quinta-feira, 22 de maio de 2014

O analfabeto 
funcional

As próprias palavras são o detalhe essencial: 
repetir o que foi lido é fácil, mas o propósito do exercício é saber se somos capazes de traduzi-lo

Por Braulio Tavares



Pesquisas recentes mostram que grande parte dos universitários brasileiros é de analfabetos funcionais, isto é, são capazes de ler corretamente um texto, inclusive em voz alta, mas não conseguem entender o significado. (Na melhor das hipóteses, saem pela tangente com aquele velho papo de estudante preguiçoso: “Eu sei, mas não sei como explicar”.) Quando eu era estudante havia certa insistência das professoras (nessa fase mais remota, eram sempre mulheres) em dizer: “Leia esse texto, e depois o explique com suas próprias palavras”. As “próprias palavras” são o detalhe essencial, porque repetir o que foi lido é fácil, mas o propósito do exercício é saber se somos capazes de traduzi-lo (sim, é um processo tradutório, tanto quanto o de passar uma frase do inglês para o português).

Todo mundo pode decorar um soneto de Camões: Sete anos de pastor Jacó servia/Labão, pai de Raquel, serrana bela... Eu gostaria que um hipotético aluno meu me reproduzisse esse soneto em algo como: “Eita, professor, parece que o sogro dele enrolou ele... Ele queria casar com uma moça e prometeu trabalhar de graça pro véi, aí o véi era trambiqueiro, deu a outra filha, aí ele disse, tem nada não, danado – eu faço tudim de novo, mas agora quero a minha noiva, e se não me der, aí o diabo se solta!” Alguns professores rejeitariam uma interpretação tão heterodoxa. Eu daria nota 10 ao moleque.



Richard Feynman, Prêmio Nobel de Física, ensinou numa universidade brasileira e admirou-se ao ver como seus alunos, que sabiam de cor uma lei sobre a polarização das ondas luminosas, eram incapazes de explicar um efeito qualquer da visão da Baía da Guanabara através das vidraças da sala de aula. Na cabeça deles, a lei da Física era um simples texto, e a passagem da luz pela vidraça não tinha nada a ver com ela.

Seria o caso de questionarmos o analfabetismo funcional de uma parte muito maior da sociedade. Algumas pessoas são capazes de ler a Bíblia, a Constituição ou a Declaração dos Direitos do Homem, jurar-lhes fidelidade, e desobedecer-lhes sem piscar o olho. São incapazes de ver alguma relação entre aquelas palavras impressas no papel e os atos que estão praticando. Claro que muitos fazem isso por mau-caratismo. Mas não duvido que outros agem assim por deficiência intelectual mesmo. Uma coisa é aquele texto que alguém os obrigou a decorar um dia, e outra coisa muito diferente são os fatos da sua vida. Acham-se pessoas de bem, e sua sinceridade poderia ser comprovada até num detetor de mentiras.



Analfabetismo Funcional
Uma triste realidade de nosso país...


A UNESCO define analfabeto funcional como toda pessoa que sabe escrever seu próprio nome, assim como lê e escreve frases simples, efetua cálculos básicos, porém é incapaz de interpretar o que lê e de usar a leitura e a escrita em atividades cotidianas, impossibilitando seu desenvolvimento pessoal e profissional. Ou seja, o analfabeto funcional não consegue extrair o sentido das palavras, colocar idéias no papel por meio da escrita, nem fazer operações matemáticas mais elaboradas.

No Brasil, o índice de analfabetismo funcional é medido entre as pessoas com mais de 20 anos que não completaram quatro anos de estudo formal. O conceito, porém, varia de acordo com o país . Na Polônia e no Canadá, por exemplo, é considerado analfabeto funcional a pessoa que possui menos de 8 anos de escolaridade.

Segundo a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, mais de 960 milhões de adultos são analfabetos, sendo que mais de 1/3 dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento impresso e às novas tecnologias que poderiam melhorar a qualidade de vida e ajudá-los a adaptar-se às mudanças sociais e culturais.

De acordo com esta declaração, o analfabetismo funcional é um problema significativo em todos os países industrializados e em desenvolvimento. No Brasil, 75% das pessoas entre 15 e 64 anos não conseguem ler, escrever e calcular plenamente. Esse número inclui os 68% considerados analfabetos funcionais e os 7% considerados analfabetos absolutos, sem qualquer habilidade de leitura ou escrita. Apenas 1 entre 4 brasileiros consegue ler, escrever e utilizar essas habilidades para continuar aprendendo.

Mas como resolver essa situação? Como baixar esses números alarmantes? Sem dúvida nenhuma que a educação é o caminho. Alfabetizar mais crianças com melhor qualidade. Essa é a questão: qualidade e não quantidade.

Infelizmente, hoje vemos que o Brasil optou pela quantidade a qualquer custo. E o resultado disso é a enorme quantidade de analfabetos funcionais com diploma. O nosso país deveria se esforçar em alfabetizar com qualidade. Não é aumentando para 9 anos o Ensino Fundamental que a qualidade do ensino irá melhorar.

Também não é ampliando o horário escolar que teremos o problema resolvido. Se os alunos não forem incentivados à leitura, a atividades que trabalhem com inteligência, pensamento lógico e capacidade de relacionar temas diferentes, nenhum esforço do governo será válido.

Também não devemos nos esquecer dos professores. Melhoria nos cursos de formação dos docentes, remuneração adequada, capacitação continuada, etc. Dá trabalho, é verdade, mas o investimento na qualidade da educação é a única forma capaz de reverter esse quadro educacional brasileiro tão triste!!

Referência: INAF – Indicador de Analfabetismo Funcional

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