sábado, 31 de maio de 2014

Amor na palma da mão

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Namoro virtual: especialista aponta que smartphones e internet estão consolidados como alternativa social, mas ressalta cuidados.

Luiz Fernando Toledo - O Estado de S. Paulo


O rapaz era bonito, papo fluía, uma bela voz. Conversa foi, histórias se entrelaçaram e a estudante de Sorocaba Flávia Alves, 21 anos, viu-se “amarrada” a um jovem que conheceu pelo Facebook. Chamava-se Renan e morava no Rio de Janeiro. Trocaram contatos no Skype e mantiveram o diálogo por um mês. A paixão seria certeira, não fosse um pequeno detalhe: o galanteador virtual nunca aceitava conversar pela webcam. O mistério aguçou o interesse da jovem, mas também a desconfiança. Foi descobrir mais tarde que o rapaz era, na verdade, mulher. Um baque para Flávia, que marcava até viagem para encontrá-lo.

A “armadilha” foi bem planejada. “Renan” imitava voz de homem e sempre mantinha uma desculpa para não aparecer. “O cara me enrolou, até que resolveu ligar a câmera. Para minha surpresa, na verdade ele era ela. Fui sacaneada legal, foi um baque, mas hoje dou risada. Me divertir com a situação foi o que me restou”, contou Flávia.




Escorregou também no encanto das redes sociais a cantora A. C., de 24 anos. Aproximou-se virtualmente de um sujeito que usava como imagem do perfil a foto do cantor Tom Rezende. "Ele ainda era desconhecido na época, eu não fazia ideia", conta. Cautelosa, não marcou nenhum encontro antes de conhecer o homem das fotos.

Dali a três meses, tomaria consciência da farsa ao ver o mesmo rosto que lhe encantava estampado em sites da imprensa. Ou o rapaz era famoso mesmo, ou haveria ali apenas mais uma vítima. "Pra mim era só um cara bonito. Não fui encontrá-lo. Se você descobre que a pessoa não é quem ela dizia ser por três meses, não vai conferir o que se passa", brinca. A.C.

Mas o panorama das relações intermediadas pelas ferramentas da web é vasto, abrange todo tipo de história. O professor de inglês paulista Filipe Galhardo viu-se noivo de uma gaúcha recentemente graças ao esquecido Orkut. “Conheci a Gabrielle aleatoriamente em uma comunidade do Orkut em 2006, quando eu tinha 16 e ela 14 anos”.

Namoraram por um ano à distância e decidiram se conhecer em 2010. Deu tão certo que Gabrielle mudou-se para o sudeste e os dois já vivem juntos.

No percurso de viagem, Filipe relembra que “quase foi preso” por um incidente. “Eu voltava do Rio Grande do Sul (para São Paulo), com uma escala em Curitiba. Tinha umas duas horas para matar, e acabei saindo para dar uma volta no aeroporto. Me distraí em uma livraria no saguão e a hora que me dei conta, já estava na hora do embarque. Saí correndo e trombei com uma senhora que deveria ter uns 70 anos, com um milhão de malas e uma caixa com um câozinho. Ela achou que eu fosse um ladrão e começou a gritar por um segurança. Até eu conseguir explicar, levou quase uma hora e perdi o voo”, lembra.

Novas linguagens, mesmos desejos

A consolidação das redes sociais como meio de comunicação trouxe aos relacionamentos uma gama de novas opções aos mais tímidos, preguiçosos ou mesmo que apenas buscam uma aventura. Do Orkut, que teve 40 milhões de usuários brasileiros em seu auge, ao polêmico Tinder, aplicativo em que o usuário “seleciona” pretendentes por fotos e gostos em comum, as histórias de casais só se multiplicam na web. O que há uma década era visto ainda com receio e preconceito, hoje é prática comum e se tornou mais uma forma de envolver-se afetivamente. É o que afirma a psicóloga Luciana Rufo, do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Para Luciana, a vinda dos smartphones ampliou significativamente o uso afetivo das redes. “Antes a tecnologia se restringia ao momento em que você estava sentado ao computador. Com o smartphone, criamos uma geração que quando tem cinco minutos sobrando, vai mexer num aplicativo. Estes programas começam a fazer sucesso porque estão inseridos num canal de comunicação que os facilita”, argumenta.

Luciana não vê mudanças drásticas nas formas de se relacionar por causa destas novas ferramentas, que para ela são apenas mais um meio de se conhecer pessoas. “A tecnologia em si não traz nada de tão novo. O que ela traz é uma mudança na velocidade para que as coisas aconteçam. Antigamente as pessoas se relacionavam de um mesmo jeito. A diferença é que precisavam de um preparo, de um investimento num entorno social muito grande. Mas a questão é a mesma: conhecer pessoas.

Grande vantagem para a psicóloga está em como o usuário vai investir seu tempo, não precisando necessariamente de um espaço específico para novas relações. “Não é preciso mais investir nos relacionamentos só em um momento específico. Posso estar até de pijama na cama, pois a internet dá a possibilidade do lugar. Podemos fazer contatos rápidos”.

A especialista ainda ressalta as vantagens da web: “com a interação de regras sociais, o indivíduo acaba se comportando visando a forma como os outros o estão vendo. Eles enxergam seu rosto, o lugar que frequenta, etc. Quando se está pela internet, nem precisa ter rosto. O papo já deve começar mais profundo, papo de bar não vai funcionar. A imagem se torna quase secundária. Você até escolhe quem te agrada, mas isso não é o principal”.

O especialista em coaching para habilidades sociais, Eduardo Santorini, é da mesma opinião. “Além daqueles que preferem uma alternativa à balada, hoje a internet é uma forma relativamente fácil de filtrar pessoas que você tem interesse. Você pode filtrar localização, idade, interesses, aparência”. No entanto, o profissional ressalta baixa adesão ao "novo método". Santorini menciona uma pesquisa americana feita por um site de relacionamentos que aponta que apenas 17% dos casais se conheceram pela internet. “Quase dois terços dos novos casais se conheceram por meio de seus círculos de amizade, como local de trabalho, faculdade ou foram apresentados por amigos”, destaca.

Veja algumas dicas destacadas por Luciana Rufino e Eduardo Santorini para não se enganar antes de um encontro
1. Sempre que for sair, tenha mais contatos da pessoa além de um telefone celular. Se conheceu no Tinder, peça o Facebook.
2. Analise o Facebook desta pessoa. Veja se ela tem amigos, se a página existe na rede há algum tempo. Veja se ela escreve em sua timeline, se os amigos dela interagem.
3. Busque alguns dados de referência: o que esta pessoa faz, onde ela trabalha, o que estuda.
4. Peça mais de uma foto: quando você cria um fake, dificilmente tem mais de uma foto em um mesmo perfil.
5. Encontre sempre a pessoa em locais públicos e sempre deixe alguém avisado. Evite ficar muito a sós com a pessoa no começo.
6. Muito cuidado com aquelas pessoas apressadas, que conhecem hoje e amanhã já querem marcar um jantar. Converse bastante com a pessoa no próprio aplicativo, veja se existem pontos de interesse comuns e se vale a pena prosseguir.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Possível obra de Portinari é descoberta na casa do pintor

Afresco estava debaixo de 15 camadas de tinta na parede perto de uma porta do imóvel que acaba de ser reformado

Rene Moreira - Especial para o Estado
O desenho de uma mulher de cabelos escuros com uma criança de olhos azuis no colo, que foi descoberto por restauradores sob 15 camadas de tinta, estava em uma parede do imóvel que hoje abriga o Museu Casa de Portinari e foi achada durante uma reforma. O espaço, reaberto na sexta-feira, passou dois anos em restauração, que custou R$ 4,2 milhões, para sanar a umidade e outros problemas que poderiam prejudicar obras e relíquias do pinto.

Em uma foto antiga, também achada agora, é possível ver um desenho na parede muito parecido com a pintura agora descoberta. O problema é que há relatos de que o artista recebia amigos em sua casa e deixava que eles também pintassem na parede.

Desenho revela uma mulher de cabelos escuros com uma criança de olhos azuis no colo - Divulgação
Divulgação

Desenho revela uma mulher de cabelos escuros com uma criança de olhos azuis no colo

De acordo com o restaurador Júlio Moraes, a obra tem características típicas de Portinari, como o tom de azul na roupa da mulher e a altura do mural. Mas são apenas indícios e tudo será apurado por pesquisadores, que, a partir de agora, terão ajuda de uma equipe de peritos e especialistas em arte.

A descoberta, se confirmada, é de grande importância, já que Candido Portinari é reconhecido no mundo todo. Autor de quase cinco mil obras, entre elas os painéis Guerra e Paz da sede da ONU, em Nova York, e o mural da Biblioteca do Congresso em Washington, o pintor teria morrido vítima de intoxicação das próprias tintas que usava.

Reforma. O Museu Casa de Portinari, em Brodowski, recebeu novo reforço estrutural, restauro artístico, salas de exposição e outros ambientes. O imóvel é parte da obra deixada por Portinari, pois suas paredes são repletas de afrescos do artista. São pinturas realizadas em várias fases de sua vida – desde o início de carreira até obras-primas de quando já era um pintor reconhecido.

As pinturas murais foram restauradas e passaram por um processo para estabilizar sua fixação às paredes da casa, garantindo longevidade a esse patrimônio artístico. Outras intervenções foram realizadas para garantir a preservação do imóvel, tombado pelo Condephaat e pelo Iphan.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

No Rio, maior mostra de Dalí já exibida no País tem telas, filmes e ilustrações

Exposição orçada em R$ 9 milhões cobre dos anos 1920 ao fim da vida do pintor
Roberta Pennafort - Rio - O Estado de S. Paulo

Pintor, ilustrador, designer, cineasta, cenógrafo - além de um formidável agitador cultural. Homem do século 20, Salvador Dalí (1904-1989) foi multiartista quando o termo ainda não existia. Os diversos talentos, obsessões e fetiches do mestre catalão são apresentados ao público carioca na ambiciosa mostra que o Centro Cultural do Branco do Brasil (CCBB) do Rio abre nesta sexta, 30.


Instalação do artista surrealista espanhol Salvador Dalí é um dos destaques da mostra no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro 
MARCOS DE PAULA/ESTADÃO

Trata-se da maior e mais significativa coleção de Dalí a ser exibida por aqui, segundo os organizadores. Custou R$ 9 milhões. Serão 29 pinturas, 80 gravuras e desenhos, além de fotografias, documentos e filmes, que cobrem dos anos 1920 ao fim da vida. A vinda desse material foi negociada durante cinco longos anos com a Fundação Gala-Dalí (de Figueres, cidade onde ele nasceu), Museu Reina Sofía (de Madri) e Museu Salvador Dalí (na Flórida) pelo Instituto Tomie Ohtake - uma parte menor do conjunto segue para lá em outubro.

Se nos últimos dois meses as esculturas hiper-realistas do australiano Ron Mueck foram a sensação das artes plásticas no Rio - 250 mil pessoas já estiveram no Museu de Arte Moderna para vê-las -, o surrealista tem tudo para dar novo recorde de público ao CCBB, que teve como ápice uma mostra de Aleijadinho, realizada entre 2006 e 2007 (foram 900 mil visitantes em quatro meses).

A disposição das obras nos 1 mil metros quadrados do primeiro andar do CCBB aguça a curiosidade do visitante sobre o Dalí do qual já se ouviu muito falar, mas pouco se conhece de fato. A iluminação é dramática, tal qual o personagem, e as legendas são alentadas.

Entra-se por uma sala que introduz o pintor ainda impressionista, do início dos anos 1920, que pinta a família (o pai e a irmã estão em quadros de 1920 e 1925), as paisagens de sua terra natal e naturezas-mortas.

Passa-se rapidamente por um Dalí abstrato e cubista, do qual se destaca Figuras Tumbadas En La Arena, tela de apenas 20 por 27 centímetros que dá a dimensão do que foi o encontro com Pablo Picasso, a quem conheceu em 1926, em Paris. Três anos depois, viria a descoberta de Gala, a musa maior.

As maiores joias estão na sessão dedicada ao surrealismo, o grande chamariz da mostra. É onde estão El Sentimiento de Velocidad (1931), Monumento Imperial a la Mujer Niña (1929), Figura y Drapeado en un Paisaje (1935) e Composición Surrealista con Figuras Invisibles (1936), que contêm o que ficaria marcado como sua iconografia: os ciprestes, os relógios, os espectros, as imagens duplicadas, os efeitos que enganam o olhar.

O público vai ter a chance de assistir aos filmes O Cão Andaluz (1929) e A Idade do Ouro (1930), de Dalí e Luís Buñuel, e Quando Fala o Coração (1945), de Alfred Hitchcock, que tiveram cenas de sonho desenhadas pelo pintor. Também será possível conhecer os desenhos feitos por ele para clássicos da literatura mundial, como uma edição de 1973 de O Velho e o Mar, de Hemingway, com gravuras a ponta-seca, e uma tiragem de 1969 de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, 12 guaches de inspiração onírica.

A mostra chega ao Dalí melancólico do fim da vida. Foi quando a curadora, Montse Aguer, diretora do Centro de Estudos Dalinianos, da fundação que leva o nome do pintor, começou a trabalhar com ele. Ela acredita que a persona do artista - extravagante, absurda, mística - atraia tanto quanto a obra. "As pessoas querem ver Dalí. Ele criou sua obra e construiu seu personagem, que são indissociáveis. Viveu o século 20 e abre as portas para o século 21."

A escolha do mês da Copa para a abertura, durante o qual a cidade estará mais movimentada, pode inflar a visitação. Existe uma preocupação para não deixar que as salas fiquem cheias demais, já que a contemplação da obra detalhista do pintor exige tempo diante das obras. "Vale mais ficar uma hora na fila e ter tempo para ver tudo com calma", diz o gerente geral do CCBB do Rio, Marcelo Mendonça.

A mostra celebra os 25 anos do centro cultural, que entre 2012 e 2013 atraiu 8 mil pessoas por dia, com uma grande coleção de impressionistas vinda do museu parisiense D’Orsay.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Artista espanhol exibe suas pinturas, esculturas e cerâmicas em São Paulo

Barceló traz o mar, comidas e animais à cidade

Camila Molina - O Estado de S. Paulo

O monumental elefante de Miquel Barceló, esculpido em bronze, com quatro metros de altura, representa o animal de ponta-cabeça, equilibrando-se sobre a própria tromba. A obra, já exposta em Nova York ou no Paseo del Prado de Madri, poderia também ser vista como uma árvore, diz o artista espanhol. "Para mim, não há diferença entre figurativo e abstrato", afirma Barceló, que pinta tomates, frutas abertas ou praias brancas com a mesma desenvoltura com que esculpe um palito de fósforo gigante e cria cerâmicas, de fundo ancestral.

A tela 'Quatre Coupées' (2013), que está na exposição de Miquel Barceló em São Paulo: frutas cortadas ao meio - NiltonFukuda /ESTADÃO

Todas essas obras descritas estão nas mostras que Miquel Barceló apresenta agora no Brasil. Nesta quarta, na Pinakotheke São Paulo, no bairro do Morumbi, ele inaugura a primeira delas, com 18 pinturas, cerâmicas, esculturas e o Elefandret, criado originalmente em 2007. Depois, a partir de 23 de setembro, uma outra seleção de 23 de suas peças será exibida na Pinakotheke Rio de Janeiro, no bairro de Botafogo, até, por fim, as criações do famoso e valorizado artista espanhol chegarem, em novembro, à Galeria Multiarte de Fortaleza. As exposições são realizadas com seus trabalhos mais recentes, a maioria deles, produzidos entre 2013 e este ano.

Há humor nas criações de Miquel Barceló, de 57 anos, mas também ancestralidade. Um nômade nascido em Mallorca, que viveu anos na África e hoje se divide entre ateliês na Espanha e em Paris, o pintor, como se considera, primordialmente, afirma que acredita ser a pintura "uma ferramenta de pensamento da modernidade, mas cujas raízes são muito profundas". A materialidade, a monumentalidade (a relação física com o fazer) e a escolha dos temas de suas obras – assim como o gosto pela cerâmica – não deixam dúvida quanto a busca pela essencialidade.

Certa vez, em depoimento, Barceló contou ter achado a luz do deserto africano tão intensa a ponto de as coisas desaparecerem e de suas sombras se tornarem, na verdade, mais fortes. "O que não é tem mais intensidade que o que é", disse ao poeta e crítico Enrique Juncosa em 1999. Acompanhando, há tempos, o trabalho do artista, Juncosa assina o texto do livro Miquel Barceló (Edições Pinakotheke, 202 págs., R$ 89), a ser lançado junto com a mostra e que traz também entrevista com o pintor feita por Adriano Pedrosa.

Marinhas. Uma das novidades da exposição de Barceló é a série de pinturas brancas, inspiradas nas praias. Criadas nos últimos três anos, com pigmento vinílico que ele próprio prepara, essas obras, quase puras, são a representação de ondas ou das marcas da água do mar sobre a areia. "Nasci numa ilha", diz.

Figurativas – para ele –, essas criações são feitas de camadas de reverberações (do ritmo da água), que, por vezes, formam círculos, inspirados nas arenas de touros. "A série começou com marinhas e depois pensei que continuar infinitamente a linha do mar seria chegar ao círculo. Acabaram sendo espaços que contêm o mundo, o mundo em expansão", explica Barceló. Lembra Juncosa que o pintor recorre ao branco em sua trajetória "com vontade de fazer a ‘tábula rasa’, de voltar para o início, como se fosse possível esquecer da quantidade retumbante de imagens criadas por ele".

Interessante, assim, ver de frente para essas telas as "comidas" e a explosão da cor nos quadros Tomate Coeur de Baleine e Quatre Coupées. "Todas as minhas obras são experimentais", define o pintor.

terça-feira, 27 de maio de 2014

A artilharia política no Facebook

Com quase 100 milhões de usuários no Brasil, a rede social ganha peso no jogo eleitoral e projeta novos protagonistas no debate. Mas, como em toda guerra real ou virtual, a verdade é a primeira vítima
por Renan Truffi e Rodrigo Martins

Se a internet serviu de palco para importantes batalhas nas eleições de 2010, poucos duvidam de um papel ainda mais decisivo na corrida presidencial deste ano. A quatro meses das eleições, a movimentação dos partidos políticos nas redes sociais é intensa. A candidata à reeleição Dilma Rousseff, do PT, e os presidenciáveis Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) começaram a montar seus bunkersdigitais, com uma previsão de gastos superior a 30 milhões de reais. Não é um tiro no escuro. Atualmente, 105 milhões de brasileiros têm acesso à internet, atesta o Ibope Media. Desse universo, ao menos 76 milhões desfrutam de conexão doméstica. É o mesmo número de cidadãos com contas ativas no Facebook, segundo o último balanço da companhia, divulgado em setembro do ano passado.
A rede social criada por Mark Zuckerberg é, por sinal, a menina dos olhos dos marqueteiros digitais. Não apenas pela impressionante expansão no País – em 2010, havia pouco mais de 8,8 milhões de brasileiros cadastrados no Facebook –, mas pelo inestimável patamar alcançado por determinadas páginas a partir de investimentos relativamente modestos. O fenômeno da TV Revolta é emblemático. Notabilizada por um disfarce de niilismo político cujo objetivo, no fundo, é atacar o PT, a página tem mais de 3,5 milhões de seguidores e alcança mais de 27 milhões de internautas.

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Dilma Rousseff e Jeferson Monteiro no Palácio do Planalto, em setembro de 2013




O número varia ao longo do dia e está estampado no índice “falando sobre isso” do Facebook. Tal indicador mede, na prática, a quantidade de usuários que compartilham, comentam, respondem ou interagem de alguma maneira com qualquer evento ou assunto relacionado ao conteúdo da página. Por esse quesito, a TV Revolta supera de longe perfis como o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (167 mil “falando sobre isso”), da presidenta Dilma Rousseff (215 mil) ou até do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama (715 mil). Além disso, um público de 27 milhões é superior àquele de muitos dos telejornais de maior audiência da tevê aberta.
De janeiro a abril deste ano, o Jornal Nacional, da Rede Globo, registrou média de 25,4 pontos no Ibope. Cada ponto representa 217.460 domicílios e 641.286 indivíduos no Painel Nacional de Televisão (PNT), amostra que estima a audiência em todo o Brasil. Ou seja, o telejornal é visto, em média, por 16,2 milhões de brasileiros diariamente, bem abaixo do número de internautas que, de alguma forma, têm acesso ao conteúdo do TV Revolta.

“É verdade que a exposição na televisão é de outra natureza, os indivíduos param para assistir ao telejornal. Mas não é uma comparação absurda, pois o Facebook permite a interação entre os usuários, e tem muita gente dedicando seu tempo à TV Revolta, seja para compartilhar, curtir seus conteúdos, seja para criticar”, avalia Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Labic). A pedido deCartaCapital, o especialista mapeou o espectro conservador no Facebook. Identificou mais de 1,1 mil páginas, com 56,4 milhões de seguidores. Juntas, somavam mais de 42,5 milhões de usuários comentando seus posts na quinta-feira 22. E a TV Revolta correspondia a cerca de 60% dessa interação.

O canal desenvolve uma estratégia peculiar: combinar humor de gosto duvidoso com militância política. Ao mesmo tempo que reproduz piadas toscas e vídeos apelativos, compartilha supostas denúncias, muitas vezes apócrifas, e ataques contra políticos. Os alvos preferidos são o governo Dilma Rousseff e o PT. Na TV Revolta são veiculadas montagens simples, com frases curtas, contra, entre outros, o Bolsa Família e o Marco Civil da Internet, além de chacotas sobre a prisão de condenados no “mensalão”. O perfil também elegeu um ídolo, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.

Não são poucos os exemplos de frases falsas atribuídas a autoridades, além de informações adulteradas ou incorretas. Uma das montagens traz a imagem de Barbosa com o dedo em riste, como se apontasse para o internauta, acompanhada da seguinte frase: “Eu mandei cassar mandatos, mandei prender mensaleiros e apliquei punições aos criminosos. Agora, se você votar nesses tipos de malandros de novo, o problema é seu”. Recentemente, atribuiu a Lula a declaração de que o Bolsa Família é uma ferramenta para “controlar o povo”. Basta uma rápida pesquisa no Google para perceber a fraude. A TV Revolta usou um vídeo antigo do ex-presidente no qual ele fala sobre a compra de votos no interior do País, em uma época em que ainda não existia o benefício.

Apesar de mentirosa, a publicação fez com que mais de 22 mil internautas recomendassem a “notícia” aos amigos. Sem contar os mais de 600 usuários que “curtiram” o conteúdo e os outros 195 comentários raivosos deixados na página contra o ex-presidente. Ninguém da comunidade da TV Revolta parece duvidar da informação, mas o próprio autor da página admite sua “criatividade” na hora de publicar. “Entretenimento e informação trabalham juntos desde a popularização do cinema.”

O responsável pelo canal é João Vitor Almeida Lima. Radialista de 32 anos, ex-sonoplasta da MTV e TV Bandeirantes, Lima mora em São Paulo. Apesar de aparecer sem máscara ou trajes diferentes nos vídeos compartilhados pelo Facebook, diz interpretar um personagem fictício criado em 2009: o João Revolta. Nos vídeos, opina sobre política ou problemas atuais, quase sempre contra o governo ou algum projeto petista. “A filosofia de João Revolta é usar a linguagem informal para atrair o telespectador”, disse Lima ao site youPix.

Personagem ou não, a repercussão e o tom das críticas do radialista chamaram a atenção do exército de militantes do PT na web. Insatisfeitos com as mensagens disseminadas na página, os petistas fizeram inúmeros comentários no perfil da TV Revolta. E passaram a denunciá-la. “É evidente que estamos fazendo uma campanha contra o PT, já que 99,9% do nosso público apoia e quer a derrota do PT nas próximas eleições”, escreveu Lima.


O caso também alertou aliados do governo. Eles se impressionam com o crescimento exponencial da audiência do perfil. O portal Vermelho, do PCdoB, aliado de primeira hora do PT, publicou reportagem na qual afirma que não seria possível uma página subir tanto em audiência sem um investimento pesado. Um mecanismo criado pelo Facebook permite que empresas tenham suas publicações exibidas na lista de interesses de usuários comuns, desde que paguem por isso. O criador da TV Revolta assegura, porém, que a expansão da página é “orgânica”, gerada pela procura natural por um assunto ou conteúdo na internet.



Se é verdade, trata-se de um fenômeno único. De acordo com dados da Social Bakers, uma das maiores empresas na análise de dados de redes sociais, a TV Revolta foi a página na categoria mídia que mais cresceu na rede social no mundo na segunda semana de maio. Superou o próprio Facebook, segundo colocado na lista. Entre as páginas brasileiras figura no topo até mesmo na categoria geral, que inclui perfis de marcas, mídias, entretenimento, celebridades e esportes. É ainda o segundo perfil no Brasil que mais aumentou seu número de fãs no Facebook no último mês, atrás da página brasileira da Fifa na rede social.

É para fazer frente às campanhas difamatórias que os petistas justificam o elevado investimento em sua campanha virtual, cerca de 12 milhões de reais. A Pepper Interativa, que cuidou da campanha de Dilma em 2010, ficou responsável pelos canais do PT na internet e pela administração dos perfis da presidenta no Facebook e no Twitter. A agência dispõe de ferramentas capazes de rastrear robôs, perfis falsos e centrais de boataria. As informações são repassadas para a militância petista, encarregada de desfazer os boatos e denunciar o jogo sujo dos adversários. A coordenação da campanha de Dilma na internet, contudo, está nas mãos de Franklin Martins, ex-ministro de Lula.
“Esperamos usar as redes sociais para o debate de ideias. Se o outro lado apelar para o jogo sujo, vamos denunciar. A internet não é um terreno de bobos”, afirma Martins. “Em 2010, José Serra usou a internet para discutir religião, aborto, temas sem a menor relação com a disputa eleitoral, apenas para difundir o medo na população. E o que houve depois? Perdeu as eleições, não conseguiu nem se eleger prefeito em São Paulo.”
O jogo promete ser duro. Na noite da segunda-feira 19, Jeferson Monteiro, o jovem e talentoso criador do perfil satírico Dilma Bolada, com mais de 1,1 milhão de seguidores, revelou ter recebido propostas para atuar na campanha do PSDB. “Primeiro, fui procurado por uma agência de publicidade. Ela disse que a equipe do Aécio Neves estava interessada em comprar a página. Especularam que poderia ganhar 500 mil reais. Jamais tive a intenção de vendê-la, mesmo assim dei corda à negociação, para ver até onde ia a cara de pau desses tucanos. Foi quando fui procurado pelo Pedro Guadalupe”, resumiu a CartaCapital.
Profissional de marketing digital, Guadalupe tem dois sites registrados em seu nome para fazer oposição à presidenta (Dilma Mente e Muda Mesmo). Coleciona dezenas de jingles políticos que satirizam problemas na gestão petista, além de páginas no Facebook para repercutir o conteúdo. Assessorou ainda a Juventude do PSDB a montar o site PTbras, para explorar as denúncias contra o governo no escândalo da estatal petrolífera. Apesar da longa lista de trabalhos prestados, Guadalupe alega ter feito tudo de graça, para agradar a um cliente em potencial. “Eu queria mostrar meu trabalho para o PSDB. Tinha um plano de bolar alguma coisa para trabalhar no marketing da campanha.”
Ele admite ter negociado com o criador de Dilma Bolada, mas assegura nunca ter falado em nome do PSDB. “Nunca nem vi o Aécio pessoalmente”, argumenta. Guadalupe já trabalhou na campanha do PT pela prefeitura de Belo Horizonte em 2012. Mas decidiu mudar de lado. “A comunicação do PT é todo estruturada na internet. Como eu vou competir com o Franklin Martins, o Sérgio Amadeu e o Arnaldo Branco? Onde eu poderia conseguir espaço em campanha de internet? No PSDB.”
O projeto foi para o ralo. O marqueteiro de Aécio Neves, Paulo Vasconcelos, teve de apagar o incêndio e negou que a campanha tivesse incentivado qualquer aproximação com Jeferson Monteiro. Ficou o dito pelo não dito, para a paz de Xico Graziano, coordenador da campanha de internet de Aécio.
No início de abril, ao inaugurar o portal www.mineirobrasileiroaecio.com.br, Graziano não perdeu a oportunidade de atacar a militância virtual do PT. “Eu monitoro as redes sociais e vejo o jogo sujo que existe. Perfis diferentes disseminam a mesma mensagem dezenas de vezes. A guerrilha do PT posta vídeos antigos e planta as mesmas infâmias de sempre.” Dias depois, teria o telhado de vidro exposto. Seu filho, Daniel Graziano, acabou convocado pela polícia para esclarecer os boatos que ajudou a difundir pela internet contra Fabio Luís Lula da Silva, o Lulinha. No afã de denunciar a “fortuna” acumulada pelo filho do ex-presidente Lula, Grazianinho atribui a Lulinha a propriedade de mansões e vastas propriedades rurais. Uma das áreas mostradas pertence, na verdade, à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, de Piracicaba (SP).
No front tucano, calcula-se valor semelhante para a campanha na internet: 12 milhões de reais. Nas eleições anteriores, o PSDB gastou 7,9 milhões. A juventude do partido planeja reunir ao menos 5 milhões de militantes para atuar nas redes sociais.
A estratégia de Campos para a internet é a maior incógnita. Não há definição de como serão integradas as equipes da Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, e do PSB. Coincidência ou não, Campos deu sua primeira patinada justamente nas redes sociais.
Na quinta-feira 15, publicou uma foto dentro de um jatinho, em meio à onda de violência no estado de Pernambuco gerada pela greve da Polícia Militar. Campos confia, porém, na adesão e na força dos “marineiros”. Isso porque a militância da ex-ministra do Meio Ambiente tem o mesmo perfil do “exército petista” na internet quando o assunto é engajamento. O coordenador de comunicação da Rede, Cassio Martinho, assegura: trata-se de apoiadores independentes. “Para quem está de fora, parece alguma coisa organizada por uma inteligência central, mas na verdade esse é o fenômeno da internet, a emergência de um ator coletivo sem coordenação.”
Isso não significa que o PSB não dê a devida atenção ao jogo eleitoral na internet. Estão previstos gastos de 8,5 milhões na área. Após investir em publicidade paga para aumentar o número de seguidores de seu perfil no Facebook, a equipe de Campos adotou a postura de responder cada comentário enviado ao ex-governador na rede social. Não passa um sem resposta. “Como posso ter certeza de que você não é o plano B do Lula se até bem pouco tempo você apoiava a Dilma?”, perguntou uma mulher identificada como Tânia Guerra, em 20 de maio. A resposta veio 30 minutos depois: “Sabe quando a gente se compromete com um propósito, mas que com o tempo não gera os resultados esperados? Essa é a nossa relação com o PT” .
O Facebook no Brasil está ciente dos desafios que terá pela frente e pretende manter uma equipe 24 horas por dia para analisar todo o conteúdo relativo a eleições que deve ser publicado pelos usuários nos próximos meses. “No ano passado, o termo ‘eleições’ foi o segundo mais falado na plataforma no âmbito global. Acreditamos que 2014 será o ano das ‘eleições sociais’ no Brasil”, afirmou a empresa em nota encaminhada a CartaCapital. A rede social diz estar preparada para acatar as decisões da Justiça Eleitoral, mas indica a disposição de não aceitar pedidos específicos de partidos. “O Facebook não age espontaneamente sobre conteúdo que esteja de acordo com suas políticas e termos. Neste caso, é necessária a determinação de uma autoridade que tenha a atribuição de avaliar se o conteúdo é legal ou não.”
Outra preocupação, não menos importante, é com a emergência do discurso do ódio durante o período eleitoral. “O debate político nas redes sociais anda tão hostil que cria um ambiente propício para atuação de grupos extremistas e neonazistas. Há células bastante ativas no Facebook e no Twitter, algumas com treinamento paramilitar e histórico de violência”, alerta Thiago Tavares Nunes de Oliveira, presidente da Safernet, entidade sem fins lucrativos que monitora e denuncia crimes na internet. “Esses grupos adoram se envolver em polêmicas eleitorais para chamar atenção, e dominam bem a linguagem de internet. Inclusive com a utilização de memes e vídeos apelativos para difundir mensagens racistas ou homofóbicas.” O anonimato costuma servir de elixir aos covardes e conforto para os ignorantes. Resta uma pergunta: é possível construir uma democracia a partir do rancor e da desinformação?

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Avião da seleção brasileira terá grafite especial de osgêmeos

Gustavo e Otávio Pandolfo, conhecidos como osgêmeos, pintaram rostos na fuselagem

Aline Reskalla, especial para O Estado


BELO HORIZONTE - O avião que vai conduzir a seleção brasileira para os jogos da 
Copa foi decorado com uma proposta nada convencional dos artistas plásticos Gustavo e Otávio Pandolfo, osgêmeos. Por uma semana, os grafiteiros mais famosos do País mergulharam no trabalho inusitado de decorar a aeronave.

Foi no hangar da Gol em Confins, em Belo Horizonte, que eles deram forma e cor ao projeto, inédito na carreira deles. Gustavo Pandolfo explica que a ideia de grafitar um avião nasceu há cerca de um ano, e não tinha nenhuma ligação com a Copa. "Já tínhamos pintado trem de passageiros e inúmeras outras coisas, mas nunca tínhamos pintado um avião. Foi quando procuramos a Gol e o projeto tomou forma."

Feita a parceria, surgiu o conceito: levar os passageiros para as nuvens em uma espécie de brincadeira. Nas cores do Brasil, vários rostos que representam a população estampam a fuselagem. "Pensamos naquele sujeito que está esperando um voo e, de repente, aparece um avião desse jeito e muda o cotidiano dele", afirma Gustavo.

O maior desafio, segundo ele, foi concretizar num "suporte" nada convencional o que eles tinham pensado. O trabalho consumiu 1.200 latas de spray de uma tinta especial chamada MTN, importada da Espanha. E o resultado agradou. "Realmente ficou muito bonito, superou nossas expectativas."



Enquanto atraem as atenções do País com o avião grafitado, osgêmeos dão os retoques finais em um outro projeto, a exposição A Ópera da Lua, que marca a volta da dupla às galerias da capital paulista após quatro anos. A mostra será aberta no dia 29 de junho e, ao público, a partir do dia 1º de julho. Entre outras peças, serão 30 pinturas, três esculturas e uma instalação musical. A exposição será no Galpão Fortes Vilaça, na Barra Funda.

domingo, 25 de maio de 2014

Você tem sede de quê?

Jairo Bouer - O Estado de S.Paulo

Na última semana em Genebra, durante a Assembleia Mundial da Saúde, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, defendeu uma maior regulamentação das propagandas de cerveja aqui no Brasil. A informação é do correspondente do Estado Jamil Chade. Mas será que essa intenção tem chance de se concretizar, vencer as resistências no Congresso e da indústria de bebida e conseguir sair do campo das muitas promessas feitas em conferências internacionais?





A atual lei restringe apenas a publicidade de bebidas com teor alcoólico mais alto (destilados, vinho) nas primeiras horas da noite. Assim, as cervejas e as bebidas "ice", justamente duas das categorias que têm forte apelo junto ao público jovem, escapam da regulamentação e podem ser exibidas antes das 21 horas.

Dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) duas semanas atrás, já comentados nesta coluna no último domingo, mostram que ocorreram mais de 3,3 milhões de mortes no mundo em 2012 por causa do álcool (mais que as mortes por aids, violência e tuberculose juntas). Os números mostram que o consumo per capita de bebida no Brasil é um dos mais elevados do mundo, com quase 9 litros/ano entre os maiores de 15 anos. A média mundial é de pouco mais de 6 litros/ano. O relatório também mostrou que, enquanto na população adulta cerca de 7,5% fazem consumo abusivo esporadicamente, na população jovem esse índice alcança quase 12%.

Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) divulgada há duas semanas, durante o Seminário Internacional de Álcool e Violência, e publicada no Estado, mostra outro fenômeno preocupante: quase 90% das atléticas das universidades públicas e particulares de São Paulo têm algum tipo de parceria formal com a indústria de bebida para compra de cerveja por preço diferenciado, patrocínio a eventos e prêmios por desempenho nas vendas. O trabalho foi feito entre setembro de 2013 e maio de 2014.

A pesquisa mostrou ainda que metade dos universitários nunca pensou nos riscos do consumo de álcool. Já a outra metade experimentou situações de risco após exagerar na bebida, como dirigir, brigar ou fazer sexo sem proteção.

É claro que hoje existe um apelo muito forte da bebida no público jovem. Para eles, festa com bebida em abundância e barata é sinônimo de diversão garantida. "Beber até cair" ou "ficar bem bêbado" são motivações difíceis de serem quebradas nesse universo. Pior, quanto mais cedo se inicia esse padrão de abuso, maiores as chances de o jovem ou o adulto vir a enfrentar um problema de dependência.

Propostas? Que tal uma discussão mais estruturada na escola sobre consumo responsável de álcool feita desde o ensino fundamental, de forma sistemática, seriada e adaptada à fase de vida do aluno. Depois, como pensar em projetos de recepção aos calouros nas universidades que discutam o tema dos impactos e riscos do uso nocivo de bebida já na primeira semana de aula? Para completar, que tal programas de identificação e suporte para quem enfrenta problemas de consumo nocivo (em torno de 10% dos jovens que bebem)? Que tal ampliar o debate sobre regulamentação de propaganda de cerveja e outras bebidas de baixo teor alcoólico de forma efetiva na televisão, rádio e internet? E a maior fiscalização sobre estabelecimentos que vendem ou permitem que o jovem beba em suas dependências? Que tal reavaliar o papel da indústria de bebida em eventos universitários esportivos ou culturais?

Talvez, dessa forma, com medidas que tenham foco em educação, prevenção e regulamentação de publicidade, se consiga reduzir o apelo e o impacto que a bebida tem com o jovem. Funcionou com o cigarro, que teve seu consumo reduzido nas diversas camadas da população, até mesmo entre os adolescentes. Será que, apesar das peculiaridades sociais e culturais, não poderia funcionar com o álcool também?

sábado, 24 de maio de 2014

São Paulo recebe mostra da celebrada artista japonesa Yayoi Kusama

Mostra revela a arte obsessiva da japonesa

Camila Molina - O Estado de S. Paulo

Depois de seu colapso nervoso na década de 1970 e da decisão de se internar em um hospital psiquiátrico no Japão, Yayoi Kusama "reencontrou sua voz" com a criação da instalação imersiva I’m Here, But Nothing, de 2000, uma sala mobiliada que remete a um cômodo banal de uma casa que é tomado, sob luz negra, por bolinhas coloridas. "Ela demorou para retomar sua autoconfiança, a fazer arte", diz Frances Morris, curadora, ao lado de Philip Larratt-Smith, da mostra Yayoi Kusama - Obsessão Infinita, que será inaugurada no Instituto Tomie Ohtake. De caráter retrospectivo, trata-se da maior exibição de obras da celebrada artista japonesa já realizada na América Latina.


A artista japonesa Yayoi Kusama em 2011 / DIVULGAÇÃO

No Rio, quando foi apresentada, ano passado, no Centro Cultural Banco do Brasil, a exposição atraiu 700 mil visitantes e depois seguiu para Brasília. Chega a São Paulo agora com expectativa de público e a presença de peças atraentes - e convidativas para "selfies" e fotos - como I’m Here, But Nothing e a instalação Infinity Mirrored Room (2011), feita de espelhos e lampadazinhas que vão mudando de cor. "São criações de uma canção similar, mas numa chave diferente, mais alegre", comenta Philip Larratt-Smith sobre esses trabalhos recentes de Yayoi Kusama, mas fazendo também menção ao universo poético - e complexo - da "princesa das bolinhas" (ou do "polka dot", como fala a curadora inglesa).

Na centena de trabalhos exibidos em quatro salas do instituto, é possível acompanhar de maneira muito clara o processo de concepção da linguagem da artista japonesa. A linha cronológica começa com uma obra de 1950, uma pintura a óleo surrealista em que ela representa apenas uma corda espessa emaranhada em si.

Entretanto, neste primeiro segmento de trabalhos pictóricos e gráficos reunidos ao lado desta tela, já aparecem as formas orgânicas que de um "olhar microscópico" se expandem para a escala macroscópica, fazendo, assim, com que as bolinhas se tornassem elemento identificável de obsessão ou uma marca de Kusama. Outra característica de suas criações são a presença de protuberâncias fálicas em suas peças dos anos 1960 (entre os destaques da mostra estão os sapatos fálicos da artista e o barco da instalação Caminhando no Mar da Morte) e das questões de repetição e acumulação.

Medos. "Artistas não costumam expressar seus complexos psicológicos diretamente, mas eu adoto meus complexos e medos como temas", já afirmou Yayoi Kusama e a frase está estampada no começo do catálogo da mostra Obsessão Infinita. "A arte precisa de traumas", diz Frances Morris, curadora da Tate Modern e responsável também pela retrospectiva da artista apresentada entre 2011 e 2012 não apenas no museu londrino, como também no Reina Sofia, de Madri, no Centro Pompidou, de Paris, e no Whitney Museum, de Nova York.

A mostra, grande sucesso por onde passou, reavivou mais uma vez o interesse pela obra da japonesa. "Para o Brasil, trouxemos alguns dos mesmos trabalhos daquela retrospectiva, mas em Obsessão Infinita focamos mais no período inicial de sua carreira e na transição de suas questões de vida para seu trabalho. Desde suas pinturas convencionais, criadas no Japão, para o engajamento dinâmico, político, de sua vivência em Nova York", afirma Frances Morris.

No Japão, Yayoi Kusama, nascida na cidade de Matsumoto, em 1929, se sentia sufocada pela tradição, pela situação de pobreza local no período pós-guerra e pela oposição de sua família à sua arte. "As cordas de suas primeiras pinturas são parte de sua resposta à destruição e desolação", define a curadora. Decidida a se tornar uma artista famosa, Yayoi Kusama se mudou em 1957 para a América - retornando a seu país natal apenas em 1973, por causa de sua doença mental.

Antes de chegar a Nova York, conta Frances Morris, a artista correspondeu-se com amigos da América. Entre eles, a pintora Georgia O’Keeffe, que lhe aconselhou "ser muito forte, pegar seus desenhos e levá-los, ela própria, aos marchands". Na década de 1960, ao trazer de uma maneira mais explícita suas neuroses e seus traumas para suas obras, Yayoi Kusama não apenas utilizou a arte como terapia como também realizou ações vanguardistas.

"Desde o início de sua vida na América, ela usou suas estratégias de uma maneira provocativa, criou vestimentas incríveis e chocantes, mas, ao mesmo tempo, suas obras sempre foram muito inclusivas", diz a curadora. "O uso das bolinhas e de cores chamam muito a atenção, mas é algo também bem sofisticado. Enfim, sua marca é muito poderosa", completa.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Debate marca o lançamento de livro com artistas que reinventam o registro do real

'Fotografia na Arte Brasileira – Século XXI' apresenta o trabalho de 39 artistas

Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S. Paulo


Organizado por Isabel Diegues e Eduardo Ortega, o livro Fotografia na Arte Brasileira – Século XXI, que será lançado neste sábado, 24, com debate na Galeria Pivô, cruza as fronteiras da fotografia tradicional para apresentar o trabalho de 39 artistas que usam o suporte de maneira pouco convencional. O objetivo da publicação, segundo os organizadores, "não é o de defender nenhuma vertente específica da fotografia de arte, mas revelar a vastidão de práticas e pensamentos desse território". A ampliação do campo de ação da fotografia é justamente o tema do debate que precede hoje o lançamento do livro, mediado por Isabel Diegues. O encontro conta com a participação da veterana fotógrafa Claudia Andujar e dois representantes da nova geração, o mineiro Pedro Motta e o manauense Rodrigo Braga.

Rodrigo Braga dialoga com a natureza - Rodrigo Braga/Divulgação
Rodrigo Braga dialoga com a natureza -Rodrigo Braga/Divulgação

O conceito de campo ampliado ou expandido foi cunhado em 1979 pela crítica e ensaísta norte-americana Rosalind Krauss, inicialmente aplicado à escultura. Nesse ensaio, ela questionava o que conhecemos convencionalmente como escultura, defendendo um modelo mais elástico para entender obras tridimensionais. De modo similar, os organizadores do livro questionam as fronteiras da fotografia, ao investigar o trabalho de artistas que transitam por outros territórios e fazem uso de diversas práticas (pintura, escultura, cinema, vídeo, colagem, performance), "contaminando" a linguagem fotográfica. Ou seja, examinam a foto não só como documento ou registro do mundo, mas reinvenção do real, no espaço entre a abstração e a representação.

O tema é abordado em dois ensaios do livro, que trata basicamente do papel da fotografia na era digital, caracterizada pela profusão de imagens manipuladas. Ricardo Sardenberg fala sobre o lugar da fotografia na história. Janaína Melo analisa a produção contemporânea, tratando, por exemplo, da relação corpo e linguagem nas fotos de Cris Bierrenbach e performances de Lenora de Barros, da reinterpretação da paisagem nas imagens de Caio Reisewitz ou do diálogo entre fotografia e pintura no trabalho de Cássio Vasconcellos, igualmente presente na obra de Miguel Rio Branco. Ou nas fotos de Luiza Baldan, jovem carioca de 34 anos que registra interiores com a precisão de um Gordon Willis (fotógrafo que morreu esta semana e trabalhou com Woody Allen e Coppola).

O livro traz obras de nomes consagrados, como Vik Muniz, além de jovens como o mineiro João Castilho, cujo monocromatismo remete aos filmes do russo Sokurov. Não é apenas a saturação cromática que conduz a esse parentesco, mas a tentativa de narração de Castilho, que recorre a polípticos para sugerir uma história. De modo semelhante, o carioca Marcos Chaves, de 53 anos, ao usar objetos fora de seu contexto original, cria uma narrativa que subverte o significado desses ‘objets trouvés’ duchampianos. É o caso da foto Rio Olímpico (2010), em que um trecho da Baía de Guanabara vira uma academia de ginástica improvisada com pesos feitos de lata de cimento.

A imagem é uma das 150 reproduções do livro panorâmico sobre artistas de diferentes regiões do Brasil. De Luiz Braga, nascido há 58 anos em Belém e um dos mais renomados fotógrafos da paisagem amazonense, a Vera Chaves, veterana de Porto Alegre que começou sua carreira como gravadora, o livro reúne um elenco de profissionais dedicado à experimentação, entre eles o paulistano Marcelo Zocchio, engenheiro e ex-fotojornalista que realizou há dois anos uma série original, Repaisagem. Pesquisando fotos antigas de São Paulo, Zocchio fotografou novamente os lugares e justapôs digitalmente as imagens, criando uma metrópole híbrida, em que o passado convive com o presente.

Num tempo bergsoniano, também Alexandre Sequeira, de Belém do Pará, fez com que a imagem virtual dos moradores do vilarejo de Nazaré do Mocajuba, nunca antes fotografados, convivesse com ambientes reais, imprimindo sobre toalhas, redes e lençóis o retrato de corpo inteiro, em tamanho natural, de seus modelos. Num registro mais épico, Rodrigo Braga, de Manaus, retoma a paisagem bíblica, arcaica, violenta, encenando uma relação corpo a corpo com a natureza, como em Comunhão 1 (2006), em que se enterra até o pescoço ao lado de um bode. Entre outros artistas conhecidos, o livro reúne Cao Guimarães, Eustáquio Neves, Kenji Ota, Mauro Restiffe, Rosângela Rennó, Rubens Mano e Vicente de Mello.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

O analfabeto 
funcional

As próprias palavras são o detalhe essencial: 
repetir o que foi lido é fácil, mas o propósito do exercício é saber se somos capazes de traduzi-lo

Por Braulio Tavares



Pesquisas recentes mostram que grande parte dos universitários brasileiros é de analfabetos funcionais, isto é, são capazes de ler corretamente um texto, inclusive em voz alta, mas não conseguem entender o significado. (Na melhor das hipóteses, saem pela tangente com aquele velho papo de estudante preguiçoso: “Eu sei, mas não sei como explicar”.) Quando eu era estudante havia certa insistência das professoras (nessa fase mais remota, eram sempre mulheres) em dizer: “Leia esse texto, e depois o explique com suas próprias palavras”. As “próprias palavras” são o detalhe essencial, porque repetir o que foi lido é fácil, mas o propósito do exercício é saber se somos capazes de traduzi-lo (sim, é um processo tradutório, tanto quanto o de passar uma frase do inglês para o português).

Todo mundo pode decorar um soneto de Camões: Sete anos de pastor Jacó servia/Labão, pai de Raquel, serrana bela... Eu gostaria que um hipotético aluno meu me reproduzisse esse soneto em algo como: “Eita, professor, parece que o sogro dele enrolou ele... Ele queria casar com uma moça e prometeu trabalhar de graça pro véi, aí o véi era trambiqueiro, deu a outra filha, aí ele disse, tem nada não, danado – eu faço tudim de novo, mas agora quero a minha noiva, e se não me der, aí o diabo se solta!” Alguns professores rejeitariam uma interpretação tão heterodoxa. Eu daria nota 10 ao moleque.



Richard Feynman, Prêmio Nobel de Física, ensinou numa universidade brasileira e admirou-se ao ver como seus alunos, que sabiam de cor uma lei sobre a polarização das ondas luminosas, eram incapazes de explicar um efeito qualquer da visão da Baía da Guanabara através das vidraças da sala de aula. Na cabeça deles, a lei da Física era um simples texto, e a passagem da luz pela vidraça não tinha nada a ver com ela.

Seria o caso de questionarmos o analfabetismo funcional de uma parte muito maior da sociedade. Algumas pessoas são capazes de ler a Bíblia, a Constituição ou a Declaração dos Direitos do Homem, jurar-lhes fidelidade, e desobedecer-lhes sem piscar o olho. São incapazes de ver alguma relação entre aquelas palavras impressas no papel e os atos que estão praticando. Claro que muitos fazem isso por mau-caratismo. Mas não duvido que outros agem assim por deficiência intelectual mesmo. Uma coisa é aquele texto que alguém os obrigou a decorar um dia, e outra coisa muito diferente são os fatos da sua vida. Acham-se pessoas de bem, e sua sinceridade poderia ser comprovada até num detetor de mentiras.



Analfabetismo Funcional
Uma triste realidade de nosso país...


A UNESCO define analfabeto funcional como toda pessoa que sabe escrever seu próprio nome, assim como lê e escreve frases simples, efetua cálculos básicos, porém é incapaz de interpretar o que lê e de usar a leitura e a escrita em atividades cotidianas, impossibilitando seu desenvolvimento pessoal e profissional. Ou seja, o analfabeto funcional não consegue extrair o sentido das palavras, colocar idéias no papel por meio da escrita, nem fazer operações matemáticas mais elaboradas.

No Brasil, o índice de analfabetismo funcional é medido entre as pessoas com mais de 20 anos que não completaram quatro anos de estudo formal. O conceito, porém, varia de acordo com o país . Na Polônia e no Canadá, por exemplo, é considerado analfabeto funcional a pessoa que possui menos de 8 anos de escolaridade.

Segundo a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, mais de 960 milhões de adultos são analfabetos, sendo que mais de 1/3 dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento impresso e às novas tecnologias que poderiam melhorar a qualidade de vida e ajudá-los a adaptar-se às mudanças sociais e culturais.

De acordo com esta declaração, o analfabetismo funcional é um problema significativo em todos os países industrializados e em desenvolvimento. No Brasil, 75% das pessoas entre 15 e 64 anos não conseguem ler, escrever e calcular plenamente. Esse número inclui os 68% considerados analfabetos funcionais e os 7% considerados analfabetos absolutos, sem qualquer habilidade de leitura ou escrita. Apenas 1 entre 4 brasileiros consegue ler, escrever e utilizar essas habilidades para continuar aprendendo.

Mas como resolver essa situação? Como baixar esses números alarmantes? Sem dúvida nenhuma que a educação é o caminho. Alfabetizar mais crianças com melhor qualidade. Essa é a questão: qualidade e não quantidade.

Infelizmente, hoje vemos que o Brasil optou pela quantidade a qualquer custo. E o resultado disso é a enorme quantidade de analfabetos funcionais com diploma. O nosso país deveria se esforçar em alfabetizar com qualidade. Não é aumentando para 9 anos o Ensino Fundamental que a qualidade do ensino irá melhorar.

Também não é ampliando o horário escolar que teremos o problema resolvido. Se os alunos não forem incentivados à leitura, a atividades que trabalhem com inteligência, pensamento lógico e capacidade de relacionar temas diferentes, nenhum esforço do governo será válido.

Também não devemos nos esquecer dos professores. Melhoria nos cursos de formação dos docentes, remuneração adequada, capacitação continuada, etc. Dá trabalho, é verdade, mas o investimento na qualidade da educação é a única forma capaz de reverter esse quadro educacional brasileiro tão triste!!

Referência: INAF – Indicador de Analfabetismo Funcional

quarta-feira, 21 de maio de 2014

'Quino', criador de 'Mafalda', ganha Prêmio Astúrias de Comunicação

Cartunista argentino foi anunciado nesta quarta-feira vencedor do importante galardão espanhol

Reuters


O renomado cartunista Joaquín Salvador Lavado, mais conhecido como Quino, criador da personagem Mafalda, foi escolhido como ganhador do Prêmio Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades, segundo divulgou o júri em Oviedo, capital da província espanhola das Astúrias.


Quino, numa foto de 2012 - Enrique García Medina/EFE
Enrique García Medina/EFEQuino, numa foto de 2012

Nascido na Argentina, Quino obteve fama internacional como autor das tiras protaganizadas por Mafalda, uma menina que descobre a complexidade do mundo a partir do olhar infantil e que este ano completa 50 anos de existência.

"As lúcidas mensagens de Quino continuam atuais por ter combinado com sabedoria a simplicidade no traço do desenho com a profundidade de seu pensamento", disse a ata do júri.

"A obra de Quino trás consigo um enorme valor educativo e foi traduzida para muitos idiomas, o que revela sua dimensão universal. Suas personagens transcendem qualquer limite geográfico, de idade e condição social."

Filho de pais andaluzes que migraram para a Argentina, Quino descobriu sua vocação graças a seu tio Joaquín Tejón, pintor e ilustrador gráfico, e começou os estudos em Belas Artes aos 13 anos, logo abandonando-os para se dedicar às histórias em quadrinhos de humor.


Mafalda estreou em Buenos Aires na publicação semanal Primera Plana em 29 de setembro de 1964 e seis anos depois a irônica menina chegaria à Europa pelas mãos de Umberto Eco, outro ganhador do Prêmio Príncipe das Astúrias.

Apesar de seu sucesso, Quino deixou de desenhar Mafalda em 1973, mas o interesse pelo humor inteligente, irônico e inconformado de suas historinhas continua grande até hoje.

Quino seguiu escrevendo e desenhando, mas seu humor se tornou mais ácido e voltado para um público mais adulto.

Joaquín Salvador Lavado é o terceiro nome anunciado entre os oito prêmios Príncipe das Asturias que vão ser entregues este ano. Os outros já anunciados foram o arquiteto norte-americano Frank Gehry e o historiador francês Joseph Pérez, que receberam os prêmios de Artes e Ciências, respectivamente.

Cada um dos vencedores da premiação, entregue pela primeira vez em 1981, vai receber 50 mil euros e uma escultura concebida por Joan Miró como símbolo do prêmio.

Os prêmios serão entregues no segundo semestre em uma cerimônia do teatro Campoamor, em Oviedo.

(Reportagem de Francisco Pazos)

terça-feira, 20 de maio de 2014

Mostra sobre Sherlock Holmes em Londres é a mais completa em 60 anos

Exposição vai mostrar objetos pessoais de Conan Doyle e de outros artistas envolvidos na trajetória do personagem

EFE - O Estado de S. Paulo

A maior exposição sobre Sherlock Holmes que chega ao Reino Unido em mais de 60 anos deve revelar incógnitas sobre as origens do detetive fictício e as fontes de inspiração de seu criador, o escritor escocês Arthur Conan Doyle.

Conan Doyle no quadro de Paget, de 1897 - J. Voita/EFE

Conan Doyle no quadro de Paget, de 1897 - J. Voita/EFE
Uma das joias da exposição, que o Museu de Londres adiantou nesta terça-feira, 20, é uma tela a óleo inédito de Conan Doyle pintado por Sidney Paget em 1897, que “permite apreciar como era o autor aos 37 anos”, o qual possuía uma curiosa semelhança com Dr. Watson, o companheiro de aventuras de Holmes, de acordo com a comissária do museu Pat Hardy. No retrato, propriedade dos herdeiros de Conan Doyle, o autor leva um bigode abundante e tem os olhos assimétricos, resultado de um acidente.

Paget ilustrou as primeiras publicações do escritor na revista popular The Strand, e foi ele quem criou a imagem que até hoje se relaciona com o detetive: a capa, o gorro e o cachimbo. A inspiração de Conan Doyle para criar o famoso detetive foi Os Assassinatos da Rua Morgue, livro de 1841 de Edgard Allan Poe. O manuscrito desta obra também estará na exposição no Museu de Londres.

O diretor de coleções históricas do Museu, Alex Werner, explicou que o escritor escocês era muito fã das narrativas de Poe, e que o protagonista C. Auguste Dupin, de mente analítica e um fiel acompanhante, inspirou Holmes e sua relação com Watson. Por outro lado, o caráter científico das investigações de Holmes se alimentou dos conhecimentos do próprio Conan Doyle, que estudou medicina.

A exposição, que abre no dia 17 de outubro, deve analisar também as representações de Holmes no cinema e no teatro, com objetos de seus principais intérpretes, como o ator americano William Gillette. Um dos objetivos do Museu é reivindicar o papel da capital britânica nas histórias de Sherlock Holmes, e por isso a mostra deve expor pinturas, desenhos e fotografias de locais emblemáticos da cidade, como a avenida Strand, Piccadilly, as Casas do Parlamento e outras construções da Londres vitoriana.

Holmes também é objeto de uma exposição permanente na capital britânica: The Sherlock Holmes Museum fica no número 221B da Baker Street, endereço em que o detetive morava nas histórias.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Cinco coisas que você não sabia sobre a vida secreta dos gatos

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Estudo comprovou que os gatos perambulam pela casa de outros gatos. 
Konstantinos Papakonstantinou/Creative Commons
Por Victoria Bembibre

Acreditamos que sabemos tudo sobre nossos animais de estimação, seus hábitos, gostos e fraquezas. No entanto, os gatos levam uma vida secreta e pouco conhecida. É o que confirma um estudo realizado por pesquisadores da BBC Horizon e cientistas do Royal Veterinary College, do Reino Unido, que revela os comportamentos surpreendentes dos gatos quando não estamos por perto.

“Em muitos sentidos, os cientistas sabem mais sobre o comportamento errante dos grandes felinos da África que sobre os animais domésticos, o que levou a Horizon a se associar ao Royal Veterinary College nesse ambicioso experimento”, explicou Helen Sage, produtora da BBC Horizon. O resultado da parceria é uma série de vídeos documentais sobre nossos felinos de estimação, os gatos.
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Segundo as observações, os gatos costumam escolher rotas estratégicas para evitar confrontos. 
Hannibal Poenaru/Creative Commons

A vida secreta dos gatos é o resultado de uma pesquisa realizada com 50 gatos na cidade de Surrey, no Reino Unido. Os felinos foram vigiados 24 horas por dia com coleiras equipadas com GPS e “cat-cams”, câmeras especialmente projetadas para acompanhar os bichanos em suas atividades diárias.

Ao observar os detalhes do dia a dia de cada gato, os pesquisadores reuniram dados interessantes sobre seu comportamento fora de casa. Conheça as cinco conclusões do estudo:

1. Caçam menos do que pensamos

Quando os gatos perambulam pela rua ou pela vizinhança, não costumam caçar roedores e outros animais pequenos na quantidade prevista. O estudo sugere que a vida doméstica ocasionou mudanças comportamentais nos gatos, que gradualmente perderam parte de seus instintos, como a caça. De fato, acredita-se que os gatos continuarão a levar uma vida estritamente doméstica.

2. Tentam evitar confrontos

Uma das observações mais interessantes do estudo revelou que os gatos possuem um complexo sistema de marcações e sinais para indicar a outros felinos que estão ou estiveram em um lugar, evitando confrontos diretos. Embora os pesquisadores tenham observado disputas e brigas ferozes entre os gatos, na maioria dos casos esse sistema de sinais odoríferos evitava conflitos.

3. Roubam comida de outras casas

Os gatos do estudo tinham um lar e estavam bem alimentados, no entanto, muitos deles perambulavam pela casa de outros gatos para explorar e, em alguns casos, roubar comida. Embora o estudo tenha determinado que a maioria dos gatos prefere evitar confrontos, ter mais alimento ao seu alcance parecia ser uma grande tentação durante os passeios diários dos bichanos.
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Muitos gatos aprenderam a se comunicar om seus donos com miados e ronronados distintos. 
Tambako the Jaguar/Creative Commons

4. Percorrem distâncias mais longas

Quando os gatos saem de casa, vivem aventuras e percorrem distâncias maiores do que seus donos imaginam. Por meio do localizador GPS, instalado em cada gato, os pesquisadores observaram que eles percorreram vários quilômetros, inclusive em longos passeios noturnos, e entravam até em lugares perigosos.

5. Usam diferentes miados e ronronados para se comunicar

Quanto ao relacionamento com os humanos, o estudo concluiu que os gatos desenvolveram miados e ronronados mais ou menos complexos para comunicar diferentes sensações. Existe um ronronado comum, cotidiano, para expressar satisfação ou tranquilidade, e outros menos frequentes, com velocidades e intensidades diferentes, que expressam interesse, curiosidade ou ansiedade.

Você já observou algum comportamento curioso em seu gato? Conte nos comentários.

domingo, 18 de maio de 2014

Google compra aplicativo que traduz textos em celulares e óculos

Word Lens 'imprime' a realidade traduzida na tela dos óculos inteligentes ou de smartphones; equipe da empresa se unirá ao Google Translate

Por Agências

Aplicativo ‘imprime’ realidade traduzida em tela de óculos ou smartphone. FOTO: Reprodução

SÃO FRANCISCO – O Google adquiriu o aplicativo Word Lens, que permite ao usuário traduzir um texto impresso para vários idiomas, inclusive português, apenas voltando a câmera para ele, o que para os usuários do Google Glass significa poder traduzir um texto com o olhar, informou a empresa nesta sexta-feira.

Quest Visual, a companhia proprietária do Word Lens, anunciou hoje em comunicado em seu site que tanto a empresa como o aplicativo foram adquiridos pelo Google, e explicaram que sua equipe atual se unirá ao do Google Translate (o serviço de tradução do Google).

Embora o Word Lens também esteja disponível em aplicativo para sistemas operacionais iOS e Android, a função que lhe deu fama e que a levou a se destacar no setor das novas tecnologias é a que lhe permite ser instalada em dispositivos que se adaptam ao corpo humano, como os óculos inteligentes do Google.

A câmera dos óculos capta o texto escrito, mas em vez de mostrar a tradução para outro idioma na tela sem mais, a “imprime” sobre a realidade, ajustando a perspectiva, a cor e a fonte do texto original, de modo que o usuário tem a impressão de estar vendo o texto traduzido no papel.

Assim, alguém que use óculos inteligentes com Word Lens ativado verá a realidade que o cerca traduzida para o idioma que quiser.

“Ao nos unirmos à equipe do Google, poderemos incorporar a tecnologia de Quest Visual a Google Translate e às possibilidades de tradução do futuro”, indicaram desde Quest Visual.

A empresa, com sede em San Francisco (Califórnia), também informou que, como mostra demonstração de agradecimento a todos os que lhes ajudaram, oferecerão de forma gratuita a aplicação e todos os “pacotes” de tradução (que incluem as distintas línguas disponíveis) por um tempo limitado até que se integrem definitivamente à equipe do Google.

O Word Lens permite traduzir textos para inglês, espanhol, francês, alemão, italiano, português e russo. O preço da aquisição de Quest Visual por parte do Google não foi revelado.

/EFE

sábado, 17 de maio de 2014

Retrato de uma juventude

'O selfie é a expressão contemporânea da iconofilia. Torna visível a força invisível da tribo’, diz sociólogo francês

Juliana Sayuri - O Estado de S. Paulo

O retrato, aliás, o autorretrato é o seguinte: de manhã despertamos com o celular, zapeamos as notícias no tablet, conferimos o trânsito na rádio, tarde adentro ziguezagueamos no trabalho entre abas e abas repletas de imagens, letras e links, à noite assistimos à TV para pensar na vida – e às vezes para não pensar –, marcamos um bar com os amigos no Facebook, narramos o evento no Twitter e fotografamos o quão divertido está o encontro no Instagram. Socializamos o tempo todo, compartilhamos o tempo todo, curtimos o tempo todo. Curtimos?


 - INDEPENDENT.CO.UK
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No fim de abril, o diretor londrino Gary Turk postou seu “manifesto” Look Up, que já soma mais de 37 milhões de visualizações – ironicamente, uma crítica à midiatização da vida se tornou um hit no YouTube. Outro hit, já na casa dos 42 milhões de views desde agosto, foi protagonizado pela atriz Charlene deGuzman. No vídeo I Forgot My Phone, a americana é ignorada por todos ao seu redor, intensamente vidrados nos “likes” de seus smartphones, o que levou o jornalista Nick Bilton a publicar no New York Times uma pensata atilada à nossa sociedade: “Assistir ao vídeo de DeGuzman é desconfortável. É um golpe direto na nossa cultura obcecada com smartphones, cutucando-nos sobre nosso vício naquela pequena tela e sugerindo que talvez a vida possa ser mais bem direcionada quando é vivida – em vez de visualizada.” 
“Dizia Hegel, o jornal é a ‘oração’ matinal do homem moderno. As redes sociais serão a oração do homem pós-moderno”, considera o sociólogo francês Michel Maffesoli, diretor do Centre d’Études sur l’Actuel et le Quotidien (CEAQ) da Université Paris Descartes – Sorbonne. Autor de O Ritmo da Vida (2007), O Tempo das Tribos (2006) e Sobre o Nomadismo: Vagabundagens Pós-modernas (2001), entre outros, o teórico da pós-modernidade é um dos principais pensadores debruçados sobre questões culturais e ciberculturais da atualidade. Vê nos selfies mais uma expressão contemporânea da iconofilia, essa adoração imagética num looping rumo ao infinito como o que vimos nos últimos dias: Macaulay Culkin vestindo uma camiseta de Ryan Gosling, vestindo uma camiseta de Macaulay Culkin e assim por diante. 
Mas Maffesoli, aos 69 anos, é otimista sobre determinados aspectos da internet. Na sua visão, o avanço tecnológico não nos direciona ao antissocial. “Tende, ao contrário, a consolidar uma mise en relation. E uma das pistas que será preciso estudar sobre o desenvolvimento tecnológico próprio às mídias sociais é a emergência de novas formas de generosidade e de solidariedade”, diz. 
Nesta entrevista ao Aliás, às vésperas do Dia Mundial da Internet (celebrado no dia 17 de maio), o intelectual comenta as relações entre os “nativos digitais” nessas tribos contemporâneas. Pondera que, evidentemente, não estamos mostrando quem somos nas redes sociais – mas quem desejamos ser aos olhos dos outros. “Qual é o status dessas determinadas personalidades? De fato, elas não são mais consubstanciáveis a um indivíduo, mas representam uma máscara – a persona – de quem escolhe se posicionar nessa ou naquela rede social.” 
Para Maffesoli, essas relações tribais, especialmente entre os jovens, levam a um outro quadro: quer-se tanto viver em sociedade que os jovens se preocupam mais em se acomodar ao mundo – e não a querer transformá-lo. 
Qual é o papel das mídias sociais na pós-modernidade?
Podemos dizer que, na pós-modernidade, as mídias estão se tornando mais e mais importantes, especialmente as chamadas “mídias sociais”. Lembremos Hegel, que dizia no século 19: a leitura do jornal é a oração do homem moderno. Podemos pensar que as mídias interativas serão a oração do homem pós-moderno. Contrariamente às críticas tradicionais, porém, acredito que essas mídias favorecem a mediação, isto é, a relação e a inter-relação entre as pessoas. Se a modernidade, particularmente no seu momento final, viu o triunfo da “multidão solitária”, a pós-modernidade nascente verá se desenvolver uma multiplicidade de novas tribos urbanas, cuja essência é o relacionismo.
Com os avanços tecnológicos, nós estamos observando a emergência de uma geração ‘selfie’?
Certamente o selfie está no ar. Entretanto, na minha opinião, essa mise en scène de si mesmo não é, como se costuma dizer, o símbolo de um aprisionamento de si. Nessa perspectiva, discordo dos teóricos que abordam abusivamente o narcisismo. Prefiro dizer que os selfies compõem a forma contemporânea da iconofilia. Assim, podemos indicar um narcisismo tribal. Isso quer dizer que, ao difundir essas fotografias, nós pretendemos nos posicionar em relação aos outros da tribo. Se traçarmos um paralelo com uma imagem religiosa, o selfie tem uma finalidade sacramental, que torna visível a força invisível do grupo. O que me liga aos outros da minha tribo? Nós nos definimos sempre em relação ao outro. Assim, o fenômeno tribal repousa essencialmente no compartilhamento de um gosto (sexual, musical, religioso, esportivo, etc.). É preciso dizer que essa “partilha” cresce exponencialmente com o desenvolvimento tecnológico. 
Nas mídias sociais, publicamos ‘selfies’ sempre felizes. Somos tão felizes? Ou filtramos nossos retratos justamente para esconder nossas angústias atuais?
De fato, as mídias sociais (Facebook, Instagram, Twitter, etc.) tendem a dar uma figuração feliz de nós mesmos. Certamente não estamos sempre felizes. Mas há aí um movimento de pudor: nós tendemos a dar à tribo, ou às diversas tribos às quais pertencemos, imagens reconfortantes de nós mesmos. No entanto, historicamente, é preciso lembrar que os quadros e as esculturas, as imagens próprias a todas as civilizações destacaram essencialmente essa figuração de felicidade. Os últimos livros de Michel Foucault (História da Sexualidade: O Cuidado de Si e História da Sexualidade: O Uso dos Prazeres) mostram que isso marcou a Grécia e a Roma antiga. Foi o caso também na Idade Média. Para resumir em uma expressão: isso traduz um “pudor antropológico”, que é um elemento essencial do viver em sociedade.
Há quem argumente que a tecnologia está nos tornando antissociais. Temos muitos amigos no Facebook, mas estamos mais solitários?
Contrariamente aos críticos que sublinham o isolamento crescente, que seria característico das megalópoles pós-modernas, considero que a multidão solitária – na minha expressão, a solidão gregária – é uma das especificidades da modernidade decadente. Paradoxalmente, o desenvolvimento tecnológico não nos direciona ao antissocial. Tende, ao contrário, a consolidar essa mise en relation – no seu sentido forte e etimológico, o comércio das ideias, dos bens, dos afetos. É evidente que o termo “amigo” particularmente no Facebook não pode ser reduzido à concepção de amizade clássica, feita de relações intensas e recíprocas. Entretanto, a multiplicidade de amigos nos permite saber, se necessário for, onde e com quem manter relações sociais. E uma das pistas que será preciso estudar sobre o desenvolvimento tecnológico próprio às mídias sociais é a emergência de novas formas de generosidade e de solidariedade, nas quais os uns e os outros são causa e efeito de uma “horizontalização societal”. 
Divulgado nos últimos dias, um estudo da OMS mostrou que a depressão é a principal enfermidade entre os jovens. A vida virtual e a fragilidade das relações ‘tête-à-tête’ teriam impacto nessa geração? 
É preciso ter bastante cuidado com os diversos estudos institucionais focados principalmente no campo da saúde, que tendem a dizer que a depressão é a doença específica das jovens gerações. Valeria questionar se essa depressão não é característica das gerações no poder, quer dizer, das próprias gerações que comandam esses estudos e que talvez, num processo de compensação como destacou o psicanalista Carl Gustav Jung, tendem a projetar ao exterior o mal-estar que nós mesmos sofremos. 
Há tempo para contemplação do mundo atualmente?
No livro A Contemplação do Mundo, tento demonstrar que a tendência geral da pós-modernidade, perceptível particularmente nas jovens gerações, consiste menos em querer mudar o mundo – e mais em se acomodar ao mundo. Adaptar-se, ajustar-se a ele. Isso pode nos conduzir a evitar a devastação, cujos “saques” ecológicos são exemplos cotidianos. Com o sociólogo italiano Massimo De Felice, no Centro de Pesquisa Atopos da Universidade de São Paulo (USP), tentamos justamente desenvolver pesquisas sobre essa “ecosofia”. Acredito que é assim que precisamos compreender o “ritmo da vida”, isto é, pensar a existência a partir de um ponto fixo – a natureza, o território –, todos os elementos que fazem com que o ambiente social dependa do ambiente natural. Se a modernidade foi um pouco paranoica, levando à dominação e à devastação do mundo, na pós-modernidade uma nova sabedoria está em gestação. 
Por fim, a tecnologia é um meio? Ou uma mensagem?
É habitual considerar que, com a prevalência de um racionalismo exacerbado, a tecnologia moderna contribuiu para um desencantamento do mundo. No entanto, na minha opinião, é paradoxal observar que, atualmente, esse desenvolvimento tecnológico, especialmente nos seus usos sociais, nos direcionam a um reencantamento do mundo. Nessa perspectiva, as mídias sociais são ao mesmo tempo um meio e uma mensagem, que confortam a vida em sociedade. Se a modernidade se firmou a partir de um princípio individualista, a tecnologia pós-moderna abriga um relacionismo galopante – uma relação, como frisei, entre nós e os outros. 
Michel Maffesoli é sociólogo, teórico da pós-modernidade e autor de 'O tempo da tribos', entre outros livros