segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Paul Bloom: conhecemos o bem e o mal desde bebês, mas só a inteligência impede o preconceito

Para o professor de ciência cognitiva da Universidade de Yale, já nascemos com um aparato moral, uma “empatia instintiva”

por Demétrio Rocha Pereira

O psicólogo canadense Paul Bloom teve ocasião, no Fronteiras do Pensamentodesta segunda-feira, de aproveitar o público do Salão de Atos da UFRGS para testar um tanto de teses.

"Devemos confiar não nas emoções, mas na razão", defende Bloom Foto: Ricardo Duarte / Agencia RBS
No telão, um bebê afasta um boneco egoísta e se lança a abraçar um fantoche boa gente, que sabe dividir seus brinquedos com os colegas de pelúcia. Ternura na arquibancada. Depois a tela mostra uma senhora inglesa que, sem dar pelas câmeras que acusam tudo em Londres, decide apanhar um gato na rua e metê-lo na lixeira. Porto Alegre protesta: que barbaridade, que coisa vil!

Paul Bloom: "Até os bebês definem o mundo em termos de nós contra eles":: Veja a programação completa do Fronteiras 2014

— Temos uma capacidade quase perceptual de entender o que é bom e o que é mau — defende Bloom, apresentando experimentos em que bebês "elegeram” personagens solidários contra os antissociais e os “neutros” contra os malvados.

Para o professor de ciência cognitiva da Universidade de Yale, já nascemos com um aparato moral, uma “empatia instintiva” desenvolvida ao longo do processo evolutivo da espécie. É assim que um questionário, 70 anos atrás, descobria que os americanos pediriam duas vezes mais dólares para estrangular um gato do que para deixar alguém lhes arrancar um dente.

— Minha pesquisa está interessada em aspectos da moralidade que sãouniversais, que todos os seres humanos possuem — reitera Bloom, aceitando, por outro lado, que “nossa vida moral é profundamente influenciada pelassituações em que nos encontramos”.

Bloom concede que a biologia não pode explicar por que os juízes de Israel tendem a negar liberdade condicional aos réus quando estão com fome, ou por que o número de assassinatos nos Estados Unidos cresceu subitamente nos anos 1980, ou ainda por que os norte-americanos parecem cada vez menos preconceituosos. Mas isso, em vez de enfraquecer a sua hipótese, é incorporado como prova de que a inteligência deve domesticar o nosso rodapé moral.

Deixada à solta, a empatia instintiva vira ameça de morte à londrina que atirou o gato no lixo ou, para puxar exemplos de cá, o linchamento coletivo do suspeito, o “bandido bom é bandido morto”.

— Temos um impulso poderoso de punir o que vemos como errado. Nossa empatia programada é tragicamente limitada — observa o psicólogo, que detectou nos bebês um ranço irracional contra desconhecidos, nascedouro, por hipótese, de comportamentos como o do racista e o do homofóbico.

Nos testes de Bloom, a gurizada foi tão refratária a estranhos que, ao dividir recursos (fichas de pôquer) com uma criança desconhecida, optava pela pobreza em vez da abundância só para não ver o colega ficar com uma fatia um pouco maior do bolo. Uma solução para esse egoísmo inveterado, diz Bloom, está nas narrativas que nos aproximam do sofrimento do outro.

Se somos indiferentes à manchete que anuncia milhares de mortos em algum lugar distante, sucumbimos, por outro lado, à história isolada de uma das vítimas. Para Bloom, essa alternativa nos conduz pela trilha incerta das emoções, má baliza para a moralidade:

— Devemos confiar não nas emoções, mas na razão. Ficamos mais incomodados quando a internet não funciona do que com a morte de milhares de estranhos. A razão pode passar por cima das paixões, estender a nossa empatia, construir tabus e leis que reprimam nossas emoções. Como não somos naturalmente compassivos com o estranho, vamos sempre precisar de uma força externa para nos tornarmos pessoas boas — completa Bloom.

Se, no início do mês, o físico britânico Geoffrey West aplicou às cidades uma tradução estatística da filosofia de Platão, 20 dias depois o Salão de Atos avançou alguns séculos e assistiu a uma proposta iluminista de reforma do homem pelo império da razão. Ancoradas na crença na ciência, as duas palestras não transcorreram sem aviso prévio. No clipe de apresentaçao do evento, Mia Couto sempre vem dizer, em português de Moçambique:

— O pensamento foi feito para superar essas fronteiras, esses limites. Foi feito para rivalizar com o sonho nessa visitação que nós fazemos ao impossível. Precisamos de uma forma radical de repensar o próprio pensamento.

O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado pela Braskem e tem o patrocínio de Unimed Porto Alegre, Gerdau e Hospital Mãe de Deus. Parceria acadêmica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e parceria cultural de Natura, PUCRS e Celulose Riograndense. Promoção Grupo RBS.

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