quinta-feira, 31 de julho de 2014

Mudança climática: o que o Brasil pode fazer já

Promover energias solar e eólica. Construir ferrovias e metrôs. Veja como multiplicam-se alternativas viáveis — desde que questionemos mito interesseiro da impotência social

Pela Abong, em seu site
Desde o início da hegemonia neoliberal, tornou-se um hábito justificar a continuidade da situação existente ou das políticas em curso pela ideia de que “não há alternativa”. É uma ideia que não precisa de provas: é afirmada como um dogma de fé. No entanto, em nenhum período da história este fenômeno – a falta de alternativas – aconteceu. O Império Romano caiu, a Idade Média acabou, o III Reich – “de mil anos” – foi derrotado, as próprias teses neoliberais ruíram com a crise mundial de 2008.
Mar de coletores solares na China. Em 2010, graças a subsídios públicos, 120 milhões de famílias já usavam tais painéis, produzidos por cinco mil empresas, por cerca de R$ 450

Todos se lembram da famosa afirmação, repetida por todos os governos e ideólogos até a eclosão da crise, de que o Estado não tinha mais recursos para os gastos com saúde, educação, aposentadoria, etc. No entanto, quando os grandes bancos e multinacionais quebraram, foi o Estado que os salvou, com os recursos que, supostamente, não existiam. Descobrimos, na ocasião, que estes recursos eram muito maiores do que qualquer um de nós, leigo, poderia imaginar: trilhões de dólares públicos foram usados para salvar instituições privadas, as mesmas que haviam causado a crise.
Traduzindo: há sempre alternativas. Os que negam sua possibilidade são aqueles que ganham com a continuidade do que já existe.
O mesmo se pode dizer da atual crise ecológica. As pessoas comuns sabem que estamos vivendo uma situação extremamente grave, que não tínhamos antes: sabem-no através dos jornais – falados, escritos, televisados – e também por experiência própria, em razão dos eventos extremos que têm nos atingido. Desde chuvas e inundações extraordinárias, capazes de destruir cidades inteiras, até secas prolongadas, inclusive na Amazônia, assim como longos períodos de temperaturas fora do comum.
O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC – sigla em inglês), constituído por 2.500 cientistas de todo o mundo, tem nos advertido repetidamente, com dados cada vez mais precisos, de que a humanidade está caminhando para o desastre – se não tomarmos logo providências, se não mudarmos o modelo de desenvolvimento que temos hoje. No entanto, os governos parecem viver em outro mundo: não sabem ou não querem saber de crise ecológica, de mudanças climáticas, de aquecimento global. A cada reunião internacional, as decisões tomadas são mais distantes daquelas que são necessárias.
Mas há alternativas, são viáveis e todo governo é capaz de implementá-las. Melhor: elas são mais viáveis que as políticas atualmente em curso, elas são mais baratas do que o que se está fazendo e são mais saudáveis do que o que vivemos hoje. Elas são a solução para muitos problemas atuais. Vamos ver alguns exemplos.
Estamos vivendo uma crise de energia elétrica, causada por insuficiência de chuvas. Para fazer face às dificuldades, o governo apela para as termelétricas, que são mais caras e mais poluentes. No entanto, haveria uma solução muito mais barata e eficaz para enfrentar a instabilidade das chuvas. Seria a utilização de uma fonte que o Brasil tem de sobra, muito mais que qualquer país do Norte: o sol. O Brasil poderia continuar usando a energia hidrelétrica que tem, mas poderia complementá-la com a energia solar, porque nós temos sol o ano inteiro, numa proporção que poucos países no mundo têm. Dados do Atlas Solarimétrico do Brasil indicam que, dada a média anual de radiação, se apenas 5% dessa energia fosse aproveitada, toda a demanda brasileira por eletricidade poderia ser atendida1.
O sol é uma fonte gratuita e durável. Só precisa de alguns equipamentos para gerar energia. Estes equipamentos, se produzidos em quantidade, se tornam baratos e perfeitamente acessíveis. Lester Brown, especialista na temática, revela que, na China, em 2010, cento e vinte milhões de famílias já usavam aquecedores solares, que eram produzidos por cinco mil empresas e cujo custo correspondia a 150 euros (algo como 450 reais)2. Se o país quisesse, poderia propor às empresas que fabricam chuveiros elétricos que produzissem aquecedores solares, facilitando empréstimos e abrindo uma linha de crédito para os consumidores. Isto traria uma enorme economia de energia elétrica. Com uma vantagem: depois de instalado o equipamento, o consumidor não gasta nada, a não ser sua manutenção. A fonte, como lembramos, é gratuita.
Poderíamos estabelecer como norma que toda construção (e toda reforma de um prédio) exigisse a instalação de equipamentos captadores de energia solar. Assim como, em algumas estradas do país, a iluminação noturna é garantida por painéis solares, os painéis poderiam cobrir as casas e edifícios e garantir a energia de que necessitam.
Para aqueles que moram no campo, em casas distantes da cidade, a energia solar tem a vantagem de não precisar de longas linhas de transmissão para poder funcionar: cada casa pode ter seu próprio “gerador” de energia.
Mais: o Brasil poderia abrir uma linha de financiamento de pesquisa nas universidades federais para desenvolver a tecnologia da energia solar.
Um segundo exemplo, bem concreto, nestes tempos de Copa do Mundo e de preocupação com a mobilidade urbana. Há grandes cidades no mundo onde, durante a semana, as pessoas não precisam usar carro: elas dispõem de um meio de transporte rápido e seguro, que é o metrô. Além do mais, dispõem de uma ampla frota de ônibus. E o sistema de transporte público é completado por bondes (tramways) na cidade e ferrovias interurbanas. Com isso, é possível deixar o transporte individual para utilização secundária ou para lazer e reduzir radicalmente os engarrafamentos e a perda de tempo nos trajetos diários para o trabalho. Não adianta construir novas vias e viadutos enquanto o número de carros nas ruas não diminuir. Temos de investir em transporte público de qualidade: prioritariamente em trilhos (linhas de metrô cobrindo toda a cidade, bondes, trens interurbanos). E, secundariamente, em ônibus.
Para o transporte entre as cidades e regiões – tanto de pessoas como de mercadorias -, temos de começar a mudar a nossa matriz, priorizando as ferrovias – mais seguras, mais duráveis, capazes de um volume de carga muito maior.
E, nas cidades, facilitar o uso da bicicleta, com ciclovias e normas de trânsito para garantir a segurança dos ciclistas. Há países onde a bicicleta é o meio normal de transporte da maioria das pessoas. E contribui para a sua saúde.
Em suma, se insistirmos no modelo de desenvolvimento que temos hoje, se continuarmos produzindo e consumindo do modo como fazemos hoje, caminharemos para cenários ambientais dramáticos e mudanças climáticas desastrosas. Já estamos assistindo ao princípio destas mudanças, mas tudo se passa como se isso fosse natural e inevitável. Os “mercadores da dúvida” têm tido sucesso: eles têm conseguido manter a incerteza sobre o aquecimento global e sobre nossa responsabilidade quanto a ele3.

1Greenpeace Brasil (www.greenpeace.org.br). [R]evolução energética – a serviço de um desenvolvimento limpo, dezembro de 2010.
2Lester Brown, Basculement: comment éviter l’éffondrement économique et environnemental. Bernin, Souffle Court Éditions; Paris, Rue de l’Échiquier, 2011 (cf.www.earthpolicyinstitute.org).
3Oreskes, Naomi e Conway, Erik M. Les marchands de doute. Ou : Comment une poignée de scientifiques ont masqué la vérité sur des enjeux de société tels que le tabagisme et le réchauffement climatiqueParis, Éd. Le Pommier, 2012 (Os mercadores da dúvida. Ou: Como um punhado de cientistas mascararam a verdade sobre problemas sociais tais como o tabagismo e o aquecimento global).

quarta-feira, 30 de julho de 2014

CCJ pode votar projeto que prevê multa para quem joga lixo nas ruas

Agência Senado

Está pronto para ser votado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) projeto de lei que obriga municípios e o Distrito Federal a aplicarem multas a quem descarta lixo nas vias públicas. A proposta, de autoria do senador Pedro Taques (PDT-MT), tem parecer favorável do relator, senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).


O Projeto de Lei do Senado 523/2013 acrescenta à Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) a proibição de descarte irregular de resíduos ou rejeitos em vias públicas. Além disso, a proposta exige que os municípios e o DF regulamentem a forma correta do descarte e estabeleçam multas para quem descumprir a regra. O projeto dá o prazo de dois anos para que o DF e os municípios regulamentem a nova lei.

Para o autor, atualmente as pessoas têm dificuldade de saber como descartar e tratar adequadamente o lixo. O problema, para Taques, no entanto, será resolvido apenas com investimento em educação, tecnologia e gestão eficiente.

“O projeto do qual ora se cuida propõe uma singela, mas importante contribuição à proteção do meio ambiente urbano”, afirmou.

Em seu relatório favorável, Randolfe Rodrigues analisou a constitucionalidade, a técnica legislativa e a juridicidade do projeto. O mérito da proposta deve ser analisado pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), que vota o texto de forma terminativa.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Nosso Judiciário de duas caras

Desembargador Airton Vieira (Fotos/ilustração sobre reprodução de imagens do documentário “Bagatela”)

Inacreditável, porém real: os “argumentos” de um mesmo desembargador paulista para livrar da prisão fazendeiro estuprador e encarcerar mulher pobre que furtou frasco de xampu
Por Laura Capriglione e Joana Brasileiro, na Ponte
O fazendeiro G.B., de 80 anos, foi preso em fevereiro de 2011 quando mantinha relações sexuais com X, uma menina de 13 anos, dependente de álcool e drogas, em uma camionete estacionada no meio de um canavial. Outra menina, Y, de 14 anos, já havia masturbado o homem e também se encontrava dentro do veículo. Pelo serviço, X recebeu R$ 50. Y ficou com R$ 20. A ordem de prisão em flagrante foi dada pela Polícia Militar.

Como X era, na ocasião dos fatos, menor de 14 anos, a Justiça de Catanduva (384 km de São Paulo) condenou G.B. a oito anos de prisão em regime fechado por estupro de vulnerável. Mas o fazendeiro ficou apenas 40 dias detido. Recorreu da condenação e o Tribunal de Justiça de São Paulo reverteu a condenação, que virou absolvição.

Isso, apesar de o artigo 217-A, introduzido no Código Penal pela Lei nº 12.015, de 2009, ser claríssimo ao definir o chamado “estupro de vulnerável” como a conjunção carnal ou a prática de outro ato libidinoso com menor de 14 anos. Pena: reclusão, de 8 a 15 anos. Pelo mesmo artigo, define-se que incorre em igual pena quem mantenha relações sexuais com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

“O acusado cometeu crime de violação dos direitos da criança e deveria ser punido por isso. Houve exploração sexual de menor, o que é crime hediondo”. Míriam Maria José dos Santos Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

Leva a assinatura do relator, desembargador Airton Vieira, o acórdão que absolveu o fazendeiro. Airton Vieira, só para lembrar, foi um dos assessores do ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal (STF), no caso do “mensalão”. O julgamento do fazendeiro pedófilo teve a participação também dos desembargadores Nuevo Campos e Hermann Herschander.

A absolvição de G.B. foi recebida com consternação pelas entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes. “O acusado cometeu crime de violação dos direitos da criança e deveria ser punido por isso. Houve explor1264ação sexual de menor, o que é crime hediondo”, disse a presidente do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), Míriam Maria José dos Santos.

A Ponte obteve a íntegra do acórdão de absolvição. Como o caso correu sob segredo de Justiça, para preservar as meninas, não será mencionado nenhum apelido ou nome ou endereço que eventualmente permita identificá-las.

A Ponte também teve acesso ao excepcional documentário Bagatela (DocTV, direção Clara Ramos, 2009), que acompanhou as trajetórias de mulheres presas por cometer os chamados “crimes de bagatela”, aqueles pequenos furtos de produtos de valor irrisório (xampu, bolachas, leite em pó, queijo). No documentário, tem papel destacado o mesmo Airton Vieira, então juiz da 4º Vara Criminal Central de São Paulo, desta feita defendendo máximo rigor no julgamento desses crimes insignificantes.

Um juiz, duas atitudes, duas Justiças. Uma é tolerante e compreensiva com o fazendeiro, patriarca em Paraíso (cidade próxima a Catanduva), proprietário de canaviais no interior rico de São Paulo, que teria sido “enganado” pelas meninas, as quais lhe teriam asseverado serem maiores de 18 anos. A outra é indignada, raivosa, vingativa, exemplar. Esta é para as mulheres pobres que cometem os tais “crimes insignificantes”.

O que se verá nas linhas abaixo será o debate do desembargador Airton Vieira consigo mesmo. Em vermelho, trechos do acórdão por ele redigido, absolvendo o fazendeiro pedófilo ao mesmo tempo em que culpa as vítimas por seu modo de vida “devasso”. Em azul, trechos de sua fala contra as ladras de xampu e queijo.

Seria divertido, se não fosse trágico demais.

“É bem verdade que se trata de menor de 14 anos, mas entendo ser crível e verossímil, diante do que aconteceu, que o réu tenha se enganado quanto à idade real da vítima X, Afinal, partindo-se do pressuposto de que, no presente caso, a vítima X, à época dos fatos, contava com parcos 13 anos, 11 meses e 25 dias de idade, e, levando-se em consideração que era pessoa que se dedicava ao uso de drogas e ingestão excessiva de bebidas alcoólicas, [e que] já manteve relações sexuais com diversos homens, o que significa não ser ela nenhuma jejuna na prática sexual, é que não se pode presumir que o réu tinha conhecimento real da idade da vítima e que tinha o dolo de manter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos”.

“Hoje é uma gilete, amanhã é um quilo de carne… Você vai somando nos vários supermercados, nas várias lojas, isso ganha milhões. Por outro lado, se você não punir quem faz desse tipo de ação o seu dia a dia, ou ainda que seja uma vez isolada, você há de convir comigo o seguinte: todos nós estaremos legitimados a entrar em qualquer supermercado e subtrair algo na faixa de 5, 10, 20 reais. (…) Vejam o prejuízo que isso causa”.
“Não se pode perder de vista que em determinadas ocasiões podemos encontrar menores de 14 anos que aparentam ter mais idade, mormente nos casos em que eles se dedicam à prostituição, usam substâncias entorpecentes e ingerem bebidas alcoólicas, pois em tais casos é evidente que não só a aparência física como também a mental desses menores se destoará do comumente notado em pessoas de tenra idade.”

“Não são muitos os casos que se amoldariam em tese ao princípio de bagatela. Por mês, eu não chego a contar nos dedos de uma mão. Sabonetes, xampus, giletes, gêneros alimentícios, mas não de primeira necessidade. Ou seja, bolachas, queijos, postas de bacalhau. Tem coisas interessantes neste aspecto. Porque a pessoa não furta, via de regra, aquilo que você pode pensar que é uma necessidade premente dela. Eu não vejo como uma necessidade premente de alguém o uso de xampu.”
“Seria insensibilidade, a meu ver, distante dos verdadeiros contornos em que o fato se deu, manter a condenação do réu, que na época dos fatos contava com 76 anos de idade, pela prática do crime de estupro de vulnerável contra a vítima X, menor de 14 anos, sobretudo quando emerge dos autos uma verdadeira e clara situação de erro de tipo, pois o réu não tinha consciência da idade dela.”

“Se eu mantenho alguém preso é porque eu entendo que aquela pessoa ou deve permanecer presa, ou deve vir a ser presa. Se ela vai sair melhor ou pior, isso não é problema meu. Foi opção dessa pessoa. Ela podia ter seguido o exemplo honesto, que apesar de sofrer muito, dignifica o país. Honra a população brasileira. Sofre, mas sofre com altivez, olhando nos seus olhos.”
“Logicamente, não se pode desprezar a possibilidade, bastante frequente, da ocorrência de erro de tipo em relação à idade do menor [Não é possível que se exija] ao ‘consumidor’ que, antes de qualquer ato de libidinagem, exija a apresentação de documentos, os quais, ainda assim, podem não ser verdadeiros. Nesse meio, por outro lado, é comum que menores tenham aparência envelhecida além de sua idade real, decorrente de insônia (noites mal dormidas), ingestão excessiva de álcool, enfim, os maus-tratos que a vida devassa lhes oferece contribuem para a aparência de ‘amadurecimento’ (entenda-se envelhecimento) precoce.” (Airton Vieira citando Cezar Roberto Bitencourt)

“Você contrataria para trabalhar na sua residência, para usufruir da intimidade do seu lar alguém que tivesse sido condenado por furto? Eu vou ser franco: eu não contrataria. Eu não vou ser hipócrita. Como eu não gostaria de trabalhar com alguém já condenado, eu não gosto de mandar alguém prestar serviços à comunidade numa escola ou num hospital porque alguém em nome dessa escola ou em nome desse hospital celebrou um convênio qualquer. Eu não vejo isso como salutar. Não estou querendo dizer que eu defendo a prisão sistemática de todo mundo. O que eu defendo é que a pessoa sinta efetivamente uma retribuição por parte do Estado do mal que ela causou com ao praticar um crime. Do contrário, ela vai se sentir autorizada a praticar outros crimes, quiçá piores até.”
“Desse modo, não posso, sobretudo pela forma em que ocorreram os fatos, aplicar friamente o que dispõe o artigo 217-A do Código Penal e fundamentar a manutenção da condenação do réu com base na jurisprudência de nossa Corte Suprema, que entende tratar-se de vulnerabilidade absoluta, deixando passar despercebido o verdadeiro quadro de como se realizou essa relação de que teria resultado o estupro de vulnerável. Ante o exposto (…), dou provimento ao recurso da defesa para fins de se absolver o réu.”

“Nós gostamos de ter essa visão romanceada do criminoso, como se o criminoso fosse um coitado. Como se fosse alguém que a sociedade não deu oportunidades para ele. Longe disso. O julgador não é legislador. Muitas coisas que eu entendo erradas sou obrigado a cumprir. Eu sou escravo da lei. Isso é uma segurança para toda a população. Até porque, amanhã ou depois, o que eu posso entender irrisório, 5 ou 10 reais, outro vai entender que irrisório é 400 ou 500 reais. Onde iremos parar com esse raciocínio?”

O silêncio dos julgadores

O site Ponte dirigiu à assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo as seguintes perguntas:

1. “X”, 13 anos, e “Y”, 14, são apresentadas como adolescentes usuárias de álcool e drogas. Diz o acórdão que teriam experiência “dessas coisas de sexo” e que “se prostituíram livremente para o réu”. Pergunta: o fato de serem dependentes químicas não as torna mais vulneráveis ainda, já que estariam tangidas pela síndrome de abstinência?

2. Como falar em “liberdade” de se prostituírem se está claro que as meninas “saem com homens para arrumar dinheiro para comprar substâncias entorpecentes”?

3. O fato de serem usuárias contumazes de álcool e drogas em vez de lhes aumentar a autonomia de decisão não as deixa em condição de vulnerabilidade análoga à de alienados ou débeis mentais “ou aqueles que, por outra causa, não pudessem oferecer resistência”, tal como prevê o artigo 217-A do Código Penal?

4. Qual a estatura de “X” e “Y” à época dos fatos?

5. Por que o relator aceitou sem mais a alegação de que não se pode “determinar ao ‘consumidor’ que, antes de qualquer ato de libidinagem”, exija a apresentação de prova de idade? Não caberia ao menos a caracterização de crime culposo?

Mas nenhuma resposta foi dada. Abaixo, o email enviado pela assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Os magistrados não podem conceder entrevista porque o caso está sob segredo de Justiça e, também, porque há um impedimento pela Lei Orgânica da Magistratura (o artigo 36 veda manifestação, por qualquer meio de comunicação, de opinião sobre processo que esteja sob sua responsabilidade ou de outro juiz).”

segunda-feira, 28 de julho de 2014

O silencioso avanço das bicicletas pelo mundo

Multiplicam-se, em diversos países, políticas públicas para converter “magrelas” em alternativa real de transporte público. Veja algumas delas

Por Wendy Andrade, no SustentArqui


Hoje, no Brasil, são mais de 60 milhões de bicicletas — metade usadas pela população para ir ao trabalho. Segundo a pesquisa Origem e Destino do metrô, aplicada na Região Metropolitana de São Paulo, o uso desse tipo de deslocamento aumentou 18% entre 1997 e 2008. 22% das viagens de bicicleta têm por motivo o alto custo da condução e 57%, a pequena distância da viagem.

Maiores reféns do trânsito, as grandes capitais já recebem algumas iniciativas. Por exemplo, as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo contam com o sistema de aluguel de bicicleta – Bike Rio e Ciclo Sampa – resultado da parceria entre as prefeituras e bancos. O projeto vem atraindo um grande número de adeptos. No Rio, a iniciativa aumentou o número de postos e bicicletas para atender a demanda.


Já a cidade de São Paulo não para por aí. O prefeito Fernando Haddad tem um projeto audacioso: criar 400 km de ciclovias na capital paulista até o final de 2015, inaugurando um trecho de rotas cicloviárias por semana, incomodado com o fraco desenvolvimento da cidade paulista quando comparada a outras metrópoles. Em Sampa, o trajeto de bicicleta abrange menos de 1%.

Porém, outra iniciativa na cidade já está em andamento: um bicicletário público com vestiário está sendo criado próximo a estação de metrô Faria Lima. O projeto, que partiu de um abaixo assinado com mais de 23 mil assinaturas, terá manobristas, armários, ferramentas para bicicleta, e funcionará 24 horas.

Outra capital que também está criando alternativas para os ciclistas é Curitiba. A cidade, onde mais de 55 mil pessoas aderiram à bicicleta como meio de transporte, recebe o projeto Via Calma, que tem como objetivo criar ciclovias nas principais vias da cidade. Os ciclistas vão transitar pelo lado direito das vias em áreas demarcadas. Para evitar acidentes, a velocidade vai ser reduzida a 30 km por hora e nos cruzamentos vão ser instalado Bikeboxes, uma área especial de parada para bicicletas nos semáforos, protegendo e priorizando o ciclista quando o sinal abrir.

No Mundo

Diferente do Brasil, alguns países já estão bem desenvolvidos em relação a ciclovias. Como por exemplo, a cidade de Bogotá, que possui 359 km de ciclovia, Nova York 675 km e Berlim 750 km. Em Tóquio e na Holanda, 25% dos trajetos são feitos de bicicleta. Portanto, esses países procuram além das ciclovias, outras iniciativas para estimular o uso da bicicleta.

Na França, 20 empresas e instituições somando mais de dez mil funcionários, pagam 25 centavos de euro a cada quilômetro percorrido de bicicleta no trajeto casa-trabalho. Ainda na França, em Paris, o P’tit Vélib’, terceiro maior serviço de compartilhamento de bicicletas do mundo, vai oferecer 300 bicicletas para crianças de 2 a 10 anos de idade em diferentes tamanhos. No Reino Unido, o governo criou um sistema de vendas de bicicleta em conjunto entre funcionários e empregados, chamado Cycle to Work, que oferece preços menores e descontos nos impostos para aqueles que usam bicicleta para ir ao trabalho.

Já na Alemanha o projeto é ainda maior, o governo alemão preocupado em reduzir o congestionamento e a poluição, pretende trocar carros e caminhões por bicicletas de carga. Segundo o porta-voz do ministério dos Transportes, Birgitta Worringen, o projeto é viável porque mais de 75% dos trajetos no país são para cobrir distâncias menores do que dez quilômetros. A empresa de logística, UPS, já realiza entregas em seis cidades alemãs usando bicicletas. Entretanto, o representante da empresa, Lars Purkarthofer, ressalta que a estrutura no país ainda não é a ideal, as ciclovias são estreitas e em alguns pontos faltam estacionamentos para guardar as bicicletas.

Benefícios

Além de manter uma população mais saudável e diminuir a poluição e os congestionamentos das grandes metrópoles, outros dados chamam a atenção para os diferentes benefícios do uso da bicicleta como transporte diário. Segundo um estudo realizado em Nova Iorque, as vendas das lojas de rua aumentaram em até 49% após a construção de ciclovias. O estudo argumenta que um ciclista tem menos barreiras para entrar numa loja local que, ao contrário do carro, é mais fácil encontrar um ponto para prender a bicicleta.

Outro fator interessante é a questão da segurança. É quase unanimidade entre os ciclistas que pedalar nas grandes vias além de atrapalhar o trânsito, aumenta o risco de acidentes. Porém, um estudo feito na Universidade do Colorados em Denver, nos Estados Unidos, mostra o contrário. O estudo afirma que o aumento de bicicletas nas estradas reduz o número de acidentes de trânsito e ainda torna o tráfego mais seguro. O professor e coautor do estudo, Wesley Marshall, trabalha com a hipótese de que quando existe um grande número de ciclistas na estrada, o motorista fica mais atento. Portanto, cidades com grande volume de bicicletas, não são seguras apenas para os ciclistas, mas para os carros também.

O fato é que qualquer tipo de incentivo ao uso da bicicleta é importante, as ruas no Brasil se encontram em situação precária. As grandes capitais estão congestionadas e sem previsão alguma de melhora. O trabalhador quando não espremido no transporte público, está isolado no carro esperando o trânsito andar. Então, a bicicleta vem se tornando uma importante alternativa onde a sociedade ganha como um todo por ter uma cidade mais humana e saudável, e menos congestionada e poluída.

domingo, 27 de julho de 2014

Cartografia do frio - Músico Vitor Ramil é destaque em filme sobre artistas do Cone Sul

Documentário "A Linha Fria do Horizonte" será exibido no Canal Brasil

por Roger Lerina
Foto: Canal Brasil / Divulgação

O Canal Brasil vai reprisar neste domingo (27/6), às 13h30min, o filme A Linha Fria do Horizonte, que redesenha o mapa musical platino ao puxar um fio que une cancionistas do sul do Brasil, do Uruguai e da Argentina. Para além das fronteiras, o punhado de entrevistados do documentário dirigido pelo curitibanoLuciano Coelho compartilha uma percepção similar com relação a essa paisagem de mansas planuras, ao clima de temperaturas baixas e ao caráter mais introspectivo do povo – uma visão artística definida por Vitor Ramil como estética do frio. Durante os meses de junho e julho de 2011 e 2012, a produção gravou mais de 120 horas de entrevistas e shows, em cenários que incluem tanto cidades como Porto Alegre, Montevidéu, Buenos Aires e Madri quanto rincões ermos no pampa sulista.

O umbigo dessa geografia é a casa de Ramil em Pelotas: A Linha Fria... identifica o músico como polo disseminador dessa concepção estética que os irmãos uruguaios Daniel e Jorge Drexler chamam de templadismo – em referência ao clima temperado da região – e o argentino Kevin Johansen batizou de subtropicalismo. Se o autor de Ramilonga é visto como a principal voz dessa conversa – retomando em outros termos um diálogo com cantautores uruguaios e argentinos iniciado antes por músicos como Raul Ellwanger e Luiz Carlos Borges –, a milonga é a linguagem comum utilizada por esses interlocutores. Entremeando as entrevistas com exemplos musicais, o longa explora os termos do conceito sintetizado por Ramil na Milonga de Sete Cidades: rigor, profundidade, clareza em concisão, pureza, leveza e melancolia.

Entre os outros artistas ouvidos pelo doc, estão os brasileiros Marcelo Delacroix, Arthur de Faria, Zelito e Richard Serraria, os uruguaios Dany López, Ana Prada, Sebastián Jantos e o mestre Fernando Cabrera – o mais importante cantautor vivo do país vizinho – e os argentinos Carlos Moscardinie Pablo Grinjot. Radiografia preciosa de uma rica e singular expressão cultural,A Linha Fria... peca apenas pela longa duração: nos 110 minutos do filme, alguns depoimentos soam reiterativos.

>>Leia mais
Confira a crítica do filme Sem Evidências


10 músicas que representam a estética do frio

Jorge Drexler - Un País con el Nombre de un Río


Ana Prada - Amargo de Caña

Vitor Ramil - Milonga das Sete Cidades

Daniel Drexler - Riconcito

Kevin Johansen - Milonga Subtropical

Dany López - Libélula

Marcelo Delacroix - Inverno

Sebastián Jantos - Milonga Del Otoño

Pablo Grinjot - Milonga del Tren Fantasma

Fernando Cabrera - El Tiempo Está Después

A Linha Fria do Horizonte
De Luciano Coelho
Documentário, Brasil, 2014, 110min.
Em exibição neste domingo, às 13h30min, no Canal Brasil.

sábado, 26 de julho de 2014

II GUERRA MUNDIAL Sete décadas atrás, soldados brasileiros começavam a sua saga na Itália

Em 16 de julho de 1944, primeiro contingente da Força Expedicionária Brasileira (FEB) desembarcava em Nápoles
por Marcelo Monteiro/ZH

Em 2 de julho de 1944, 5.090 pracinhas iniciaram a viagem a bordo do navio de transporte americano General Mann
Foto: Ver Descrição / Reprodução

Há sete décadas, a bordo do navio General Mann, mais de 5 mil brasileiros desembarcavam em Nápoles, onde sentiriam na pele o horror do maior conflito bélico da história. Chefiado pelo general Zenóbio da Costa, o primeiro escalão da Força Expedicionária Brasileira (FEB) partiu em 2 de julho de 1944 do Rio de Janeiro, então capital federal, em direção a uma Europa já devastada por quase cinco anos de guerra.

Depois da longa e tensa viagem, na qual alternavam-se entre os soldados o tédio pelos dias intermináveis e o medo dos submarinos alemães, os brasileiros tiveram um choque de realidade em 16 de julho ao pisarem no porto italiano, completamente destruído por anos de bombardeio. Se no Brasil dizia-se que era mais fácil uma cobra fumar do que o país enviar soldados ao front, a chegada do contingente ao sul da Itália sepultava qualquer dúvida: sim, a cobra iria fumar.

O medo enfrentado na viagem fora justificável. Em 1942, dois anos antes do embarque dos brasileiros para o front, um único submarino alemão, o U-507, havia espalhado o terror no litoral do país ao torpedear cinco navios mercantes nacionais em um intervalo de três dias. A morte de mais de 600 patrícios causou tamanha comoção e revolta que dias depois o presidente Getúlio Vargas viu-se obrigado a abandonar a neutralidade e declarar guerra à Alemanha e à Itália, também responsável pelo afundamento de vapores brasileiros.

Avestruz brasileira sobrevoou os céus europeus

Dois meses depois do primeiro escalão chegar a Nápoles, outros dois grupos pisariam em solo italiano, comandados pelos generais Osvaldo Cordeiro de Farias e Olímpio Falconiere da Cunha. Por fim, no ano seguinte, mais dois escalões juntariam-se aos anteriores, perfazendo uma força superior a 25 mil soldados, pequena diante dos milhões de homens que se debatiam por toda a Europa, mas grande para um país pobre e inexpressivo do ponto de vista militar.

Sob o comando geral do general João Batista Mascarenhas de Morais, a FEB obteve suas primeiras vitórias em setembro de 1944, com a conquista das cidades de Massarosa, Camaiore e Monte Prano. As passagens mais marcantes, porém, estavam guardadas para o último ano de guerra. Em 1945, os pracinhas – diminutivo carinhoso para "praças", como são conhecidos os militares sem graduação – participariam da tomada de Monte Castelo, Castelnuovo e Montese. Em Monte Castelo, a vitória só veio em 22 de fevereiro, depois de três tentativas frustradas sob o gélido inverno europeu, no fim do ano anterior.

Pracinha gaúcho conta: "Fomos caçados como animais"

Já em Montese, entre os dias 14 e 16 de abril, a FEB encarou um tipo de combate diferente do que enfrentara até então, em meio a casas e sobrados fortificados. A situação favorecia os defensores, guarnecidos por armadilhas e equipados com suas "lurdinhas" – apelido dado pelos brasileiros às metralhadoras MG.42, que disparavam tiros com a mesma rapidez e fúria com que a noiva ciumenta de um dos soldados costumava lhe xingar. Em Montese, cada lugar a ser tomado exigiu enormes sacrifícios dos brasileiros, que ali totalizaram o seu maior número de baixas no conflito: 430, incluindo mortos, feridos e prisioneiros. Das cerca de 1,1 mil casas da cidade, mais de 800 acabaram destruídas.

O historiador e especialista em II Guerra Mundial Luis Eduardo Amaral Rocha avalia que, apesar das importantes vitórias obtidas na Itália, a FEB foi injustamente tratada com desdém nas sete décadas que se seguiram à guerra:

– Após a volta, devido ao curto tempo de ação no teatro de guerra, e por não ter tomado nenhum bastião de valor incontestável para mudar drasticamente o rumo do conflito, acabou-se jocosamente associando a participação brasileira a um passeio.

Apesar da falta de reconhecimento da população em relação aos seus heróis, porém, um resumo da atuação da FEB não deixa dúvidas sobre a sua importância para o esforço de guerra aliado na Itália. Em sete meses e 19 dias no front, os brasileiros enfrentaram nove divisões nazistas e três italianas, obtendo vitórias relevantes como a captura da 148º Divisão de Infantaria alemã e da 90º Divisão Panzer, em um total de 14,7 mil prisioneiros, entre eles dois generais e cerca de 800 oficiais.

Dos mais de 25 mil soldados da FEB, 465 morreram em combate e foram enterrados no cemitério de Pistoia, na Itália. Outros cerca de 3 mil ficaram feridos. Em 1960, os restos mortais dos combatentes foram transferidos para o Monumento Nacional aos Mortos da II Guerra Mundial, no Rio. As cinzas de um dos mortos permaneceram, simbolicamente, em Pistoia.O soldado Paz e o seu caso de amor no front

Conheça a história do ex-pracinha e da italiana que se conheceram durante o conflito e estão casados há quase sete décadas:


sexta-feira, 25 de julho de 2014

Dia do Escritor: 15 livros publicados no Brasil em 2014 que você precisa ler

ZH fez uma lista para você celebrar o Dia Nacional do Escritor
Vinte e cinco de julho é o Dia Nacional do Escritor. Para comemorar a data, o editor do caderno PrOA, de ZH, Carlos André Moreira, listou 15 obras lançadas no Brasil em 2014 que são imperdíveis. Confira:
1. Os Luminares, de Eleanor Catton

A escritora neozelandesa Eleanor Catton (foto), de 28 anos, foi a pessoa mais jovem a ser agraciada com o Man Booker Prize, com Os Luminares. O romance conta a história do caçador de fortunas Walter Moody, durante a corrida pelo ouro na Nova Zelândia, em meados do século XIX.

2. O Brasil é Bom, de André Sant'Anna
Os 22 contos que formam O Brasil é bom, tratam da velha classe média que observa - apavorada e temerosa - a ascensão da nova classe média, falam sobre o consumismo, como uma epidemia nociva, e também abordam o dinheiro e a Igreja.

3. A Primeira História do Mundo, de Alberto Mussa

Alberto Mussa reconstrói, com o misto de prosa ensaística e literária que é característico de seu trabalho, o primeiro crime de sangue registrado no ainda jovem território do Brasil. Leia a resenha completa.

4. Arrecife, de Juan VIlloro

Se uma narrativa começa com a descoberta de um cadáver, é bastante provável que se trate de um história policial. Isso é verdade apenas até certo ponto para Arrecife, romance do mexicano Juan Villoro. Embora não deixe de ser uma história de crime, Arrecife não busca apenas a resolução de um único homicídio, mas a reconstrução do caminho que levou o próprio país a um inferno social e criminal.

5. Antes que eu queime, de Gaute Heivoll

O livro apresenta a pequena localidade de Finsland, onde os moradores vivem apavorados devido a uma série de incêndios criminosos. Além do temor do fogo em si, todos receiam que o criminoso seja um familiar, um vizinho, um amigo. Nesse ambiente nasce um menino que, anos mais tarde, resolve se tornar escritor e contar a vida de seu vilarejo. O livro ganhou o Prêmio Brage 2010, um dos mais importantes da Noruega.

6. Goya: À Sombra das Luzes, de Tzvetan Todorov


Tzvetan Todorov, que esteve em Porto Alegre há dois anos no seminário Fronteiras do Pensamento, investiga luz e sombra na obra de Goya, mas não no sentido concreto do jogo cromático. As luzes, aqui, são as do Iluminismo, e as sombras, a obra "secreta" do pintor, criada à margem da atividade como artista oficial da corte que durante anos garantiu seu sustento.

7. O Rei de Amarelo, de Robert W. Chambers

O Rei de Amarelo, do escritor americano Robert W. Chambers (1865 — 1933), foi publicado em 1895, mas foi preciso uma série de sucesso na TV mais de cem anos depois para que ele ganhasse uma chance no mercado livreiro nacional. As referências a um "Yellow King" no programa True Detective, exibido pela HBO, despertaram o interesse sobre esta obra considerada um clássico do horror e uma influência para nomes como H.P. Lovecraft e Robert E. Howard, anos mais tarde.

A obra se estrutura em 10 contos ligados entre si por um "livro dentro do livro": uma peça em dois atos chamada O Rei de Amarelo, "terrível em sua simplicidade, irresistível em sua verdade". O texto da peça, do qual Chambers sabiamente fornece apenas versos isolados e vislumbres, tem o perturbador efeito de levar quem o lê à loucura, pelo horror retratado em suas páginas. Leia mais.
8. Matteo Perdeu o Emprego, de Gonçalo M. Tavares


Um dos escritores mais prolíficos e originais da língua portuguesa, Gonçalo M. Tavares (foto acima) faz uma literatura que, elíptica e concisa, é bastante aberta a interpretações críticas. Aqui, ele inova por apresentar um livro que é parte ficção, parte ensaio sobre essa mesma ficção.
9. A História do Dinheiro, de Alan Pauls

Para abordar os anos de ditadura militar de seu país, o argentino Alan Pauls(foto), 55 anos, resolveu não falar em armas, generais e intrigas políticas. Ao invés disso, usou lágrimas, penteados e moedas. Foi pelo viés da vida cotidiana que o autor de O Passado, adaptado para o cinema por Hector Babenco em 2007, retrata a Argentina dos anos 1970 nos romances História do Pranto, História do Cabelo e História do Dinheiro. O terceiro volume desse tríptico traz personagens sem nome em uma narrativa repleta de vaivéns, às vezes desnecessariamente truncada, em que um garoto cresce em meio a adultos com relação obsessiva com o dinheiro — um pai jogador compulsivo e uma mãe que se dedica a aumentar uma casa de modo desmedido.

10. De Repente, uma batida na Porta, de Etgar Keret
Cineasta e também autor de quadrinhos, Keret tornou-se um escritor de renome mundial com seus contos bem-humorados e não usuais, que se aproximam frequentemente do fantástico e do nonsense. Publicado em 34 idiomas, esse é o seu primeiro livro lançado no Brasil.
11. F, de Antonio Xerxenesky

Um resumo apressado de F pode descrever um thriller de suspense: garota se infiltra na equipe de uma produção cinematográfica com objetivo de assassinar o diretor em ação — o cultuado Orson Welles. Não está errado, mas incompleto. O terceiro romance de Antônio Xerxenesky é muito mais do que a empolgante saga de uma matadora de aluguel. Leia mais. 12. Poesia Total, de Waly Salomão

Ícone da contracultura brasileira, Waly Salomão (1943 — 2003) ganha um volume com toda sua obra reunida. Conhecido como letrista, é responsável por canções como Vapor Barato (com Jards Macalé), popular na voz de Gal Costa, e Mel (com Caetano Veloso), do repertório de Maria Bethânia. Além dos livros de Waly, Poesia Total reúne letras inéditas e textos críticos de Antonio Cicero, Francisco Alvim, Heloisa Buarque de Holanda, entre outros. O resultado contextualiza historicamente a obra do poeta e dá a dimensão de seu gênio criativo.

13. Pensando o Século XX, de Tony Judt
Último livro de Tony Judt, Pensando o século XX mapeia os problemas e as preocupações de uma era turbulenta.

14. Lionel Asbo, de Martin Amis
O livro conta a história dos Pepperdine, uma família conturbada que vive em um subúrbio de Londres. Leia o resumo.

15. À Noite Andamos em Círculos, de Daniel Alarcón
A vida de Nelson não está tomando o rumo que ele queria. Sua ex-namorada está morando com outro; seu irmão mais velho emigrou para os Estados Unidos e não cumpriu a promessa de levá-lo junto; e ele próprio tem de viver ao lado da mãe viúva, tentando estabelecer uma carreira de ator e dramaturgo que não decola, num país latino-americano recém-saído da guerra civil. Tudo muda quando ele é o escolhido para encenar uma peça lendária. Leia mais.

Veja mais dicas literárias no blog Mundo Livro

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Mídia e eleições: quem vê cara, não vê proposta

Por Renata Mielli

No modelo de democracia representativa que vivemos no Brasil é assim: a cada dois anos, durante aproximadamente 90 dias, a campanha eleitoral ocupa uma parcela considerável do debate na sociedade.

Mas o que se discute mesmo? Toda generalização é o que é, uma generalização, portanto, há exceções. Mas, no geral e infelizmente não se discute nada de produtivo. E a cobertura que a grande mídia faz das eleições é a grande responsável pela despolitização e esvaziamento do que deveria ser o foco principal do debate: propostas e projetos para o país.

A ênfase da cobertura é majoritariamente a dos bastidores dos candidatos, reforçando ainda mais a cultura da política pessoalizada. A espetacularização da notícia não é atributo apenas da cobertura policial. A notícia espetáculo, na cobertura política, também é trunfo do pseudo-jornalismo praticado por uma mídia que se comporta como partido, que tem interesses econômicos e políticos que precisam ser preservados e, portanto, devem estar acomodados nos corredores palacianos Brasil afora.

Sob a cortina de fumaça de estar cumprindo a “missão” do jornalismo de ser um fiscal do povo, essa mídia hegemônica atua como 4º poder produzindo manchetes-denúncia. Sob o pretexto de informar, vasculham a vida privada das pessoas, publicam manchetes explosivas, sejam elas comprovadas ou não. Dizem eles em seu favor: Quem se importa? Afinal, estamos cumprindo nosso papel. Os que se sentirem lesados que se defendam depois e provem o contrário. Muito conveniente.

A prática inverteu a lógica do Direito que diz que todos são inocentes até que se prove o contrário. A nossa mídia inaugurou uma nova regra, válida para qualquer um: “todos são culpados até que se prove o contrário”.

Essa tônica da cobertura aumenta muito em dimensão durante o período eleitoral. Primeiro e principalmente porque não há interesse da mídia de discutir projetos e propostas, segundo porque não sobra espaço – literalmente porque este é limitado na comunicação, exceto na internet – para outro tipo de abordagem na cobertura.

Ah, claro, há os debates com os candidatos, as sabatinas nos jornais, entrevistas. Tá certo. Mas eles representam que porcentagem da cobertura?? A audiência dos debates é cada vez menor, até porque eles também se adaptaram a lógica do ataque e da defesa, da denúncia, e pouco ou quase nada de proposta é de fato discutido nestes espaços.

Mostrar com isenção o que avançou no Brasil, fazer comparativos e contextualizar as políticas adotadas, oferecendo à sociedade informação para que cada um possa construir uma visão crítica de país e, a partir da realidade olhar as propostas de cada candidato e avaliar quais as adequadas para se avançar mais, é algo que lamentavelmente não se pode esperar da grande mídia. O que torna ainda mais relevante uma discussão ampla sobre a comunicação que temos e a que gostaríamos e poderíamos ter para avançar na democracia brasileira.

Mas isso, que deveria ser um tema estratégico, praticamente não consta da proposta de nenhum candidato, então, nem há o que noticiar, já que a comunicação continua sendo um não-tema, uma não-notícia.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Ação que aquece - Jovens espalham cabides nas ruas para doação de agasalhos

Iniciativa surgiu em Porto Alegre e se espalhou por cidades brasileiras
por Bruna Scirea/ZH
Luana Flôres, 30 anos, Helena Legunes, 22 anos, e Laura Camardelli Brum, 24 anos, são as idealizadoras do projeto
Foto: Fernanda Coelho / Divulgação

Um projeto nascido numa tarde fria de Porto Alegre, em 2013, entre uma colherada e outra de caldinho de feijão, vem para aquecer o inverno de quem precisa. E surgiu de uma ideia simples: espalhar cabides pela cidade para que qualquer um pudesse pegar ou doar um agasalho.

No último 21 de junho, quase um ano após o almoço inspirador, as amigas Luana Flôres, 30 anos, Helena Legunes, 22 anos, e Laura Camardelli Brum, 24 anos, espalharam os primeiros cabides em três pontos da capital gaúcha e criaram a página do projeto no Facebook, a "Amor no Cabide".

— Não passava de um teste, ninguém esperava que desse tão certo — conta Luana, administradora.

E deu. Os exemplos iniciais se multiplicaram por meio de outros voluntários. Dezenas de cabides se espalharam por Porto Alegre, Caxias do Sul, Passo Fundo e outros Estados, como Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Na página no Facebook, onde as fotos do projeto e os "pontos de amor" em todo Brasil estão divulgados, já são quase 7 mil seguidores.

— Tem até lojas que instalaram pontos na calçada e oferecem descontos para clientes que participem do projeto trazendo agasalhos para doação — conta Laura Brum, engenheira de produção.

Pontos de doação são chamados pelo grupo de "pontos de amor"
Foto: Carol de Góes 

De tanta gente perguntando se era permitido copiar a ideia ("claro que é", respondem elas) e como se fazia para instalar um cabide de doação, o site do projeto já tem uma página com o passo-a-passo. Ela traz recomendações pertinentes: não colocar as roupas em árvores, protegê-las da chuva e, o fundamental, segundo as idealizadoras, conversar com as pessoas.

— É importante que as pessoas não apenas levem roupas, mas que também conversem com quem está na rua, expliquem o projeto e façam com que se sintam a vontade para pegar o que precisarem. Que aproveitem esse momento para se transformar também — argumenta Luana.

Ver a população que precisa se beneficiar dessa ideia solidária já traria uma sensação suficientemente recompensadora. Mas elas garantem que a iniciativa não acaba em si.

— Tem o exemplo de umas gurias de Caxias que não conheciam e, por quererem colocar o Amor no Cabide em prática na cidade, viraram amigas. Essas histórias paralelas vão além do projeto — conta Helena, especialista em Marketing.

— O que mais me empolga com a continuidade desse projeto é o fato de ter saído da zona de privilégio, de deixar o quentinho da casa para conversar, para ouvir as pessoas que geralmente não são ouvidas. Acredito que essas pequenas ações mudam o nosso entorno — diz Luana.

O trio garante que não tem segredo. É descomplicado assim: se você tem (agasalho, amor, sorriso), doe. Se você precisa, é seu.

— Você se dá conta de que quando faz o bem para os outros, acaba fazendo bem para si mesmo — conclui Laura. 

Corações enfeitam cabides com a mensagem: "se você precisa, é seu".
Foto: Carol de Góes