por Fábio Prikladnicki

Rafael Guerra vive um personagem que mergulha na embriaguez Foto: Gustavo Faraco / Divulgação
Em seu primeiro trabalho individual como dramaturgo, Fernando Kike Barbosa – mais conhecido como ator e diretor – cria um texto sem rubricas, ao qual tive acesso, com diversas vozes que podem ser lidas como um monólogo. Nesta primeira montagem, encenada por ele mesmo, optou por compor a cena com cinco atores da Cia. Stravaganza: Cassiano Ranzolin, Janaina Pelizzon, Liane Venturella, Rafael Guerra e Rodrigo Melo.
Tão ou mais surpreendente do que a dramaturgia é o trabalho de direção, extremamente sutil e cuidadoso. Há uma clara preocupação em provocar sensações no público, sem jamais encostar nele ou propor qualquer tipo de interação direta. O resultado é alcançado pela movimentação (aproximações e distanciamentos da plateia) e pela trilha sonora (de Paulo Arenhart).
A iluminação é um caso à parte: conta exclusivamente com lanternas de luzes coloridas que os próprios atores manipulam, iluminando-se a si mesmos de baixo para cima com o objetivo de criar uma estética meio expressionista, com as sombras do nariz e das sobrancelhas carregadas. Em quase uma hora de espetáculo, o público vê apenas rostos e outros detalhes, um tipo de fotografia a que estamos mais acostumados no cinema.
É o cenário perfeito para estes personagens sem biografia que vagam por uma cidade embotada pelo vazio da vida contemporânea na metrópole: um sujeito que não encontra motivação na relação amorosa e planeja um atentado, um desempregado estressado pela burocracia que busca alívio na bebida, uma senhora solitária que deposita afeto no cachorro, e por aí vai.
Estas vozes se encontram, ao final, em um acidente no qual um ônibus atropela um transeunte (tema mais atual do que nunca), mas o que importa não é o desfecho, e sim o durante. Uma polifonia de monólogos que veiculam preconceitos arraigados na sociedade: machismo, racismo, homofobia, etc. Aqui, o angry young man de John Osborne encontra o fluxo de consciência de James Joyce. Não há herói, nem anti-herói. É um retrato exagerado do nosso tempo, mas carregar a pincelada é um recurso clássico para melhor expor a realidade. Há pontas soltas na trama, o que não compromete a fruição.
Precisos em suas marcações, os atores têm desempenhos exemplares, coroando uma ótima fase da Cia. Stravaganza, que já havia estreado em 2012 um grande espetáculo (Estremeço, de Joël Pommerat, com direção de Camila Bauer).Pequenas Violências é uma forte candidata a melhor peça gaúcha do ano.
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