É cômodo condenar corrupção ou mesmo dizer que políticos “não nos representam”. Porém, para construir democracia real exige-se um passo a mais
Por Guilherme Boulos / Outras Palavras
Se há um tema que não sai da pauta nacional é a corrupção. Escândalos se sucedem e bodes expiatórios são criados um após outro para acalmar os ânimos. A mídia denuncia, o público pede cabeças e vez ou outra alguma vai para a guilhotina. Nesse circo contínuo se alimenta a descrença do povo na política institucional.
Descrença, é verdade, que tem bases legítimas na história e no caráter do Estado brasileiro. Mas o viés que tem assumido leva a caminhos perigosos. “Militares no poder!”, “Varre vassourinha!”, “Vamos acabar com essa desordem!”. O discurso que tem se fortalecido é o da direita. Não se pode nunca esquecer que a Marcha da Família com Deus, que preparou o golpe militar de 64, tinha o combate à corrupção como lema.
Isso porque a roda das denúncias midiáticas gira em falso. A corrupção é mostrada no varejo, mas pouco se fala do atacado. A estrutura carcomida do sistema político brasileiro não entra em questão. Acreditar que o vereador ou o deputado que recebe propina é o grande agente da corrupção beira o ridículo. São apenas os varejistas, atores coadjuvantes do processo.
É a mesma lógica de atribuir o problema do narcotráfico ao “aviãozinho” da boca de fumo. O saldo e o mando do negócio milionário das drogas estão bem longe dali. O vereador corrupto é nada mais que o “aviãozinho” do sistema político. Obviamente não é nenhum coitado e merece ser enxotado da vida pública.
Mas a corrupção no atacado é o verdadeiro problema. Estamos falando da apropriação do Estado pelos interesses de uma elite patrimonialista. A captura dos recursos públicos está aí. A burguesia brasileira pede um Estado mínimo e enxuto para o povo, mas desde sempre teve para si um Estado máximo. Privatizar os lucros e socializar o prejuízo, esta é sua diretriz.
Hoje a principal demonstração dessa captura do Estado é o financiamento privado de campanhas eleitorais. É o genuíno berço da corrupção no Brasil.
O mecanismo é simples e vicioso: uma grande empresa, com interesses em algum filão do Estado, financia as campanhas eleitorais dos principais candidatos. O vencedor, por ter sido financiado e desejando novo financiamento dali a 4 anos, favorece os interesses da empresa. Esta, por sua vez, renova suas “doações” nas eleições seguintes. E assim caminha a vida política brasileira.
Os benefícios que a empresa financiadora pode ter são variados. Favorecimento em licitações, aportes complementares que viabilizem o superfaturamento de obras públicas, rolagem de dívidas milionárias com o Estado ou os bancos públicos, etc. Tem negócio para todos os gostos.
Não à toa que os principais “doadores” de campanha eleitoral no país são as empreiteiras, que também são o setor mais acionado para obras públicas.
Recentemente o UOL publicou um levantamento que mostra que dos 10 maiores financiadores privados de campanha, 7 estão sendo investigados por corrupção. E aí é no atacado: as cifras são de dezenas ou centenas de milhões, quando não de bilhões de reais.
Vamos dar nome aos bois. A Camargo Correia, líder no financiamento eleitoral em 2010, é investigada por desvios de R$29 milhões na Refinaria de Abreu e Lima. Nesta mesma obra, a Galvão Engenharia é investigada pela bagatela de R$70 milhões. A Andrade Gutierrez, vice-líder em 2010, é alvo do TCU por superfaturamento de R$ 86 milhões na Arena Amazônia, além de ser investigada pela participação no cartel fraudulento das licitações do metrô de São Paulo. A JBS Friboi, maior frigorífico do mundo, é objeto de inquérito por fraude em precatórios que pode chegar a R$3,5 bilhões.
O conluio entre grandes empresas, partidos e candidatos é o maior câncer da política brasileira. O legítimo pai da corrupção. No Congresso Nacional este jogo de interesses é escancarado. Dados do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) mostram que quase 50% dos deputados eleitos em 2010 compõem a chamada bancada empresarial.
É por isso que o Brasil precisa urgentemente de uma Reforma Política. Ficar no sofá ou nas redes sociais reclamando da corrupção pode até ter serventia psicológica para quem o faz, mas não tem qualquer conseqüência prática.
Defender uma Reforma Política ampla pautada no fim do financiamento privado das campanhas eleitorais, na revogabilidade dos mandatos e no fortalecimento dos mecanismos de participação popular é apenas dar coerência ao repúdio à corrupção e aos corruptos na política brasileira.
Na próxima semana, de 1 a 7 de setembro, será realizado em várias partes do país um Plebiscito Popular por uma Constituinte do sistema político, organizado por dezenas de entidades sociais. O objetivo é ampliar o debate popular entorno do tema da Reforma Política.
As soluções só podem vir de iniciativas populares. Afinal, não se pode esperar que o Congresso Nacional, verdadeiro balcão de negócios de interesses privados, faça ele próprio uma Reforma Política que liquide com seus privilégios patrimonialistas.
domingo, 31 de agosto de 2014
sábado, 30 de agosto de 2014
Assim como o corpo, cérebro também pode ser malhado para ter melhor desempenho
A ideia que vem sendo desenvolvida por precursores da neuróbica, espécie de aeróbica para o pensamento
por Lara Ely / ZH
Ver um jovem fazendo ginástica com o propósito de esculpir o corpo soa bastante familiar. Mas ainda estranhamos o fato de academias treinarem o cérebro para deixá-lo mais afiado. A ideia que vem sendo desenvolvida por precursores da neuróbica, espécie de aeróbica para o pensamento, defende que podemos formatar o nosso cérebro da maneira que queremos — e não se contentar com o que ganhamos da genética e do meio.
Veja como exercitar seu cérebro
Na prática, funciona assim: para tirar o cérebro da zona de conforto, é preciso acostumar-se a desacostumar-se. Ou seja: fazer coisas diferentes e de forma inusitada. Colocar o relógio no pulso contrário, escrever com a outra mão ou vestir-se de olhos fechados são atividades que demandam a ativação de outras áreas da mente. A sistematização dessas atividades chama-se neuróbica. Ao fazer isso, circuitos quase nunca ativados da rede associativa do cérebro são utilizados, aumentando a flexibilidade mental.
Ver um jovem fazendo ginástica com o propósito de esculpir o corpo soa bastante familiar. Mas ainda estranhamos o fato de academias treinarem o cérebro para deixá-lo mais afiado. A ideia que vem sendo desenvolvida por precursores da neuróbica, espécie de aeróbica para o pensamento, defende que podemos formatar o nosso cérebro da maneira que queremos — e não se contentar com o que ganhamos da genética e do meio.
Veja como exercitar seu cérebro
Na prática, funciona assim: para tirar o cérebro da zona de conforto, é preciso acostumar-se a desacostumar-se. Ou seja: fazer coisas diferentes e de forma inusitada. Colocar o relógio no pulso contrário, escrever com a outra mão ou vestir-se de olhos fechados são atividades que demandam a ativação de outras áreas da mente. A sistematização dessas atividades chama-se neuróbica. Ao fazer isso, circuitos quase nunca ativados da rede associativa do cérebro são utilizados, aumentando a flexibilidade mental.

Foto: Gonza Rodriguez / Agência RBS
Há muito já se tem conhecimento que alimentação sadia, sono regular, exercício físico e uso cognitivo (estímulo pela música, leitura ou matemática, por exemplo) são pilares para manter o cérebro ativo. O ponto é que, para cuidar bem, não basta mantê-lo ativo: é preciso desafiá-lo de maneira rotineira.
— Um erro clássico é que muitas pessoas não dormem direito, não comem bem, não fazem atividade física e ainda por cima "aposentam" o cérebro. Aí a pessoa vai ver o filme e estranha não lembrar o nome do ator — brinca a neurocientista Carla Tiepo.
Para tornar a massa cinzenta mais eficiente, Carla entende que a tecnologia ajuda, mas não substitui o estudo, o uso de objetos concretos e as relações presenciais. Isso porque as dinâmicas e interações são bons estímulos para as sinapses.
— Um erro clássico é que muitas pessoas não dormem direito, não comem bem, não fazem atividade física e ainda por cima "aposentam" o cérebro. Aí a pessoa vai ver o filme e estranha não lembrar o nome do ator — brinca a neurocientista Carla Tiepo.
Para tornar a massa cinzenta mais eficiente, Carla entende que a tecnologia ajuda, mas não substitui o estudo, o uso de objetos concretos e as relações presenciais. Isso porque as dinâmicas e interações são bons estímulos para as sinapses.
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
Como Gaza resistiu ao massacre
Reportagem pouco antes da trégua. Bombardeios, mortes e desabastecimento não abalaram dignidade de população instruída, criativa e acolhedora
Por Paul Mason, no The Guardian | Tradução: Inês Castilho
Palestinos e Israelenses anunciaram (26/8) uma trégua por tempo indefinido em Gaza. A decisão encerra os bombardeios mantidos durante cinquenta dias por Telaviv e está sendo celebrada intensamente pela população que deles foi vítima (veja foto). Como foi possível frear a ofensiva? Que consequências ela deixa? De que modo reconstruir um território vinte vezes menor que o município de São Paulo, onde estãocercadas, em condições desumanas, 1,8 milhões de pessoas?
Por Paul Mason, no The Guardian | Tradução: Inês Castilho
Palestinos e Israelenses anunciaram (26/8) uma trégua por tempo indefinido em Gaza. A decisão encerra os bombardeios mantidos durante cinquenta dias por Telaviv e está sendo celebrada intensamente pela população que deles foi vítima (veja foto). Como foi possível frear a ofensiva? Que consequências ela deixa? De que modo reconstruir um território vinte vezes menor que o município de São Paulo, onde estãocercadas, em condições desumanas, 1,8 milhões de pessoas?
Gaza comemora (em 26/8) fim dos ataques de Israel. Paul Mason escreve: “Para o mundo, esta sociedade tornou-se sinônimo de desespero e impossibilidade. Mas ninguém combinou isso com os moradores. Encontrei-os cheios de esperança.”
Tenho reportado de Gaza continuamente. Em meio à torrente de civis mortos e feridos que passam por mim, transportados em carrinhos de mão, as pessoas que gesticulam freneticamente na minha cara e as noites passadas em uma cidade às escuras, sob bombardeio, cheguei a uma conclusão que não esperava: Gaza “funciona”.
Quero dizer que, se lhe fossem dados os recursos, conexões com o mundo exterior e tempo, esta minúscula entidade política poderia funcionar normalmente. Com sua areia macia, céu e mar azuis, poderia até mesmo tornar-se um destino turístico. Já tem um grupo enorme de gente treinada e instruída – infelizmente, porém, a maioria dos seus especialistas são cirurgiões de trauma. Na situação atual, os hotéis ao longo da praia na Cidade de Gaza mantêm-se desertos. Seus garçons, envergonhados, lutam para fazer café numa chama de fogareiro. Os pescadores do porto avançam em canoas por uns vinte metros, talvez, enquanto as hostilidades continuam, e em barcos a motor a cem metros, durante os esporádicos cessar-fogos.
A vida cotidiana, mesmo para quem tem dinheiro e amigos no Ocidente, está se tornando impossível. Formam-se filas para água, e os postos de gasolina estão vazios. Igualmente inquietante para os jovens e as crianças urbanizadas, a internet é esporádica. Conheci duas mulheres, profissionais formadas: o andar de cima do seu bloco de apartamentos foi demolido por um foguete israelense. Agora, elas também estavam no mundo das filas, falta de higiene, falta de moradia. Ter dinheiro não as isenta disso. A moeda é o shekel, mas a maior preocupação é o ouro. Os palestinos mantêm sua riqueza em ouro e jóias. Cerca de 250 mil pessoas foram desalojadas e deslocadas para escolas lotadas e sujas. Dormir junto com os jumentos dos pobres não é mais chocante, para quem possui ouro, do que ficar à espera da explosão das granadas.
Gaza funciona por causa do povo de Gaza. Desde que o Hamas passou a governar, em 2007, o território vem sendo administrado por um grupo designado de terrorista, e sob a lei islâmica. Na impossibilidade de reconstruir o local após a invasão israelense de 2008-9, eles construíram túneis – ninguém sabe de que comprimento – onde o braço militar do Hamas, as Brigadas Qassam, vivem, armazenam seus foguetes e lutam. Os túneis são também usados para trazer os suprimentos essenciais que foram proibidos durante o cerco a Gaza, que já dura sete anos.
Por isso, durante a maior parte do dia parece, estranhamente, que o Hamas não existe. Nenhuma polícia do grupo está ali para manter a ordem; mulheres sem hijabsmovimentam-se livremente, assim como mulheres de véu; médicos que voltaram da Alemanha e do Canadá serram os ossos quebrados de jovens que vivem e podem morrer nesta pequena faixa de terra. E dois terços da população pula e brinca – pois são crianças.
Quando a guerra acabar, nada de bom acontecerá a Gaza – até que o cerco e o bloqueio do território tenham fim De fato, com 40% da área urbana inabitáveis devido à destruição, haverá uma crise humana maciça durante meses. Resolver essa crise não é trabalho apenas para ONGs. A forma como ela será enfrentada vai determinar se Gaza vai sobreviver. A Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), que abriu as portas de suas limpas escolas azul-e-branco a uma explosão caótica e suja de humanidade deslocada, diz que Gaza está “à beira do precipício”. O hospital em que estive há pouco tem 95 feridos a bala ou explosivos para tratar, e seis leitos de terapia intensiva.
A lógica diz que ou vem ajuda em escala sem precedentes para o interior do território, ou as pessoas vão para o exterior – não amanhã, mas à medida em que as semanas passem sem saneamento ou energia. Os palestinos temem que uma crise humanitária seja usada para expulsá-los permanentemente da terra, capturada pelos israelenses.
Estive em países muçulmanos onde há profundo conservadorismo, pouca educação e desconfiança do Ocidente. Este não é o caso. Encontro frequentemente pessoas com alto nível educacional, pessoas que falam inglês; pessoas alegres e amigáveis – o que é incrível, dado o horror trazido pela noite. O mundo não é tão povoado com pessoas educadas e cheias de recursos para que possa desperdiçar as vidas de 1,8 milhões de palestinos atrás das grades de ferro e paredes de concreto que delimitam Gaza. Perdi a conta de quantas vezes já conheci um cara jovem, de 18 ou 19 anos, orgulhoso de não ser um combatente, um militante ou um ingênuo artista de rua. Quando você pergunta qual é o seu trabalho, a resposta mais comum é “carpinteiro”. Trabalhar com madeira – não com metal ou computador – é o máximo que o bloqueio tem permitido, aqui, ao trabalhador manual qualificado.
Em face de tal desesperança, naturalmente muitos tornam-se resignados: “Viver é o mesmo que morrer” é uma frase que se ouve entre homens jovens. É o raciocínio perfeito para a organização militar niilista a que alguns decidem aderir. Mas seu oposto é a desenvoltura que reestrutura uma casa depois que sua frente foi arrancada; que senta num tapete fazendo pão numa panela quente depois de ter a casa reduzida a pó.
Há apenas duas rotas econômicas para a vida voltar a fluir em Gaza e, dada a amargura deste conflito, a rota de Israel não será a principal. O Egito detém a chave para a integração econômica de Gaza com a economia global. Abra-se a passagem de Rafah, e desaparece a necessidade dos túneis. Para o mundo, esta sociedade desamparada, empobrecida e totalmente violentada tornou-se sinônimo de desespero e impossibilidade. Mas ninguém combinou isso com os moradores de Gaza. Encontrei-os cheios de esperança.
Quero dizer que, se lhe fossem dados os recursos, conexões com o mundo exterior e tempo, esta minúscula entidade política poderia funcionar normalmente. Com sua areia macia, céu e mar azuis, poderia até mesmo tornar-se um destino turístico. Já tem um grupo enorme de gente treinada e instruída – infelizmente, porém, a maioria dos seus especialistas são cirurgiões de trauma. Na situação atual, os hotéis ao longo da praia na Cidade de Gaza mantêm-se desertos. Seus garçons, envergonhados, lutam para fazer café numa chama de fogareiro. Os pescadores do porto avançam em canoas por uns vinte metros, talvez, enquanto as hostilidades continuam, e em barcos a motor a cem metros, durante os esporádicos cessar-fogos.
A vida cotidiana, mesmo para quem tem dinheiro e amigos no Ocidente, está se tornando impossível. Formam-se filas para água, e os postos de gasolina estão vazios. Igualmente inquietante para os jovens e as crianças urbanizadas, a internet é esporádica. Conheci duas mulheres, profissionais formadas: o andar de cima do seu bloco de apartamentos foi demolido por um foguete israelense. Agora, elas também estavam no mundo das filas, falta de higiene, falta de moradia. Ter dinheiro não as isenta disso. A moeda é o shekel, mas a maior preocupação é o ouro. Os palestinos mantêm sua riqueza em ouro e jóias. Cerca de 250 mil pessoas foram desalojadas e deslocadas para escolas lotadas e sujas. Dormir junto com os jumentos dos pobres não é mais chocante, para quem possui ouro, do que ficar à espera da explosão das granadas.
Gaza funciona por causa do povo de Gaza. Desde que o Hamas passou a governar, em 2007, o território vem sendo administrado por um grupo designado de terrorista, e sob a lei islâmica. Na impossibilidade de reconstruir o local após a invasão israelense de 2008-9, eles construíram túneis – ninguém sabe de que comprimento – onde o braço militar do Hamas, as Brigadas Qassam, vivem, armazenam seus foguetes e lutam. Os túneis são também usados para trazer os suprimentos essenciais que foram proibidos durante o cerco a Gaza, que já dura sete anos.
Por isso, durante a maior parte do dia parece, estranhamente, que o Hamas não existe. Nenhuma polícia do grupo está ali para manter a ordem; mulheres sem hijabsmovimentam-se livremente, assim como mulheres de véu; médicos que voltaram da Alemanha e do Canadá serram os ossos quebrados de jovens que vivem e podem morrer nesta pequena faixa de terra. E dois terços da população pula e brinca – pois são crianças.
Quando a guerra acabar, nada de bom acontecerá a Gaza – até que o cerco e o bloqueio do território tenham fim De fato, com 40% da área urbana inabitáveis devido à destruição, haverá uma crise humana maciça durante meses. Resolver essa crise não é trabalho apenas para ONGs. A forma como ela será enfrentada vai determinar se Gaza vai sobreviver. A Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), que abriu as portas de suas limpas escolas azul-e-branco a uma explosão caótica e suja de humanidade deslocada, diz que Gaza está “à beira do precipício”. O hospital em que estive há pouco tem 95 feridos a bala ou explosivos para tratar, e seis leitos de terapia intensiva.
A lógica diz que ou vem ajuda em escala sem precedentes para o interior do território, ou as pessoas vão para o exterior – não amanhã, mas à medida em que as semanas passem sem saneamento ou energia. Os palestinos temem que uma crise humanitária seja usada para expulsá-los permanentemente da terra, capturada pelos israelenses.
Estive em países muçulmanos onde há profundo conservadorismo, pouca educação e desconfiança do Ocidente. Este não é o caso. Encontro frequentemente pessoas com alto nível educacional, pessoas que falam inglês; pessoas alegres e amigáveis – o que é incrível, dado o horror trazido pela noite. O mundo não é tão povoado com pessoas educadas e cheias de recursos para que possa desperdiçar as vidas de 1,8 milhões de palestinos atrás das grades de ferro e paredes de concreto que delimitam Gaza. Perdi a conta de quantas vezes já conheci um cara jovem, de 18 ou 19 anos, orgulhoso de não ser um combatente, um militante ou um ingênuo artista de rua. Quando você pergunta qual é o seu trabalho, a resposta mais comum é “carpinteiro”. Trabalhar com madeira – não com metal ou computador – é o máximo que o bloqueio tem permitido, aqui, ao trabalhador manual qualificado.
Em face de tal desesperança, naturalmente muitos tornam-se resignados: “Viver é o mesmo que morrer” é uma frase que se ouve entre homens jovens. É o raciocínio perfeito para a organização militar niilista a que alguns decidem aderir. Mas seu oposto é a desenvoltura que reestrutura uma casa depois que sua frente foi arrancada; que senta num tapete fazendo pão numa panela quente depois de ter a casa reduzida a pó.
Há apenas duas rotas econômicas para a vida voltar a fluir em Gaza e, dada a amargura deste conflito, a rota de Israel não será a principal. O Egito detém a chave para a integração econômica de Gaza com a economia global. Abra-se a passagem de Rafah, e desaparece a necessidade dos túneis. Para o mundo, esta sociedade desamparada, empobrecida e totalmente violentada tornou-se sinônimo de desespero e impossibilidade. Mas ninguém combinou isso com os moradores de Gaza. Encontrei-os cheios de esperança.
quinta-feira, 28 de agosto de 2014
Para transformar o lixo em energia
Tecnologias já existentes permitiriam converter resíduos orgânicos em biogás — preservando atmosfera, evitando expansão de aterros e reduzindo extração de combustíveis fósseis
Por Carlos Sanches
O lixo que produzimos diariamente, também chamado, de modo mais técnico, de “resíduos sólidos urbanos – RSU”, tem como destino final lixões a céu aberto (17,8%), aterros sanitários (58%) e aterros controlados (24,2%). A quantidade gerada, no Brasil, chega a aproximadamente 200.000 toneladas de lixo por dia, sendo a região Sudeste responsável por quase metade desse total. Os dados são da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) de 2012, ano da mais recente publicação sobre o tema.
Diante disso, fica no ar a pergunta: não poderia ao menos parte desse lixo, esteja ele no lixão ou no aterro, ser utilizado para gerar energia e, desta forma, reduzir o volume ocupado em seu local de origem? A resposta é sim. Antes de mais nada, vamos analisar a sua composição. O lixo é composto por uma série de materiais que podem ser separados em dois grupos: orgânicos e recicláveis (várias lixeiras públicas são rotuladas desse modo). Para simplificar, pense assim: os orgânicos são aqueles biológicos (“que têm vida”), ou seja, alimentos principalmente, e os recicláveis são aqueles não biológicos (“que não têm vida”), ou seja, recipientes em geral (latas, embalagens, sacos, garrafas, etc) e outros.
Os materiais recicláveis geralmente demoram muito tempo, de meses a anos, para sofrer decomposição e, portanto, liberar algum tipo de gás ou substância que possa ser aproveitada para gerar energia. Além disso, a melhor destinação de um material, antes de tornar-se resíduo, seria em primeiro lugar a sua reutilização, seguida, aí já como resíduo, da sua reciclagem (incluindo, quando for o caso, a compostagem – tipo de reciclagem do lixo para posterior utilização como adubo agrícola) – para, só então, participar do processo de geração de energia.
Já os materiais orgânicos são a parte do lixo que é decomposta por microorganismos, gerando produtos como gases e substâncias líquidas tóxicas que, em pouco tempo, podem contaminar o ar, o solo e os lençóis freáticos. Esses gases é que devem ser objeto de estudo.
A mistura de gases produzida pela parte orgânica do lixo é conhecida como biogás, cujo principal componente é o gás metano (CH4), que tem um efeito estufa 20 vezes mais intenso que o gás carbônico. Esse gás é o principal componente, também, do que chamamos de gás natural, que é utilizado em alguns veículos e em usinas termelétricas. Ou seja, ele pode ser queimado para gerar energia a partir de uma determinada fonte que, no caso em questão, pode ser o lixo que produzimos.
O ideal não é simplesmente queimá-lo para evitar o seu acúmulo e liberação para a atmosfera e sim utilizá-lo para gerar energia. Dessa forma, estaríamos contribuindo para gerar eletricidade, de modo sustentável, para populações que moram próximo aos locais de sua produção, ou seja, não precisaríamos extraí-lo de alguma reserva fóssil que o contenha e ainda estaríamos diminuindo o volume de lixo armazenado.
Nesse ponto, é importante colocar uma questão antiga que existe entre os especialistas da área: a produção de energia a partir do lixo não vai poluir o meio ambiente, como já fazem outras usinas? Essa discussão torna-se particularmente relevante se, com a produção de energia, houver a liberação de gases poluentes na atmosfera. Pode-se dizer que, hoje, esse problema está bem equacionado, pois esse tipo de usina utiliza filtros que evitam, ou pelo menos mitigam o lançamento desses gases para o meio externo.
Portanto, politicas públicas e parcerias público-privadas deveriam ser implementadas com mais ênfase no país para tornar esse modo de produção de energia viável, principalmente do ponto de vista econômico. Países europeus, Estados Unios e Japão estão muito mais avançados nessa área.
Esse tipo de produção de energia, desde que viável, com certeza ajudaria tanto em questões energéticas quanto na questão da destinação final dos resíduos sólidos urbanos, o lixo nosso de cada dia.
Por Carlos Sanches
O lixo que produzimos diariamente, também chamado, de modo mais técnico, de “resíduos sólidos urbanos – RSU”, tem como destino final lixões a céu aberto (17,8%), aterros sanitários (58%) e aterros controlados (24,2%). A quantidade gerada, no Brasil, chega a aproximadamente 200.000 toneladas de lixo por dia, sendo a região Sudeste responsável por quase metade desse total. Os dados são da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) de 2012, ano da mais recente publicação sobre o tema.
Diante disso, fica no ar a pergunta: não poderia ao menos parte desse lixo, esteja ele no lixão ou no aterro, ser utilizado para gerar energia e, desta forma, reduzir o volume ocupado em seu local de origem? A resposta é sim. Antes de mais nada, vamos analisar a sua composição. O lixo é composto por uma série de materiais que podem ser separados em dois grupos: orgânicos e recicláveis (várias lixeiras públicas são rotuladas desse modo). Para simplificar, pense assim: os orgânicos são aqueles biológicos (“que têm vida”), ou seja, alimentos principalmente, e os recicláveis são aqueles não biológicos (“que não têm vida”), ou seja, recipientes em geral (latas, embalagens, sacos, garrafas, etc) e outros.
Os materiais recicláveis geralmente demoram muito tempo, de meses a anos, para sofrer decomposição e, portanto, liberar algum tipo de gás ou substância que possa ser aproveitada para gerar energia. Além disso, a melhor destinação de um material, antes de tornar-se resíduo, seria em primeiro lugar a sua reutilização, seguida, aí já como resíduo, da sua reciclagem (incluindo, quando for o caso, a compostagem – tipo de reciclagem do lixo para posterior utilização como adubo agrícola) – para, só então, participar do processo de geração de energia.
Já os materiais orgânicos são a parte do lixo que é decomposta por microorganismos, gerando produtos como gases e substâncias líquidas tóxicas que, em pouco tempo, podem contaminar o ar, o solo e os lençóis freáticos. Esses gases é que devem ser objeto de estudo.
A mistura de gases produzida pela parte orgânica do lixo é conhecida como biogás, cujo principal componente é o gás metano (CH4), que tem um efeito estufa 20 vezes mais intenso que o gás carbônico. Esse gás é o principal componente, também, do que chamamos de gás natural, que é utilizado em alguns veículos e em usinas termelétricas. Ou seja, ele pode ser queimado para gerar energia a partir de uma determinada fonte que, no caso em questão, pode ser o lixo que produzimos.
O ideal não é simplesmente queimá-lo para evitar o seu acúmulo e liberação para a atmosfera e sim utilizá-lo para gerar energia. Dessa forma, estaríamos contribuindo para gerar eletricidade, de modo sustentável, para populações que moram próximo aos locais de sua produção, ou seja, não precisaríamos extraí-lo de alguma reserva fóssil que o contenha e ainda estaríamos diminuindo o volume de lixo armazenado.
Nesse ponto, é importante colocar uma questão antiga que existe entre os especialistas da área: a produção de energia a partir do lixo não vai poluir o meio ambiente, como já fazem outras usinas? Essa discussão torna-se particularmente relevante se, com a produção de energia, houver a liberação de gases poluentes na atmosfera. Pode-se dizer que, hoje, esse problema está bem equacionado, pois esse tipo de usina utiliza filtros que evitam, ou pelo menos mitigam o lançamento desses gases para o meio externo.
Portanto, politicas públicas e parcerias público-privadas deveriam ser implementadas com mais ênfase no país para tornar esse modo de produção de energia viável, principalmente do ponto de vista econômico. Países europeus, Estados Unios e Japão estão muito mais avançados nessa área.
Esse tipo de produção de energia, desde que viável, com certeza ajudaria tanto em questões energéticas quanto na questão da destinação final dos resíduos sólidos urbanos, o lixo nosso de cada dia.
quarta-feira, 27 de agosto de 2014
Os porquês do Realismo Mágico
Na América Latina, só a magia e a paixão sustentam a vida. As histórias são o encantamento de que precisamos para esconjurar a morte
Crônica de Nuno Ramos de Almeida / Outras Palavras | Imagem: Sebastião Salgado
Caminhávamos, José e eu, pelo Morro do Osso, em Porto Alegre. Ao longe via–se o Guaíba, esse rio com vários braços que parece vir dos confins das selvas. Os amigos chamavam-lhe Professor Pardal, o que muito o irritava. Mas o que se podia chamar a um habitante de uma favela que quase sem saber ler desenhava e montava circuitos integrados a partir do lixo? José equipava com as suas máquinas mágicas todas as rádios comunitárias da região. Reciclava os dejetos da cidade e transformava-os em objetos eletrônicos reluzentes. O seu sonho era dotar de voz hertziana todas as pessoas: “Ninguém deve ser espectador das suas notícias. No dia em que todos tenhamos palavras as coisas serão diferentes”, dizia-me “O nosso problema é sermos invisíveis. Só estamos presentes nas páginas de crimes dos jornais”, concluía, olhando para mim.
Há a ideia de que o realismo mágico latino americano é uma coisa adocicada, um artifício enganoso sobre a crua realidade das coisas. Nada de mais enganador. Na América Latina só a magia e a paixão sustentam a vida. As histórias são o encantamento de que precisamos para esconjurar a morte.
Quando lemos a descrição de García Márquez do massacre dos trabalhadores bananeiros ordenado pela United Fruit, sabemos que essas linhas fantásticas os resgatam do esquecimento e nos permitem escutar a respiração daqueles que caíram.
Não faltam anjos caídos por estas paragens. O escritor mexicano Paco Ignacio Taibo II convocou assim, num caderno, as centenas de estudantes massacrados na Praça das Três Culturas, na Cidade do México, em 1968: “Como se cozinhou a magia? Com o que se alimentava a fogueira? De onde saíram os 300 mil estudantes que chegaram a Zócalo no dia da manifestação do silêncio? [...] qual foi o destino de Lurdes? Quem estava por detrás da porta de prepa no dia do tiroteio? Como fabrica uma geração os seus mitos? Qual era o menu diário da cantina de Ciência Política? [...] Porque caiu Romeu por causa de uma minissaia? Onde deixaram os nossos mortos? Onde deixaram os nossos mortos? Em que sítio de merda deixaram os nossos mortos?”
Dizia Orson Welles, num conhecido monólogo do filme Terceiro Homem, que a Itália tinha tido guerras civis, massacres e inúmeros crimes, em compensação tinha produzido o Michelangelo, Leonardo da Vinci, Botticelli e outros nomes. A Suíça tinha tido cinco séculos de democracia e paz e tinha conseguido o relógio de cuco. “O problema da América Latina é estar muito perto dos Estados Unidos e muito longe de Deus”, como dizia o ditador Porfírio Diaz. É este excesso da matéria-prima de morte e paixão que cria a arte.
Tinha uma idade indeterminada, a cara estava escurecida pelo Sol. Encontrei-o às seis da manhã a cruzar San Vicente del Caguan. Perguntei aos guerrilheiros das FARC quem era o homem que marchava sozinho de megafone. “É a voz sonhada”, disse-me uma jovem guerrilheira. Todos os dias a voz percorria o povoado de alguns milhares de almas transmitindo as notícias do dia. Tínhamos feito quilómetros na selva com os combatentes das FARC. A pouca distância dali, as pessoas matavam–se numa guerra de pobres e de ricos começada há gerações: “a violência”, como lhe chamavam. Existências de mortos vivos com uma arma na mão. Nestas estradas de lama, um homem teimava em transmitir um pensamento pela palavra, convencido de que ela poderia abafar todo o ruído da metralha.
Crônica de Nuno Ramos de Almeida / Outras Palavras | Imagem: Sebastião Salgado
Caminhávamos, José e eu, pelo Morro do Osso, em Porto Alegre. Ao longe via–se o Guaíba, esse rio com vários braços que parece vir dos confins das selvas. Os amigos chamavam-lhe Professor Pardal, o que muito o irritava. Mas o que se podia chamar a um habitante de uma favela que quase sem saber ler desenhava e montava circuitos integrados a partir do lixo? José equipava com as suas máquinas mágicas todas as rádios comunitárias da região. Reciclava os dejetos da cidade e transformava-os em objetos eletrônicos reluzentes. O seu sonho era dotar de voz hertziana todas as pessoas: “Ninguém deve ser espectador das suas notícias. No dia em que todos tenhamos palavras as coisas serão diferentes”, dizia-me “O nosso problema é sermos invisíveis. Só estamos presentes nas páginas de crimes dos jornais”, concluía, olhando para mim.
Há a ideia de que o realismo mágico latino americano é uma coisa adocicada, um artifício enganoso sobre a crua realidade das coisas. Nada de mais enganador. Na América Latina só a magia e a paixão sustentam a vida. As histórias são o encantamento de que precisamos para esconjurar a morte.
Quando lemos a descrição de García Márquez do massacre dos trabalhadores bananeiros ordenado pela United Fruit, sabemos que essas linhas fantásticas os resgatam do esquecimento e nos permitem escutar a respiração daqueles que caíram.
Não faltam anjos caídos por estas paragens. O escritor mexicano Paco Ignacio Taibo II convocou assim, num caderno, as centenas de estudantes massacrados na Praça das Três Culturas, na Cidade do México, em 1968: “Como se cozinhou a magia? Com o que se alimentava a fogueira? De onde saíram os 300 mil estudantes que chegaram a Zócalo no dia da manifestação do silêncio? [...] qual foi o destino de Lurdes? Quem estava por detrás da porta de prepa no dia do tiroteio? Como fabrica uma geração os seus mitos? Qual era o menu diário da cantina de Ciência Política? [...] Porque caiu Romeu por causa de uma minissaia? Onde deixaram os nossos mortos? Onde deixaram os nossos mortos? Em que sítio de merda deixaram os nossos mortos?”
Dizia Orson Welles, num conhecido monólogo do filme Terceiro Homem, que a Itália tinha tido guerras civis, massacres e inúmeros crimes, em compensação tinha produzido o Michelangelo, Leonardo da Vinci, Botticelli e outros nomes. A Suíça tinha tido cinco séculos de democracia e paz e tinha conseguido o relógio de cuco. “O problema da América Latina é estar muito perto dos Estados Unidos e muito longe de Deus”, como dizia o ditador Porfírio Diaz. É este excesso da matéria-prima de morte e paixão que cria a arte.
Tinha uma idade indeterminada, a cara estava escurecida pelo Sol. Encontrei-o às seis da manhã a cruzar San Vicente del Caguan. Perguntei aos guerrilheiros das FARC quem era o homem que marchava sozinho de megafone. “É a voz sonhada”, disse-me uma jovem guerrilheira. Todos os dias a voz percorria o povoado de alguns milhares de almas transmitindo as notícias do dia. Tínhamos feito quilómetros na selva com os combatentes das FARC. A pouca distância dali, as pessoas matavam–se numa guerra de pobres e de ricos começada há gerações: “a violência”, como lhe chamavam. Existências de mortos vivos com uma arma na mão. Nestas estradas de lama, um homem teimava em transmitir um pensamento pela palavra, convencido de que ela poderia abafar todo o ruído da metralha.
terça-feira, 26 de agosto de 2014
Sesc Pompeia traça o panorama do design gráfico brasileiro em exposição
Por Catraca Livre
Com 140 peças dos séculos 19 e 20, o Sesc Pompeia apresenta a exposição “Túnel do Tempo do Design Gráfico no Brasil”, em cartaz entre 21 de agosto e 26 de outubro. A mostra, que tem curadoria do designer Chico Homem de Melo, traça um panorama histórico do design gráfico brasileiro e pode ser visitada de terças a sábados, das 9h às 21h, e aos domingos e feriados, das 9h às 19h. A entrada é Catraca Livre.
Nesse passeio, o público pode conferir de perto algumas “relíquias”, como a série de selos postais Olho de Boi, a edição nº 1 da revista Cruzeiro, o livro modernista Laranja da China, de António de Alcântara Machado, o cartaz da 1ª Bienal de São Paulo, a capa censurada do disco “Calabar”, de Chico Buarque, e muito mais.As obras são exibidas de forma cronológica, em um túnel de 25 metros de comprimento. De um lado, fica a vitrine com as peças originais e, de frente para ela, os cartazes em fac-símile.
Uma das curiosidades da mostra é um Decreto do Príncipe Regente, de 1808 (a peça mais antiga da exposição). Até este ano, era proibido imprimir qualquer coisa no Brasil.
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
As discretas invasões da burguesia
Clubes seletos. Bancos. Faculdades privadas. Associação de Magistrados. Em S.Paulo, organizações privadas surrupiam áreas públicas, mas mídia silencia e governador tolera
Por Guilherme Boulos
Não vamos falar aqui de Pedro Álvares Cabral, muito embora a origem das escrituras de imóveis privados sobre áreas públicas esteja nas capitanias hereditárias dos portugueses. Já faz muito tempo e ninguém mais se interessa pelo assunto.
O que gera furor é quando os sem-teto descamisados ocupam áreas ou edifícios ociosos para poderem ali morar. É um ataque ao direito e à lei. Onde já se viu, invadir o que é dos outros? Forma-se então uma “Santa Aliança” entre promotores, o Judiciário e políticos de plantão em defesa do Direito à Propriedade.
Pois bem, é preciso ser coerente. Invadiu, tem que “desinvadir”? Vamos lá. Apenas na cidade de São Paulo, as áreas públicas invadidas ou com concessão de uso irregular para a iniciativa privada representam mais de R$600 milhões de prejuízo anual para o poder público. A CPI das áreas públicas de 2001 mostrou que as 40 maiores invasões privadas representavam na época 731 mil m² de área.
E quem são os invasores?
Comecemos pelo setor de divertimentos. Os clubes Pinheiros, Ipê, Espéria, Paineiras do Morumby e Alto de Pinheiros estão total ou parcialmente em áreas públicas e com cessão de uso irregular. Invadiu, tem que “desinvadir”! Cadê a bomba de gás na piscina do Morumbi?
Ah sim, isso sem falar no Clube Círculo Militar de São Paulo e no Clube dos Oficiais da Polícia Militar. E aí, quem topa despejar?
E os shoppings então… Os shoppings Continental, Eldorado e Center Norte invadiram expressamente áreas públicas, especialmente em suas zonas de estacionamento. No caso do Center Norte, o abuso é gritante. A invasão foi legitimada pelo Judiciário, o que segundo o Relatório da CPI configurou uma “decisão inusitada, inédita e revestida de ilegalidades que prejudicam o Município”.
Ué, o Judiciário legitimou invasão?! Cadê o direito à propriedade? No caso, ainda mais grave, trata-se de propriedade pública.
Compreensível, na medida em que a Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis) está sediada numa área pública, com irregularidades na cessão de uso, no bairro nobre do Ibirapuera. E aí, não vai ter bala de borracha nos ilustríssimos juízes?
Querem mais? As agências do Bradesco na praça Panamericana e no Butantã invadiram áreas públicas em seus empreendimentos. O mercado Pão de Açucar, na mesma praça Panamericana, e o Extra da Avenida Jucelino Kubitschek fizeram o mesmo. Assim como as faculdades privadas Unisa e Unip Anchieta.
Por sua vez, o Itaú Seguros e a Colgate-Palmolive foram denunciados pela CPI de 2001 por concessão de uso irregular de áreas públicas.
Outro caso escandaloso é o da Casa de Cultura de Israel, ao lado do metrô Sumaré. Não satisfeitos em invadir o território palestino, os israelenses resolveram também tomar área pública em São Paulo. Tiveram concessão de uso de área pública e não cumpriram com termos e prazos.
E aí, Governador: Invadiu, tem que “desinvadir”! Cadê a tropa de choque para despejar essa turma toda?
E ao Judiciário paulista – tão rápido em conceder liminar de reintegração de posse contra as ocupações de sem-teto – pergunta-se: onde está o mandado contra os clubes, os shoppings e os bancos?
Neste momento, há mais de 25 ordens de despejo contra ocupações de sem-teto só no centro de São Paulo. Nas periferias são outras tantas. Várias foram cumpridas nas últimas semanas, normalmente com truculência policial, como a da Rua Aurora, quando o advogado Benedito Barbosa da Central de Movimentos Populares foi agredido e preso abusivamente.
Também neste momento mais de 8 mil famílias sem-teto, de ocupações da região do Isidoro, em Belo Horizonte, estão à beira de serem jogadas violentamente na rua. A PM mineira está preparando uma operação de guerra, que poder vir a ter conseqüências trágicas nos próximos dias.
E então? Querem defender o direito à propriedade acima do direito à vida? Defendam, mas sejam ao menos coerentes. Despejem primeiro os bancos, mercados, shoppings e clubes em áreas públicas para depois virem falar da legitimidade de despejar trabalhadores sem-teto.
Por Guilherme Boulos
Não vamos falar aqui de Pedro Álvares Cabral, muito embora a origem das escrituras de imóveis privados sobre áreas públicas esteja nas capitanias hereditárias dos portugueses. Já faz muito tempo e ninguém mais se interessa pelo assunto.
O que gera furor é quando os sem-teto descamisados ocupam áreas ou edifícios ociosos para poderem ali morar. É um ataque ao direito e à lei. Onde já se viu, invadir o que é dos outros? Forma-se então uma “Santa Aliança” entre promotores, o Judiciário e políticos de plantão em defesa do Direito à Propriedade.

Uma das seis magníficas piscinas do Clube Pinheiros, onde título de sócio custa cerca de R$ 100 mil.
Revista Época considerou-o “o melhor de S.Paulo”, mas omitiu que ocupa irregularmente área pública
“Invadiu, tem que ‘desinvadir’!”, disse certa vez o governador de São Paulo para delírio da elite paulista.
E quem são os invasores?
Comecemos pelo setor de divertimentos. Os clubes Pinheiros, Ipê, Espéria, Paineiras do Morumby e Alto de Pinheiros estão total ou parcialmente em áreas públicas e com cessão de uso irregular. Invadiu, tem que “desinvadir”! Cadê a bomba de gás na piscina do Morumbi?
Ah sim, isso sem falar no Clube Círculo Militar de São Paulo e no Clube dos Oficiais da Polícia Militar. E aí, quem topa despejar?
E os shoppings então… Os shoppings Continental, Eldorado e Center Norte invadiram expressamente áreas públicas, especialmente em suas zonas de estacionamento. No caso do Center Norte, o abuso é gritante. A invasão foi legitimada pelo Judiciário, o que segundo o Relatório da CPI configurou uma “decisão inusitada, inédita e revestida de ilegalidades que prejudicam o Município”.
Ué, o Judiciário legitimou invasão?! Cadê o direito à propriedade? No caso, ainda mais grave, trata-se de propriedade pública.
Compreensível, na medida em que a Associação Paulista dos Magistrados (Apamagis) está sediada numa área pública, com irregularidades na cessão de uso, no bairro nobre do Ibirapuera. E aí, não vai ter bala de borracha nos ilustríssimos juízes?
Querem mais? As agências do Bradesco na praça Panamericana e no Butantã invadiram áreas públicas em seus empreendimentos. O mercado Pão de Açucar, na mesma praça Panamericana, e o Extra da Avenida Jucelino Kubitschek fizeram o mesmo. Assim como as faculdades privadas Unisa e Unip Anchieta.
Por sua vez, o Itaú Seguros e a Colgate-Palmolive foram denunciados pela CPI de 2001 por concessão de uso irregular de áreas públicas.
Outro caso escandaloso é o da Casa de Cultura de Israel, ao lado do metrô Sumaré. Não satisfeitos em invadir o território palestino, os israelenses resolveram também tomar área pública em São Paulo. Tiveram concessão de uso de área pública e não cumpriram com termos e prazos.
E aí, Governador: Invadiu, tem que “desinvadir”! Cadê a tropa de choque para despejar essa turma toda?
E ao Judiciário paulista – tão rápido em conceder liminar de reintegração de posse contra as ocupações de sem-teto – pergunta-se: onde está o mandado contra os clubes, os shoppings e os bancos?
Neste momento, há mais de 25 ordens de despejo contra ocupações de sem-teto só no centro de São Paulo. Nas periferias são outras tantas. Várias foram cumpridas nas últimas semanas, normalmente com truculência policial, como a da Rua Aurora, quando o advogado Benedito Barbosa da Central de Movimentos Populares foi agredido e preso abusivamente.
Também neste momento mais de 8 mil famílias sem-teto, de ocupações da região do Isidoro, em Belo Horizonte, estão à beira de serem jogadas violentamente na rua. A PM mineira está preparando uma operação de guerra, que poder vir a ter conseqüências trágicas nos próximos dias.
E então? Querem defender o direito à propriedade acima do direito à vida? Defendam, mas sejam ao menos coerentes. Despejem primeiro os bancos, mercados, shoppings e clubes em áreas públicas para depois virem falar da legitimidade de despejar trabalhadores sem-teto.
domingo, 24 de agosto de 2014
Comer ou apenas nutrir-se? Eis a questão
Alimentar-se e cozinhar não podem ser apenas atos “saudáveis”. Envolvem autonomias, escolhas culturais, atitudes diante do outro e do mundo
Por Juliana Dias, editora do site Malagueta | Imagem: Pieter Brueguel, O Casamento do Camponês, 1567
A abordagem da alimentação na escola não deveria se limitar a cultivar hábitos saudáveis, numa visão que coloca o alimento como nutriente e a responsabilidade nos ombros do sujeito que come. A escola é o lugar das interações sociais, produtora de sentido (CARRANO, 2009) e instituição cultural (PÉREZ, 1999). Portanto, é necessário ampliar os olhares para o valor da Alimentação Escolar. Esta é uma poderosa ferramenta para matar a fome de conhecimento, renovando o entendimento sobre a relação com a comida, afim de engajar e transformar pessoas, comunidades e sociedades.

Desde 2009, a Lei de Alimentação Escolar (11.947) oficializa o olhar cultural sobre o comer e inclui a Educação Alimentar e Nutricional (EAN) no processo de ensino-aprendizagem, que deve perpassar o currículo escolar. Essa política pública estimula o respeito às tradições alimentares e à preferência alimentar local saudável; o desenvolvimento biopsicossocial; e amplia a presença de outros profissionais na escola, com proposta interdisciplinar e intersetorial. Também determina que ao menos 30% dos alimentos comprados para a refeição escolar venham da agricultura familiar local, preferencialmente produzidos de forma agroecológica ou orgânica.
A esta legislação soma-se uma nova Resolução (Nº26 de 17/06/2013) do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Ela permitirá à escola colocar a comida no centro do debate sobre os desafios contemporâneos. O alimento passa a ser considerado “ferramenta pedagógica” para as ações de Educação Alimentar Nutricional, que deve ser “transdisciplinar, intersetorial, multiprofissional, de prática contínua e permanente” (art. 13). Nesse sentido, justifica-se a ampliação do significado desse aprendizado alimentar, em busca de uma articulação mais integrada com os membros da comunidade escolar e a sociedade civil.
Outro ponto importante da Resolução é estimular a formação de pessoas envolvidas, direta ou indiretamente, com a alimentação na escola. Aqui, podemos considerar professores, inspetores, gestores, pais, entre outros. Dinamizar o currículo; promover metodologias inovadoras para o trabalho pedagógico; e estimular o desenvolvimento de tecnologias sociais, voltadas para o campo da Alimentação Escolar são algumas das recomendações. Falar de alimentação e escola, portanto, é olhar para o indivíduo e a sociedade.
O sociólogo francês Claude Fischler1 comentou que nos últimos anos tem se dedicado a pesquisas sobre alimentação no contexto escolar. Para ele, a sociedade depende da escola para a educação alimentar das crianças. Por isso, o tema está em alta nas pesquisas acadêmicas, em congressos científicos e debates com lideranças políticas internacionais, como a primeira-dama dos Estados Unidos Michelle Obama; e a chef norte-americana, Alice Waters, idealizadora do projeto Edible Schoolyard, que influenciou diretamente o posicionamento de Michele neste campo. Trata-se de um novo tema de investigação e debates, que no Brasil está sendo estudada em diversas áreas de conhecimento. Fischler aponta que, antes, não comer era um problema; agora, configura-se num desafio diário e ameaçador.
Comer e conhecer estão entrelaçados no processo educativo para a vida, e na construção da cidadania. As palavras sabor e saber vêm da mesma fonte etimológica:sapere. Sabedoria (Sapientia) quer dizer conhecimento saboroso; e o sábio (sapio) é aquele que saboreia. Aprender tem gosto. Deve ser saboroso e com prazer. Por isso, há de se reconhecer a existência das intenções culinárias na busca pelo sentido da Educação em Saúde.
Saber o que se come diz respeito à identidade cultural, autonomia e consciência crítica para deliberar sobre o que se coloca no prato e participar das tomadas de decisões sobre o rumo do sistema alimentar moderno. É o caso, por exemplo, do debate sobre os transgênicos, pautado por controvérsias que colocam em xeque as implicações e compromissos entre ciência e democracia. O Brasil é o segundo maior produtor de transgênicos, Soja, milho e algodão modificados geneticamente ocupam 40,7 milhões de hectares, segundo estudo da consultoria Céleres2. Já o diálogo com a sociedade, sobre a positividade ou negatividade de seu uso,avança lentamente.
Buscar sentido em comer, cozinhar e compartilhar as refeições se faz urgente num tempo em que o indivíduo se sobrepõe ao coletivo e as refeições em casa são compartimentadas e herméticas, assim como as pedagogias que segmentam o conhecimento. Faz sentido acessar a memória gustativa para refletir sobre a contemporaneidade; convocar os poetas, educadores, artistas e literatos para ampliar a visão e os significados sobre o ato de se alimentar.
Para prosseguir nessa empreitada, é preciso resgatar o sentido das palavras educar e crítica. Educar vem do latim educare, que originalmente significava criar, nutrir, amamentar, cuidar. Depois, passou a significar instruir, ensinar. Educare também tem o sentido de ex-ductere (educere) que significa conduzir para fora, lançar, “tirar de dentro”, parir, produzir. Tais significados parecem completar-se demonstrando, por um lado, que para educar seria necessário alimentar, nutrir. Aquele que está sendo educado nutre-se de conhecimentos. Por outro, indica que este processo deve partir de dentro, sendo necessário ter fome e demonstrá-la (GARCIA, 2001, p. 95 e 96).
A tão desejada consciência crítica, da qual espera-se incutir nos aprendizes, também tem relação com o comer. Crítica deriva do grego krinein, que quer dizer julgar, separar, distinguir. Ora, o degustador profissional de comida ou vinho exerce a crítica. Ele não come indiscriminadamente tudo que lhe chega à mesa. Apenas prova. E ao corpo caberá fazer o julgamento e dar sua sentença: é bom ou ruim. O sabor tem sempre a palavra final, sob esse aspecto (ALVES, 2011, p.61). Trazendo essa ideia para o aprendizado, as informações que chegam aos aprendizes devem, da mesma forma, ser degustadas, ao invés de incorporadas, sem julgamento ou crítica.
A partir dos significados de educação, saber e crítica é oportuno propor uma associação entre o comedor biológico e o comedor cultural, tal como o sociólogo Claude Fischler definiu o homem onívoro. Assim, educar é nutrir, aspecto fisiológico e vital para a sobrevivência humana. Da mesma maneira, as disciplinas são elementares para o conhecimento escolar. Saber é descobrir sabores, característica social, construída pelo convívio entre alunos, professores, amigos e família, tal qual o ambiente escolar proporciona. Trata-se de um conhecimento que não está apenas no conteúdo. É apreendido na experiência saborosa da sociabilidade e do aprendizado com o cotidiano. Portanto, educar, saber e exercer um olhar crítico para o mundo não podem ser dissociados. Essa ligação inerente pode ser aquecida pelo sabor do conhecimento, escolar, científico e popular, além do calor do fogão.
Cozinhar é um exercício de autonomia e consciência de si, do outro e do mundo. Em novo livro, Cozinhar: uma história natural da transformação (Editora Intrínseca), o jornalista e ativista alimentar Michael Pollan, que tem investigado o modo como os norte-americanos se alimentam, conclui que encontrou resposta para suas inquietações na cozinha. Ela começa em questões particulares: como cuidar da saúde e bem-estar, e melhorar o relacionamento com o filho adolescente. Mas avança para temas políticos: por exemplo, qual seria a orientação mais importante para ajudar a mudar o sistema alimentar de um país, tornando-o mais saudável e sustentável. Outras questões são de ordem filsolófica: como compreender a relação do homem com o mundo natural. Foi à beira do fogão que suas perguntas foram sendo cozidas. Em entrevistas concedidas durante sua passagem pelo Brasil, em agosto, Pollan destacou que em 30 minutos dá para preparar uma boa refeição – não é complicado, nem pesaroso. Mas tem que praticar. O autor eitera em seus comentários que as refeições é que devem se encaixar nas agendas e não o contrário. Defende a cultura como ferramenta para conscientização. Mandar todo mundo para cozinha não é utopia – mas é revolucionário…
Ao refletir sobre as relações entre educar/nutrir, saber/sabor e crítica/degustação, o pensamento de Paulo Freire é pertinentem ao considerar que não se deve separar o cognitivo do emocional no aprendizado:
“Estudamos, aprendemos, ensinamos e conhecemos (…) com o nosso corpo inteiro. Com os sentimentos, com as emoções, com os desejos, com os medos, com as dúvidas, com a paixão e com a razão crítica” (1998, p. 8).
Tendo em vista as demandas da Lei de Alimentação Escolar e uma reflexão a respeito da interseção entre alimentação e educação, busco apontar a sinergia entre esses dois campos. É vital estreitar e evidenciar os elos por meio da interdisciplinaridade, visando uma atitude transdisciplinar, considerar a memória, o afeto e os sentidos, seja no refeitório ou na sala de aula.
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Referências bibliográficas
____BRASIL. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Lei 11.947, de 16 de junho de 2009.
____BRASIL. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Resolução Nº26 de 17 de junho de 2013.
____BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas.
CARRANO, Paulo César Rodrigues. Identidades Culturais juvenis e escolas: arenas de conflitos e possibilidades. Diversia, Nº1, CIDPA Valparaíso, Abril 2009, pp. 159-184.
FISCHLER, Claude. El (h)omnívoro – El gusto, lacocina y elcuerpo. Editora Anagrama: Barcelona,1995.
FREIRE, Paulo. Professora sim, Tia não: Cartas a quem ousa ensinar. Editora Olho d’ água, São Paulo, 1998.
GARCIA, M. A. A. Saber, agir e educar: o ensino-aprendizagem em serviços de saúde. Rev. Interface – Comunicação, Saúde e Educação. v.5, n.8, p.89-100, 2001.
PÉREZ, G. A. La cultura escolar em la sociedad neoliberal. Madrid. Ed. Morata, 1999.
POLLAN, M. Cozinhar: uma história natural da transformação. Trad.: Cláudio Figueredo. Ed. Intrínseca: Rio de Janeiro, 2014.
–
1Comunicação oral durante o I Congresso Comer en la Escuela, realizado em Barcelona, na Espanha, em maio de 2012
2Matéria “Área com transgênicos no país deve crescer 25,8% nos próximos dez anos”, publicado em 31/01/2014, disponível em http://www.midianews.com.br/conteudo.php?sid=4&cid=187288.
sábado, 23 de agosto de 2014
Três passeios para conhecer Porto Alegre a pé
Centro Histórico da Capital é o destaque nos três roteiros
Por ZH
1. Free Walk Poa
Quer conhecer Porto Alegre de uma forma divertida? Todo sábado, às 11h, o Free Walk Poa oferece um passeio pelo Centro Histórico com tours em português, inglês e espanhol sobre histórias da Capital e fatos que marcaram gerações. A atividade é gratuita, e o encontro ocorre em frente ao Chalé da Praça XV. No final do passeio, as pessoas são convidadas a dar uma gorjeta no valor que acharem justo. A duração do roteiro é de, no máximo, duas horas. Mas preste a atenção: se chover, o tour é cancelado.
2. Viva o Centro a Pé
Será realizada no sábado mais uma edição do Viva o Centro a Pé. Com saída às 10h da Praça Montevidéu, o passeio terá como tema o Centro Histórico e passará por pontos como o Chalé da Praça XV e a antiga Livraria do Globo, sob orientação do arquiteto Lucas Volpatto e com audiodescrição de César Fraga. As inscrições gratuitas podem ser feitas pelo e-mail vivaocentroape@gmail.com . Em caso de chuva, o passeio será cancelado.
3. Caminho dos Antiquários
Com o objetivo de valorizar o trecho que liga a Praça Daltro Filho à Praça Marquesa de Sevigné, com partes nas ruas Marechal Floriano Peixoto, Demétrio Ribeiro, Coronel Genuíno e Fernando Machado, o projeto Caminho dos Antiquários é uma das atrações para quem gosta de visitar estabelecimentos que comercializam antiguidades. O espaço foi transformado em uma feira a céu aberto, que ocorre todos os sábados. A Rua Marechal Floriano, entre Fernando Machado e Demétrio Ribeiro, é fechada, e as lojas colocam seus produtos na rua. O passeio é agradável para quem curte, além de caminhar, comprar suvenires.
Por ZH

Chalé da Praça XV é o ponto de encontro para o Free Walk Poa Foto: Diego Vara / Agencia RBS
1. Free Walk Poa
Quer conhecer Porto Alegre de uma forma divertida? Todo sábado, às 11h, o Free Walk Poa oferece um passeio pelo Centro Histórico com tours em português, inglês e espanhol sobre histórias da Capital e fatos que marcaram gerações. A atividade é gratuita, e o encontro ocorre em frente ao Chalé da Praça XV. No final do passeio, as pessoas são convidadas a dar uma gorjeta no valor que acharem justo. A duração do roteiro é de, no máximo, duas horas. Mas preste a atenção: se chover, o tour é cancelado.
2. Viva o Centro a Pé
Será realizada no sábado mais uma edição do Viva o Centro a Pé. Com saída às 10h da Praça Montevidéu, o passeio terá como tema o Centro Histórico e passará por pontos como o Chalé da Praça XV e a antiga Livraria do Globo, sob orientação do arquiteto Lucas Volpatto e com audiodescrição de César Fraga. As inscrições gratuitas podem ser feitas pelo e-mail vivaocentroape@gmail.com . Em caso de chuva, o passeio será cancelado.
3. Caminho dos Antiquários
Com o objetivo de valorizar o trecho que liga a Praça Daltro Filho à Praça Marquesa de Sevigné, com partes nas ruas Marechal Floriano Peixoto, Demétrio Ribeiro, Coronel Genuíno e Fernando Machado, o projeto Caminho dos Antiquários é uma das atrações para quem gosta de visitar estabelecimentos que comercializam antiguidades. O espaço foi transformado em uma feira a céu aberto, que ocorre todos os sábados. A Rua Marechal Floriano, entre Fernando Machado e Demétrio Ribeiro, é fechada, e as lojas colocam seus produtos na rua. O passeio é agradável para quem curte, além de caminhar, comprar suvenires.
sexta-feira, 22 de agosto de 2014
Entidade que promoveu desafio do balde com gelo aguarda doações dos famosos
Campanha de apoio aos pacientes de doença rara mobiliza celebridades e desperta críticas de que a solidariedade deu lugar à autopromoção
Por Lara Ely / ZH
Nos últimos dias, a internet foi inundada por vídeos de celebridades mundiais despejando baldes e mais baldes de água e gelo sobre a própria cabeça. À medida que a iniciativa ganhava repercussão, a adesão de famosos e assemelhados — cada vez com menos roupa — avançava exponencialmente. Atletas, cantores, atrizes, modelos e apresentadores — ninguém quis perder a chance de surfar na onda.

No Brasil, jogadores de futebol e artistas, como Thiaguinho, gravaram o vídeo Foto: Reprodução / Instagram
A justificativa para o banho gelado era levantar fundos para os pacientes de uma enfermidade rara, a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), mas se falou mais nos artistas do que na doença. Nesta semana, quando os meios artístico, futebolístico e televisivo brasileiro embarcaram em peso na campanha (muitas vezes sem qualquer referência à doença nos vídeos), começou a haver também uma reação contrária, a de chutar o balde de gelo e questionar: afinal, a ideia é ser solidário ou se exibir?
Os adeptos da primeira hipótese lembram que os vídeos com figuras do quilate de Mark Zuckerberg, Bill Gates e Lady Gaga geraram doações de US$ 15 milhões em poucas semanas. Além disso, observam que nunca tanta atenção foi direcionada à ELA. Esse argumento é menos convincente no Brasil, onde famosos como Gisele Bündchen, Luciano Huck, o onipresente Neymar e uma série de mulheres esculpidas por cirurgiões plásticos exibiram-se sob baldes, mas propiciaram arrecadação de apenas R$ 300 na conta de uma entidade que auxilia os pacientes.
Os adeptos da primeira hipótese lembram que os vídeos com figuras do quilate de Mark Zuckerberg, Bill Gates e Lady Gaga geraram doações de US$ 15 milhões em poucas semanas. Além disso, observam que nunca tanta atenção foi direcionada à ELA. Esse argumento é menos convincente no Brasil, onde famosos como Gisele Bündchen, Luciano Huck, o onipresente Neymar e uma série de mulheres esculpidas por cirurgiões plásticos exibiram-se sob baldes, mas propiciaram arrecadação de apenas R$ 300 na conta de uma entidade que auxilia os pacientes.
ZH Explica: entenda o Ice Bucket Challenge: desafio que transforma banhos gelados em solidariedade
Quem analisa a febre dos baldes com um olhar mais duro diz que as aparições inusitadas de famosos joga luz sobre eles, mas coloca a causa que deveria ser defendida na sombra. O motivo para isso pode ter sido uma falha de estratégia, na avaliação do especialista em marketing digital Paulo Kendzerski, da WBI Brasil.
— Faltou vinculação a um conteúdo. O resultado é que a maioria das notícias está falando sobre os artistas e pouco sobre a doença — avalia.
Nem todos são comedidos na crítica. O jornalista André Forastieri preferiu publicar um texto que vai na jugular:
"Ver os vídeos dá desgosto com a espécie humana. É o máximo de narcisismo posando de desprendimento. Claro que tem gente que se molha e doa os cem dólares. (...) E claríssimo que é uma maneira dos famosos se promoverem e posarem de caridosos e preocupados com quem sofre. (...) Transformar desgraça alheia em diversão de internet é idiota e imoral."
Não é de hoje que a internet é usada para amplificar a imagem das celebridades. A pesquisadora em comunicação digital Adriana Amaral diz que o interesse pelas celebridades sempre moveu os usuários das redes, o que deixou as assessorias mais atentas para explorar o filão.
— Esse tipo de ação funciona mais pela ideia de proximidade com os famosos do que para esclarecimento sobre uma doença. Alguns famosos aderem mais para aparecer do que para ajudar — diz.
Diretora-executiva do Instituto Paulo Gontijo, promotor da ação, Silvia Tortorella contatou celebridades e suas assessorias, convidando a participar. Depois, a brincadeira fluiu por conta da provocação. Mesmo que a verba arrecadada não tenha sido satisfatória ela tem esperança:
— Foi bacana, mas está funcionando pouco. O dinheiro não entrou. Mas acho que demora para compensar, né? Ou as pessoas não tinham o número da conta.
Diagnóstico é banho de água fria no paciente
Assim como nos vídeos dos famosos, ser diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica é, para o paciente, uma espécie de "banho de água fria". Da mesma forma que o Alzheimer ou o Parkinson, a ELA é uma doença degenerativa do sistema nervoso que não apresenta cura e tem quadro irreversível. Felizmente, é uma enfermidade pouco comum: afeta 1,5 em cada 100 mil pessoas.
A degeneração dos neurônios motores no cérebro e na medula espinhal limitam os movimentos de pés, mãos e músculos usados para deglutir, falar e respirar. Em estágios mais avançados, pode até paralisar os olhos. Além disso, não há, atualmente, um tratamento capaz de retardar ou barrar completamente o avanço da doença. O que existem são medicamentos usados para controlar os sintomas da condição, oferecendo maior independência aos pacientes e prolongando a sobrevida.
— As informações sobre a ELA ainda são pouco disseminadas no Brasil. O desafio do balde é uma brincadeira que visa a conscientização e a colaboração da sociedade. Quanto maior a participação com doações, melhores as chances de tratamento dos pacientes — diz Silvia Tortorella, do Instituto Paulo Gontijo.
Tudo começa pelos sinais de fraqueza muscular, como quedas e perda brusca da força e da velocidade. Outros sintomas são tremores musculares, cãibras, reflexos exaltados, atrofia e diminuição da sensibilidade. A fala enrolada e lenta também é comum. Mas o diagnóstico é demorado: como a doença ainda é pouco conhecida por aqui, há muitos que morrem sem saber que têm a enfermidade.
Por isso, no Brasil, instituições como o Instituto Paulo Gontijo, Pró-Cura e Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (Abrela) foram criadas para promover campanhas e estudos sobre a doença. Mantidas por doações, as entidades atuam em parceria com entidades internacionais, como a ALS Association, que promoveu a ação nos Estados Unidos.
Quem analisa a febre dos baldes com um olhar mais duro diz que as aparições inusitadas de famosos joga luz sobre eles, mas coloca a causa que deveria ser defendida na sombra. O motivo para isso pode ter sido uma falha de estratégia, na avaliação do especialista em marketing digital Paulo Kendzerski, da WBI Brasil.
— Faltou vinculação a um conteúdo. O resultado é que a maioria das notícias está falando sobre os artistas e pouco sobre a doença — avalia.
Nem todos são comedidos na crítica. O jornalista André Forastieri preferiu publicar um texto que vai na jugular:
"Ver os vídeos dá desgosto com a espécie humana. É o máximo de narcisismo posando de desprendimento. Claro que tem gente que se molha e doa os cem dólares. (...) E claríssimo que é uma maneira dos famosos se promoverem e posarem de caridosos e preocupados com quem sofre. (...) Transformar desgraça alheia em diversão de internet é idiota e imoral."
Não é de hoje que a internet é usada para amplificar a imagem das celebridades. A pesquisadora em comunicação digital Adriana Amaral diz que o interesse pelas celebridades sempre moveu os usuários das redes, o que deixou as assessorias mais atentas para explorar o filão.
— Esse tipo de ação funciona mais pela ideia de proximidade com os famosos do que para esclarecimento sobre uma doença. Alguns famosos aderem mais para aparecer do que para ajudar — diz.
Diretora-executiva do Instituto Paulo Gontijo, promotor da ação, Silvia Tortorella contatou celebridades e suas assessorias, convidando a participar. Depois, a brincadeira fluiu por conta da provocação. Mesmo que a verba arrecadada não tenha sido satisfatória ela tem esperança:
— Foi bacana, mas está funcionando pouco. O dinheiro não entrou. Mas acho que demora para compensar, né? Ou as pessoas não tinham o número da conta.
Diagnóstico é banho de água fria no paciente
Assim como nos vídeos dos famosos, ser diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica é, para o paciente, uma espécie de "banho de água fria". Da mesma forma que o Alzheimer ou o Parkinson, a ELA é uma doença degenerativa do sistema nervoso que não apresenta cura e tem quadro irreversível. Felizmente, é uma enfermidade pouco comum: afeta 1,5 em cada 100 mil pessoas.
A degeneração dos neurônios motores no cérebro e na medula espinhal limitam os movimentos de pés, mãos e músculos usados para deglutir, falar e respirar. Em estágios mais avançados, pode até paralisar os olhos. Além disso, não há, atualmente, um tratamento capaz de retardar ou barrar completamente o avanço da doença. O que existem são medicamentos usados para controlar os sintomas da condição, oferecendo maior independência aos pacientes e prolongando a sobrevida.
— As informações sobre a ELA ainda são pouco disseminadas no Brasil. O desafio do balde é uma brincadeira que visa a conscientização e a colaboração da sociedade. Quanto maior a participação com doações, melhores as chances de tratamento dos pacientes — diz Silvia Tortorella, do Instituto Paulo Gontijo.
Tudo começa pelos sinais de fraqueza muscular, como quedas e perda brusca da força e da velocidade. Outros sintomas são tremores musculares, cãibras, reflexos exaltados, atrofia e diminuição da sensibilidade. A fala enrolada e lenta também é comum. Mas o diagnóstico é demorado: como a doença ainda é pouco conhecida por aqui, há muitos que morrem sem saber que têm a enfermidade.
Por isso, no Brasil, instituições como o Instituto Paulo Gontijo, Pró-Cura e Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (Abrela) foram criadas para promover campanhas e estudos sobre a doença. Mantidas por doações, as entidades atuam em parceria com entidades internacionais, como a ALS Association, que promoveu a ação nos Estados Unidos.
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
De Copenhague a São Paulo: o porquê das bicicletas
Também na capital da Dinamarca, ciclovias foram tratadas com ceticismo e ironia. Como resistência foi vencida? Por que cidade tornou-se exemplo mundial?
Por Cauê Seginemartin Ameni e Manuela Beloni
Enquanto a Europa planeja se integrar com mais de 70 mil km de ciclovia e outras cidades almejam se ver livre dos carros nos próximo anos, São Paulo começa a caminhar no mesmo rumo: a prefeitura deseja construir, nos próximos dois anos, 400 quilômetros de ciclovias. No entanto, mal a alternativa foi anunciada, alguns focos de indignação têm convertido essa solução num suposto problema. Quando não são especialistas criticando a novidade na mídia, a indignação precipitada surge entre os próprios moradores.
Semana passada foi a vez de um grupo moradores e comerciantes de Santa Cecília — um bairro no Centro da cidade – mostrarem-se contrários à implementação de ciclofaixas na região. Fizeram “protesto”… na delegacia de polícia! — onde registraram um boletim de ocorrência. Sem saber a natureza da queixa registraram: “preservação de direito”. Colocar os direitos individuais acima dos direitos coletivos, sobretudo quando se trata de um espaço público como a rua, suscitou a resposta pública de um grupo de moradores e ativistas da região. O Movimento Ciclofaixa na Santa Cecília, que já marcou umabicicletada para a próxima segunda (25/08), a fim apoiar a novidade e abrir o debate para os demais moradores da região.
O Conselho Comunitário de Segurança do bairro (CONSEG), que registrou a queixa, deveria concordar que o aumento da circulação de pessoas na região, aumentaria consequentemente a segurança dos moradores e comerciantes. O ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, comprovou isso quando incentivou o uso de bicicleta para melhorar a segurança pública. Para o economista, historiador e ex-governante, “segurança não é só assunto de polícia: tem a ver com urbanismo, mobilidade e cultura”. Segundo ele, uma cidade só é feita com gente na rua – e o incentivo ao uso da bicicleta contribui para isso. Bogotá conta hoje com 359 km de ciclovia.
O plano, as críticas e o que as pesquisas dizem
Com 11,6 km já entregues, o plano do prefeito Fernando Haddad para a maior capital da América do Sul vai na mesma linha. Para chegar à meta final, pretende-se implantar 10 km por semana. Ao final, terão ciclovias 2,3% do total de ruas e avenidas na cidade — se considerarmos que São Paulo tem 17,2 mil km de vias pavimentadas. Se levarmos em consideração estudo do engenheiro de transportes Horácio Figueira que concluiu que apenas 20% dos paulistanos locomove-se regularmente de carro — mas ocupam 80% das vias da cidade — o projeto faz um pouco de justiça na divisão do transito caótico da cidade.
Outras críticas correntes na mídia apoiam-se na opinião de um dos “especialistas” da imprensa, Sérgio Ejzenberg, comentarista de trânsito do jornal SPTV, da TV Globo. Segundo ele, em entrevista recente publicada no Estadão, as ciclovias ”estão criando uma demanda [de uso da bicicleta] que não existe” e não terão utilização em dias de frio e chuva.
As opiniões de Ejzenber, que já criticou às faixas exclusivas de ônibus, não resistem aos dados. Segundo pesquisa realizada em 2012 pela Rede Nossa São Paulo e Instituto Ibope, 65% das pessoas aceitaria deixar o carro em casa se outras opções, como transporte público e bicicleta, fossem viáveis. O índice sobe para 81% entre as pessoas com nível superior.
Os dados da pesquisa de Horácio Figueira também apontam que: “Quando medimos as viagens diárias feitas na cidade, percebemos que os carros são minoria: 38,42% dos deslocamentos são coletivos (transportes públicos), 30,78% individuais (carros e motos) e 30,80% não motorizados (a pé e de bicicleta)”.
A “copenhaguização” das grandes cidades
As experiências em outras grandes capitais com problemas de trânsito mostraram um histórico semelhante. Não se faz uma ciclovia a partir da demanda gerada por ciclistas, mas sim para convidar as pessoas a optarem por outros meios de transporte, que não o carro. Sabemos que cada cidade possui a sua peculiaridade, e deve buscar soluções específicas para seus problemas. Entretanto, alguns exemplos podem nos inspirar, ou no mínimo nos fazer entender que os processos de mudança não ocorrem com tanta rapidez.
O caso de Copenhague é um caso emblemático para ilustrar este processo. A partir da década de 1950, com a popularização do automóvel, a cidade passou a ter grandes congestionamentos. A intensa vida do centro da cidade, presente desde que Copenhague surgiu, no século 11, começava a dar lugar ao trânsito e lúgubres estacionamentos. Foi então que o jovem arquiteto Jan Gehl, recém-contratado pela prefeitura, resolveu arriscar uma solução: fechar as ruas para os carros. Os comerciantes e moradores de Copenhague não aceitaram a novidade. As manchetes dos jornais expressavam a revolta: “Nós não somos italianos”, dizia uma manchete, enquanto outra explicava, “Usar espaços públicos é contrário à mentalidade escandinava”.
Mas depois de alguns anos Gehl ganhou a disputa e o calçadão de pedestre, chamado de Strøget, logo tornou-se a maior atração turística da cidade. O comércio da região acabou lucrando mais, porque mais gente passou a caminhar em frente suas vitrines. E o arquiteto ganhou mais espaço na prefeitura e provou que, quanto mais rua era construída, mais trânsito aparecia. E que quanto mais ciclovia, mais gente pedalava. No todo, foram necessários 20 anos para que as pessoas trocassem o carro pela bicicleta. Hoje, Copenhague é a cidade europeia com menor congestionamento. Registra, em paralelo, o maior índice de descolamento feito com bicicleta (36%), embora o clima seja rigoroso.
Com o sucesso, Jan Gehl abriu uma consultoria cuja o lema é “primeiro vem a vida; depois, os espaços; depois, os prédios”. E passou a ser contratado por varias cidades como Londres, Nova York, Sidney, Melbourne, Barcelona, entre outras, não só para “copenhaguiizar” os problemas de trânsito, mas para valorizar e incentivar a permanência e a utilização do espaço público pelas pessoas e não pelos carros. Veja aqui, no projeto Cidades para Pessoas, da jornalista Natália Garcia, financiado pelo crowdfunding, a entrevista com Jan Gehl e a experiência com outras 12 cidades (Copenhague, Amsterdã, Londres, Paris, Friburgo, Estrasburgo, Lyon, Barcelona, São Francisco, Portland, Cidade do México e Nova Iorque).
A questão do trânsito melhorou nestas cidades, assim como a vida nos espaços públicos. Resta saber agora, se os cidadãos de São Paulo estão prontos para seguir as pedaladas dadas por essas metrópoles, ou continuarão estagnados no trânsito.
Por Cauê Seginemartin Ameni e Manuela Beloni
Enquanto a Europa planeja se integrar com mais de 70 mil km de ciclovia e outras cidades almejam se ver livre dos carros nos próximo anos, São Paulo começa a caminhar no mesmo rumo: a prefeitura deseja construir, nos próximos dois anos, 400 quilômetros de ciclovias. No entanto, mal a alternativa foi anunciada, alguns focos de indignação têm convertido essa solução num suposto problema. Quando não são especialistas criticando a novidade na mídia, a indignação precipitada surge entre os próprios moradores.
Semana passada foi a vez de um grupo moradores e comerciantes de Santa Cecília — um bairro no Centro da cidade – mostrarem-se contrários à implementação de ciclofaixas na região. Fizeram “protesto”… na delegacia de polícia! — onde registraram um boletim de ocorrência. Sem saber a natureza da queixa registraram: “preservação de direito”. Colocar os direitos individuais acima dos direitos coletivos, sobretudo quando se trata de um espaço público como a rua, suscitou a resposta pública de um grupo de moradores e ativistas da região. O Movimento Ciclofaixa na Santa Cecília, que já marcou umabicicletada para a próxima segunda (25/08), a fim apoiar a novidade e abrir o debate para os demais moradores da região.
O Conselho Comunitário de Segurança do bairro (CONSEG), que registrou a queixa, deveria concordar que o aumento da circulação de pessoas na região, aumentaria consequentemente a segurança dos moradores e comerciantes. O ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa, comprovou isso quando incentivou o uso de bicicleta para melhorar a segurança pública. Para o economista, historiador e ex-governante, “segurança não é só assunto de polícia: tem a ver com urbanismo, mobilidade e cultura”. Segundo ele, uma cidade só é feita com gente na rua – e o incentivo ao uso da bicicleta contribui para isso. Bogotá conta hoje com 359 km de ciclovia.
O plano, as críticas e o que as pesquisas dizem
Com 11,6 km já entregues, o plano do prefeito Fernando Haddad para a maior capital da América do Sul vai na mesma linha. Para chegar à meta final, pretende-se implantar 10 km por semana. Ao final, terão ciclovias 2,3% do total de ruas e avenidas na cidade — se considerarmos que São Paulo tem 17,2 mil km de vias pavimentadas. Se levarmos em consideração estudo do engenheiro de transportes Horácio Figueira que concluiu que apenas 20% dos paulistanos locomove-se regularmente de carro — mas ocupam 80% das vias da cidade — o projeto faz um pouco de justiça na divisão do transito caótico da cidade.
Outras críticas correntes na mídia apoiam-se na opinião de um dos “especialistas” da imprensa, Sérgio Ejzenberg, comentarista de trânsito do jornal SPTV, da TV Globo. Segundo ele, em entrevista recente publicada no Estadão, as ciclovias ”estão criando uma demanda [de uso da bicicleta] que não existe” e não terão utilização em dias de frio e chuva.
As opiniões de Ejzenber, que já criticou às faixas exclusivas de ônibus, não resistem aos dados. Segundo pesquisa realizada em 2012 pela Rede Nossa São Paulo e Instituto Ibope, 65% das pessoas aceitaria deixar o carro em casa se outras opções, como transporte público e bicicleta, fossem viáveis. O índice sobe para 81% entre as pessoas com nível superior.
Os dados da pesquisa de Horácio Figueira também apontam que: “Quando medimos as viagens diárias feitas na cidade, percebemos que os carros são minoria: 38,42% dos deslocamentos são coletivos (transportes públicos), 30,78% individuais (carros e motos) e 30,80% não motorizados (a pé e de bicicleta)”.
A “copenhaguização” das grandes cidades
As experiências em outras grandes capitais com problemas de trânsito mostraram um histórico semelhante. Não se faz uma ciclovia a partir da demanda gerada por ciclistas, mas sim para convidar as pessoas a optarem por outros meios de transporte, que não o carro. Sabemos que cada cidade possui a sua peculiaridade, e deve buscar soluções específicas para seus problemas. Entretanto, alguns exemplos podem nos inspirar, ou no mínimo nos fazer entender que os processos de mudança não ocorrem com tanta rapidez.
O caso de Copenhague é um caso emblemático para ilustrar este processo. A partir da década de 1950, com a popularização do automóvel, a cidade passou a ter grandes congestionamentos. A intensa vida do centro da cidade, presente desde que Copenhague surgiu, no século 11, começava a dar lugar ao trânsito e lúgubres estacionamentos. Foi então que o jovem arquiteto Jan Gehl, recém-contratado pela prefeitura, resolveu arriscar uma solução: fechar as ruas para os carros. Os comerciantes e moradores de Copenhague não aceitaram a novidade. As manchetes dos jornais expressavam a revolta: “Nós não somos italianos”, dizia uma manchete, enquanto outra explicava, “Usar espaços públicos é contrário à mentalidade escandinava”.
Mas depois de alguns anos Gehl ganhou a disputa e o calçadão de pedestre, chamado de Strøget, logo tornou-se a maior atração turística da cidade. O comércio da região acabou lucrando mais, porque mais gente passou a caminhar em frente suas vitrines. E o arquiteto ganhou mais espaço na prefeitura e provou que, quanto mais rua era construída, mais trânsito aparecia. E que quanto mais ciclovia, mais gente pedalava. No todo, foram necessários 20 anos para que as pessoas trocassem o carro pela bicicleta. Hoje, Copenhague é a cidade europeia com menor congestionamento. Registra, em paralelo, o maior índice de descolamento feito com bicicleta (36%), embora o clima seja rigoroso.
Com o sucesso, Jan Gehl abriu uma consultoria cuja o lema é “primeiro vem a vida; depois, os espaços; depois, os prédios”. E passou a ser contratado por varias cidades como Londres, Nova York, Sidney, Melbourne, Barcelona, entre outras, não só para “copenhaguiizar” os problemas de trânsito, mas para valorizar e incentivar a permanência e a utilização do espaço público pelas pessoas e não pelos carros. Veja aqui, no projeto Cidades para Pessoas, da jornalista Natália Garcia, financiado pelo crowdfunding, a entrevista com Jan Gehl e a experiência com outras 12 cidades (Copenhague, Amsterdã, Londres, Paris, Friburgo, Estrasburgo, Lyon, Barcelona, São Francisco, Portland, Cidade do México e Nova Iorque).
A questão do trânsito melhorou nestas cidades, assim como a vida nos espaços públicos. Resta saber agora, se os cidadãos de São Paulo estão prontos para seguir as pedaladas dadas por essas metrópoles, ou continuarão estagnados no trânsito.
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
Festival do Japão tem 3ª edição

Neste final de semana, Porto Alegre ficou mais perto do Oriente, em virtude do 3º Festival do Japão
Crédito: Mateus Bruxel/Agencia RBS

O evento reuniu curiosos e fãs da cultura japonesa na Academia de Polícia, zona sul de Porto Alegre
Crédito: Mateus Bruxel/Agencia RBS

O festival celebra o Dia do Imigrante Japonês, comemorado no dia 18 de agosto
Crédito: Mateus Bruxel/Agencia RBS

Neste ano, o destaque ficou por conta da gastronomia, voltada à apreciação da cozinha tradicional japonesa
Crédito: Mateus Bruxel/Agencia RBS

Apresentações e oficinas, como a de culinária japonesa, compuseram a programação do evento
Crédito: Mateus Bruxel/Agencia RBS

A arte da dobradura de papel também foi trabalhada em oficina durante o Festival do Japão
Crédito: Mateus Bruxel/Agencia RBS

Na linha das artes marciais, a prática do sumô, tradicional esporte japonês, também compôs a programação do festival - Crédito: Mateus Bruxel/Agencia RBS

Outra atração do festival foi o 7º Anime Buzz composto por fãs de mangás e animes
Crédito: Mateus Bruxel/Agencia RBS

Dentro das atividades do Anime Buzz estava o concurso de cosplays que escolheu as melhores fantasias inspiradas em personagens de desenhos e quadrinhos japoneses - Crédito: Mateus Bruxel/Agencia RBS

Para quem não quis se caracterizar como um cosplay, kimonos femininos foram uma das alternativas para entrar no clima da cultura oriental - Crédito: Mateus Bruxel/Agencia RBS

O evento foi organizado pela Associação de Cultura Japonesa de Porto Alegre
Crédito: Mateus Bruxel/Agencia RBS

Além da entidade, o 3º Festival do Japão foi realizado pela Associação de Assistência Nipo-Brasileira do Sul, Câmara do Comércio e Indústria Japonesa do Rio Grande do Sul, Associação das Senhoras de Porto Alegre e Seinenkai de Porto Alegre - Crédito: Mateus Bruxel/Agencia RBS
terça-feira, 19 de agosto de 2014
8 informações jurídicas que você deve saber sobre o aplicativo Secret
Baixar ou acessar o app não se caracteriza como um ato ilícito, mas a irresponsabilidade está na criação ou divulgação de conteúdo ofensivo
Por Cleylton Mendes Passos
Advogado, especialista em Direito Empresarial e sócio no escritório Mendes Advocacia
O polêmico aplicativo Secret foi lançado recentemente, segundo seus autores, com a finalidade de que os usuários pudessem “desabafar” seus segredos e opiniões de forma anônima na rede.
Porém, o que de fato está acontecendo é que o aplicativo virou a mais nova e perigosa ferramenta de cyberbullyng da atualidade. Como o aplicativo sugere anonimato ao usuário que postar conteúdos, vários usuários utilizam-no para denegrir a reputação de desafetos sem serem identificados. Além de palavras, também é possível postar imagens nessa obscura rede social.
É claro que com esta polêmica, não se pode ignorar as repercussões jurídicas que implicam ter ou compartilhar o conteúdo do Secret. Entenda quais são elas:
1 - Compartilhar o conteúdo pode gerar danos morais
Como as postagens são “anônimas” o usuário que as compartilha é quem terá a responsabilidade de indenizar caso a publicação replicada seja ofensiva. A alegação de que “não fui eu quem escreveu, apenas compartilhei” não exclui a responsabilidade de quem divulga o conteúdo ilícito. As indenizações podem ser altas e seus valores levam em consideração elementos como o potencial da ofensa, a estimativa de sua repercussão da postagem, o caráter pedagógico ao ofensor. Ações desta natureza em Juizados Especiais podem chegar até R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e na Justiça Comum não há limitação de valores.
2 - Compartilhar o conteúdo também pode ser crime
A postagem compartilhada também pode configurar várias espécies de crime, tais como calúnia, injúria ou difamação. Lembrando que essas responsabilidades (civil e a criminal) podem se acumular. Ou seja, o usuário pode, além de pagar altas indenizações, também ter que pagar com a própria liberdade pela sua irresponsabilidade.
3 - Você pode ser descoberto
Sim, este aplicativo não é tão secreto quanto você possa estar achando. Poucos usuários tem o cuidado de ler os Termos dos Serviço do Secret (clique aqui), mas lá está escrito, entre outras coisas que:
a) A empresa possui todos os seus dados; b) Você é o responsável pelo que postar; c) Se houver qualquer requerimento judicial, eles (Secret) entregarão imediatamente seus dados para a Justiça.
Ademais, as postagens sempre dão preciosas dicas sobre quem está postando no próprio aplicativo. Nele é possível você saber se o conteúdo foi elaborado por um amigo, a que distância essa pessoa está de você e etc. Tomem cuidado.
4 - Não identificou o ofensor? Responsabilize o Google ou a Apple
O Aplicativo é disponibilizado nas plataformas de smartphone pela Play Store (do Google) ou App Store (da Apple). Aqui vale a máxima jurídica de “quem dá comodidade, arca com responsabilidades” – sendo assim, em eventual ação indenizatória, essas empresas é que devem ser indicadas. Essas empresas respondem, em especial, por terem proveito econômico de todos os aplicativos que compõem suas lojas virtuais e serem deles o poder de decisão na liberação do download de programas que se adequem ou firam suas políticas.
Os desenvolvedores do Secret (Secret Inc.) não possuem qualquer representação legal no Brasil. O endereço da sede da empresa está estabelecida em 660 Mission Street, Floor, 3 San Francisco, Califórnia 94105, USA.
5 - O que fazer se fui ofendido ou difamado no Secret?
Se de alguma forma você foi ofendido nessa rede social, os passos que indico são:
A) Print da tela com o conteúdo ofensivo;
B) No próprio conteúdo, é possível deslizar o dedo da direita para esquerda e selecionar a opção denunciar – faça também o print como registro desta etapa
C) Reforce o pedido de remoção do conteúdo enviando email para: legal@secret.ly / Se não souber redigir em inglês, recomendo a utilização das ferramentas de tradução
D) Ata notarial e/ou boletim de ocorrência para documentar e autenticar o fato. A Ata notarial pode ser elaborada num cartório de notas e tem profundo valor legal de autenticidade de que o conteúdo ofensivo realmente existiu; e) Procure um advogado de confiança para as providências judiciais cabíveis.
6 - O Secret e o Judiciário
É claro que com toda essa polêmica as ações judiciais seriam inevitáveis. Não é possível estimar a quantidade de ações e suas naturezas, mas alguns já foram amplamente divulgados na imprensa nacional.
Na última semana o Ministério Público do Estado do Espírito Santo ingressou com uma ação Civil Pública para suspensão dos serviços do aplicativo no Brasil. A ação tramita na 12a Vara Cível de Vitória.
Em São Paulo o empresário Bruno Freitas Machado teve fotos divulgadas na rede sem sua autorização, com legendas falsas afirmando possuir HIV e dando conta de seu endereço de trabalho. Ele ingressou com ação judicial e obteve liminar para que fossem divulgados os dados de quem postou o conteúdo.
7 - Tenho o aplicativo no meu celular, devo excluir?
O mero fato de baixar, possuir ou acessar o Secret não caracteriza um ilícito. A irresponsabilidade está, como dissemos, na criação ou divulgação de conteúdo ofensivo.
8 - Tenha bom senso
Nossa recomendação é, seja no Secret ou em qualquer outra rede social da qual se faz uso, tenha sempre em mente o bom senso.
Lembre-se que todos os direitos são relativos, isso significa dizer que o seu direito de se expressar encontra limitação ao direito que as pessoas possuem a privacidade, honra e imagem.
Por Cleylton Mendes Passos
Advogado, especialista em Direito Empresarial e sócio no escritório Mendes Advocacia
O polêmico aplicativo Secret foi lançado recentemente, segundo seus autores, com a finalidade de que os usuários pudessem “desabafar” seus segredos e opiniões de forma anônima na rede.
Porém, o que de fato está acontecendo é que o aplicativo virou a mais nova e perigosa ferramenta de cyberbullyng da atualidade. Como o aplicativo sugere anonimato ao usuário que postar conteúdos, vários usuários utilizam-no para denegrir a reputação de desafetos sem serem identificados. Além de palavras, também é possível postar imagens nessa obscura rede social.

É claro que com esta polêmica, não se pode ignorar as repercussões jurídicas que implicam ter ou compartilhar o conteúdo do Secret. Entenda quais são elas:
1 - Compartilhar o conteúdo pode gerar danos morais
Como as postagens são “anônimas” o usuário que as compartilha é quem terá a responsabilidade de indenizar caso a publicação replicada seja ofensiva. A alegação de que “não fui eu quem escreveu, apenas compartilhei” não exclui a responsabilidade de quem divulga o conteúdo ilícito. As indenizações podem ser altas e seus valores levam em consideração elementos como o potencial da ofensa, a estimativa de sua repercussão da postagem, o caráter pedagógico ao ofensor. Ações desta natureza em Juizados Especiais podem chegar até R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e na Justiça Comum não há limitação de valores.
2 - Compartilhar o conteúdo também pode ser crime
A postagem compartilhada também pode configurar várias espécies de crime, tais como calúnia, injúria ou difamação. Lembrando que essas responsabilidades (civil e a criminal) podem se acumular. Ou seja, o usuário pode, além de pagar altas indenizações, também ter que pagar com a própria liberdade pela sua irresponsabilidade.
3 - Você pode ser descoberto
Sim, este aplicativo não é tão secreto quanto você possa estar achando. Poucos usuários tem o cuidado de ler os Termos dos Serviço do Secret (clique aqui), mas lá está escrito, entre outras coisas que:
a) A empresa possui todos os seus dados; b) Você é o responsável pelo que postar; c) Se houver qualquer requerimento judicial, eles (Secret) entregarão imediatamente seus dados para a Justiça.
Ademais, as postagens sempre dão preciosas dicas sobre quem está postando no próprio aplicativo. Nele é possível você saber se o conteúdo foi elaborado por um amigo, a que distância essa pessoa está de você e etc. Tomem cuidado.
4 - Não identificou o ofensor? Responsabilize o Google ou a Apple
O Aplicativo é disponibilizado nas plataformas de smartphone pela Play Store (do Google) ou App Store (da Apple). Aqui vale a máxima jurídica de “quem dá comodidade, arca com responsabilidades” – sendo assim, em eventual ação indenizatória, essas empresas é que devem ser indicadas. Essas empresas respondem, em especial, por terem proveito econômico de todos os aplicativos que compõem suas lojas virtuais e serem deles o poder de decisão na liberação do download de programas que se adequem ou firam suas políticas.
Os desenvolvedores do Secret (Secret Inc.) não possuem qualquer representação legal no Brasil. O endereço da sede da empresa está estabelecida em 660 Mission Street, Floor, 3 San Francisco, Califórnia 94105, USA.
5 - O que fazer se fui ofendido ou difamado no Secret?
Se de alguma forma você foi ofendido nessa rede social, os passos que indico são:
A) Print da tela com o conteúdo ofensivo;
B) No próprio conteúdo, é possível deslizar o dedo da direita para esquerda e selecionar a opção denunciar – faça também o print como registro desta etapa
C) Reforce o pedido de remoção do conteúdo enviando email para: legal@secret.ly / Se não souber redigir em inglês, recomendo a utilização das ferramentas de tradução
D) Ata notarial e/ou boletim de ocorrência para documentar e autenticar o fato. A Ata notarial pode ser elaborada num cartório de notas e tem profundo valor legal de autenticidade de que o conteúdo ofensivo realmente existiu; e) Procure um advogado de confiança para as providências judiciais cabíveis.
6 - O Secret e o Judiciário
É claro que com toda essa polêmica as ações judiciais seriam inevitáveis. Não é possível estimar a quantidade de ações e suas naturezas, mas alguns já foram amplamente divulgados na imprensa nacional.
Na última semana o Ministério Público do Estado do Espírito Santo ingressou com uma ação Civil Pública para suspensão dos serviços do aplicativo no Brasil. A ação tramita na 12a Vara Cível de Vitória.
Em São Paulo o empresário Bruno Freitas Machado teve fotos divulgadas na rede sem sua autorização, com legendas falsas afirmando possuir HIV e dando conta de seu endereço de trabalho. Ele ingressou com ação judicial e obteve liminar para que fossem divulgados os dados de quem postou o conteúdo.
7 - Tenho o aplicativo no meu celular, devo excluir?
O mero fato de baixar, possuir ou acessar o Secret não caracteriza um ilícito. A irresponsabilidade está, como dissemos, na criação ou divulgação de conteúdo ofensivo.
8 - Tenha bom senso
Nossa recomendação é, seja no Secret ou em qualquer outra rede social da qual se faz uso, tenha sempre em mente o bom senso.
Lembre-se que todos os direitos são relativos, isso significa dizer que o seu direito de se expressar encontra limitação ao direito que as pessoas possuem a privacidade, honra e imagem.
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