Paulo. Foto: Fabio Nazareth

De acordo com Tiago Barufi, engenheiro que desenvolveu o aplicativo, existem planos para que também esteja disponível para iPhone. “Eu gosto de ajudar as pessoas a aprenderem a pedalar. É algo que consigo fazer: compartilho meu conhecimento, descubro problemas novos. É minha forma de participar da transformação que gostaria de ver na cidade. É minha maneira de evoluir, porque foi muito difícil começar sozinho. Não quero que as pessoas desistam”, afirma.

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